Atualmente, a violência surge por todos os cantos do mundo, em todas as atividades sociais, não poupando, evidentemente, a família. Quem detém o poder, pode usar a violência com um meio de impor aos outros as decisões e agravos de toda espécie, sejam físicos, psicoemocionais, sociais ou culturais.
A existência da violência faz com que nos sintamos perseguidos, atacados e ameaçados por perigos que apenas sentimos estarem próximos a nós. E ameaçam o indivíduo, a família, a organização social, até mesmo a própria individualidade física e emocional do ser humano.
A obscenidade se apresenta como modelo típico de violência psíquica, a linguagem tornado-se o veículo do exercício do poder contra uma maioria quase sempre silenciosa.
Na família, constatamos uma relação entre o amor e o poder: o amor com ternura e o poder como autoafirmação. Ambos funcionam na família e se interagem.
O primeiro sentimento ou afeto que o ser humano recebe desde o estágio de recém-nascido é o do amor e do interesse. A mãe dá ao bebê uma sensação primal de segurança e afeto cada vez que o toma nos braços, que cuida dele, que o atende e lhe satisfaz necessidades físicas, emocionais e psicológicas primordiais. Talvez até sem o receber conscientemente, a mãe torna-se a fonte inesgotável de carinho, amor e dedicação. E essa situação provoca na criança uma necessidade de troca, intercâmbio, que parte do bebê em direção à mãe ou quem quer que seja o encarregado de cuidá-lo, alimentá-lo, acariciá-lo, enfim, de ocupar dele. O pequenino ser retribui o carinho e interesse recebidos com carinho e interesse também. Não agride quando não é agredido.
Bem diverso é o quadro do bebê que, ou não foi desejado ou nasceu em época não oportuna, como por exemplo: em tempo de depressão econômica, perda de emprego, doença grave, etc. A irritação da mãe (e do pai) se manifesta pela agressividade, desinteresse, frieza afetiva e até mesmo indiferença e maus tratos. Muitos conflitos conjugais são projetados sobre o bebê, produzindo graves perturbações que vão desde o sono agitado, insônia, inapetência, choro prolongado e difícil de ser acalmado e crises de apatia e indiferença ao meio ambiente.
A violência resulta, na maioria dos casos, de um sentimento de impotência diante das circunstâncias, incapacidade ou impossibilidade de reagir, minar ou destruir o obstáculo ou a situação que se apresentam.
Ainda mais, a violência resulta da insatisfação do adulto, de sua infelicidade e insegurança, e, sobretudo, da frustração ante os obstáculos, como no desemprego ou moléstia. Faz parte, frequentemente, das manifestações de uma personalidade doentia neurótica, que não aprendeu a reagir de outra forma.
A violência atinge a família quando se apresentam alterações nos alicerces morais e de fundo psicossocial que podem atingir, severamente, os elementos familiares, mãe, pai e filhos.
Vamos analisar essas alterações:
1 – Falta de respeito recíproco entre os adultos e entre irmãos, e consequentemente, entre todos os familiares. O sentimento de respeito de uns pela personalidade dos outros é fundamental, e sua alteração ou mesmo falta total podem abalar, agravar ou até destruir o “espírito familiar”, indispensável ao bom funcionamento do grupo familiar. Pais que não se respeitam, dão péssimo exemplo aos filhos, além de abalar a confiança no bom entrosamento de todos.
2 – Os problemas pré-existenciais no conteúdo e funcionamento familiar podem provocar o surgimento da violência no ambiente familiar. Explodem com grande intensidade através dos conflitos constantes dos pais entre si e dos pais com os filhos.
3 – É igualmente importante considerar a noção do “poder” ou a incapacidade de “agir” por si mesmo, como se “este” ou “aquele” fossem os únicos sempre certos nas polêmicas. A noção do poder provoca a violência, no sentido de querer se apossar desse poder; e na impossibilidade de fazê-lo, por medo ou incapacidade, partir para a agressão ou violência.
Nossa tendência é a de enfatizar o lado negativo da agressão – 1 – por temê-la, 2 – querer controlá-la. A agressão está repleta de ansiedade que transborda e se comunica, deixando-nos com sentimento de culpa e impotência. Sentimo-nos chocados com a violência dos outros, inclusive dos nossos filhos, e ao mesmo tempo, desarmados para combatê-la.
4 – Torna-se necessária uma constante “reativação” dos valores, limites e hábitos de cada um, a fim de que não nos sintamos desatualizados.
