É comum ouvirmos a metáfora “A família é a célula da sociedade” e prontamente concordarmos com esta afirmação. Mas a sociedade também tem grande parte na formação e educação da família, influenciando, condicionando e transformando os valores humanos.
A sociedade, nos últimos tempos, tem se desenvolvido em saltos com consequências diretas sobre o relacionamento familiar. Um dos grandes saltos é o avanço da tecnologia. Para exemplificar, tomemos apenas as comunicações: dos antigos “mensageiros” ao correio eletrônico, houve uma extrema mudança que permitiu maior quantidade, em menor tempo, a qualquer distância e menor custo. Apesar do indiscutível benefício, um malefício afeta o comportamento do homem: menos contato com o outro e mais contato com a máquina. Houve novamente uma quebra na noção de tempo e espaço influenciando o comportamento das pessoas, determinando novas exigências e transformando até a maneira de pensar. Em consequência disso, muitos outros aspectos da vida social e familiar também sofreram alterações consideravelmente fortes.
Em termos de relacionamento familiar, a pós-modernidade trouxe aspectos que colocam os valores e papéis familiares em questão. É possível detectar um estado de conflito quando vemos as gerações mais novas ensinando as gerações mais velhas, como no caso da informática; quando vemos filhos com vários pais; quando as mulheres assumem o trabalho e o papel exclusivo dos homens; quando a creche substitui a mãe; quando a mídia dita normas e padrões de comportamento. Esse conflito, típico do nosso tempo, é característico de uma sociedade em transição, porém uma transição muito acelerada que impede a reflexão e a própria educação. Assim, a sociedade como um todo, vai imprimindo sua marca no indivíduo.
Se a sociedade imprime sua marca na formação do indivíduo, precisamos observar em que sociedade estamos inseridos. Para isso, basta fazer uma análise sobre os fatos que nos rodeiam: ganância, consumismo, poder, poluição, impaciência, depredação ambiental, desemprego, impunidade, massificação, competição, falsidade, indiferença, pandemia. Tudo isso faz parte do ambiente do atual. Surge então a pergunta: como educar os filhos num clima de paz, amor, fraternidade, solidariedade? Como manter a família navegando no rumo do respeito ao outro e à natureza, da honestidade e sinceridade? Como navegar contra a correnteza? É importante mencionar que “a dimensão sociocultural do desenvolvimento humano não se refere apenas a um amplo cenário, um pano de fundo onde se desenrola a vida individual” (VYGOTSKY, 1984). A influência do mundo social desempenha um papel fundamental na construção do ser humano. É através da relação interpessoal concreta que o indivíduo interioriza as formas culturais estabelecidas. Portanto, a interação social e a cultura fornecem matéria-prima para o desenvolvimento do indivíduo.
Cientes de que a cultura de nossa sociedade arrasta em favor da correnteza, muitas vezes a família precisa lutar e navegar contra tudo isso, tendo o seu “norte” bem definido para não se deixar levar. Para esclarecer, vejamos algumas situações:
– não permitir que o filho volte para casa muito tarde, mas todos os colegas voltam tarde, porque a festa só começa tarde;
– não deixar frequentar certos lugares, mas todos os seus colegas os frequentam;
– não permitir a ingestão de bebida alcoólica, mas os bares e as festas servem sem restrição;
– proibir filmes pornográficos, mas com acesso à internet isso se torna ineficaz;
– proibir frequentar danceterias antes dos dezesseis anos, mas a danceteria permite, convida e estimula a presença;
– não assistir programas de televisão desaconselháveis à idade, mas a programação exibe tais programas ignorando os horários;
– não fumar, mas os atrativos da propaganda são muito mais fortes do que os argumentos dos pais;
– viver bem cada fase da vida, mas a mídia, com todo poder de sedução, ensina a atropelar a ordem natural das coisas.
Educar um filho é fazê-lo compreender que possuímos três naturezas: uma física e material que está ligada e dependente dos outros animais, vegetais e minerais; uma natureza social que está ligada e dependente dos outros seres humanos e uma natureza espiritual que está ligada e dependente de Deus. É fazê-lo compreender que somos parte do ambiente, da humanidade e de Deus. Que precisamos manter a harmonia entre as três naturezas, porque ao desrespeitar uma, sofremos consequências em todas as outras. Educar um filho, portanto, não depende só dos pais. Depende dos amigos, da escola, da igreja, do vizinho, dos grupos, do ambiente, da cultura, da mídia e de toda a estrutura social.
Se for preciso navegar contra a correnteza para manter a paz e a harmonia pessoal, social e espiritual a família deve continuar insistindo, pois não pode abdicar de sua função primordial e fundamental – a educação. Não é a tecnologia, nem a ciência, nem as novas teorias inconsequentes de vida fácil que trarão a felicidade para as novas gerações. O sucesso educacional só será alcançado através de uma construção contínua e coletiva entre família e sociedade.
REFERÊNCIAS
VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo, Martins Fontes, 1984.
Teresinha Bunn Besen – Mestre em Educação. Associada da Escola de Pais do Brasil – Seccional da Grande Florianópolis.
Publicado na Revista do 57 Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil, Edição 2021, p. 35-36.
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