Nessa constante “tomada de posição”, que é a reavaliação recíproca de valores e crescimento próprios, teremos todas as oportunidades para uma comparação e decisão referente ao todo harmônico e integral de cada personalidade dos elementos componentes do sistema familiar. Sintomas de agressividade e de “inveja” do poder podem surgir no contexto dessa “tomada de consciência” e podem nos ajudar a minorar as situações de violência no seio da família.
Pais e filhos examinando-se reciprocamente, terão assim, oportunidade de “admitir” no ambiente familiar, seus anseios, agressões e “inveja” do poder percebidos de uns para outros. E que podem atingir a harmonia e a paz de espírito, tão necessários e úteis ao grupo familiar.
5 – Problema de intercomunicação, de entendimento recíproco, de linguagem; de “eu disse”, “eu quis dizer”, “não era bem isso que eu pretendia explicar e outras formas de desencontros linguísticos, podem minar a harmonia e bom funcionamento das relações recíprocas dos elementos familiares.
Devemos apelar para as explicações, a paciência e sobretudo, uma boa e saudável “abertura” na linguagem, para que todos se entendam e fujam das contradições. O que dizemos, com frequência, é entendido de forma diversa, assim como nós entendemos de certa forma (nem sempre a correta) aquilo que os outros nos comunicam. Não bastassem as divergências das línguas faladas no mundo inteiro, temos ainda os desencontros em nosso próprio idioma, naquilo que queremos dizer e que sai com outro sentido, frequentemente diverso do pretendido.
As mesmas dificuldades encontramos na imposição de atitudes dogmas, valores e maneiras de ser. Na imposição de limites e hábitos, devemos agir com cuidado, para que não estejamos utilizando nosso “poder” de forma agressiva. Essas imposições podem acarretar “resistências!, “raivas” e sentimentos agressivos, que se não forem, devidamente, “explicados e absorvidos” vão se transformar em “agressividade, violência, e também muitas vezes, em delinquência”.
Com o termo “delinquência”, não nos referimos a crime específico, e sim ao afastamento das normas da educação e do controle emocional da pessoa.
Os resultados de um aconselhamento dos pais não são, habitualmente, nem devem ser, “sermões” e, sim, uma troca de “pontos de vista” que longe de causarem revoltas e desobediência, irão trazer maior compreensão, cordialidade e aceitação. Os pais devem, ao invés de assumir a função de “juízes”, contentar-se com a de “amigos e orientadores”.
6 – E o que realmente preocupa, ao estudar a agressividade e violência na família, é o sentimento de ansiedade de que vêm impregnados tais sentimentos. Sentimos a ansiedade negativa, quando se trata de dominar ou reprimir seus anseios destrutivos. Associados à agressão, encontramos com frequência a “clastomania” ou o impulso de “quebrar as coisas”, um sentimento de destruição que atinge sua pior forma no espancador de mulheres.
Em geral as mulheres não se queixam dos maridos, preferindo ser sofredoras silenciosas.
Segundo Adler, a agressividade seria a vontade do poder, uma compensação de sentimentos de inferioridade.
Já se atribuía à agressividade, a obediência humana a símbolos e valores que vão desde o status, a religião, a linguagem, o vestuário até as etnias, classes sociais e sinais culturais, política, grupos fechados, etc.
O ser humano educado e, portanto, criado nos moldes e valores do seu grupo familiar, procura controlar e dominar a violência. Justamente porque nos atrai como correr atrás dos carros de bombeiros para ver onde é o incêndio, olhar atropelamentos, acidentes, touradas, descrições de assaltos, guerras e terremotos, etc.
Não podemos negar nossa secreta atração pela violência, ao mesmo que a praticamos em pequeno grau, diariamente. Nossa vida está repleta de pequenas violências, das quais a morte seria a violência final.
Cada vez que assistimos à violência e agressão, percebemos a ansiedade que nos assusta e causa pânico. Cannon aponta três reações do indivíduo à ansiedade e ameaça: 1 – fuga; 2 – luta; e 3 – resposta adiada. A fuga demonstra a ansiedade e medo (pânico). A luta indica agressão e violência. A resposta adiada é a reação mais comum das pessoas: significa “adiamento” da reação do indivíduo à violência. Quanto mais elevado o status social e a educação da pessoa, mais adiada é a resposta ao agravo.
Vivemos num mundo, numa sociedade, infelizmente, dominados pela violência. Em pleno século 21, convivemos com a guerra cruel que não deveria existir. Os valores democráticos em que acreditamos são justamente aqueles que são defendidos com a guerra cruel e sanguinária que atinge os inocentes, ao invés de protegê-los.
Através da TV, da informática, da imprensa e da mídia, somos vítimas da violência, da crueldade e do ódio entre os homens. Ainda somos obrigados a conviver com eles.
7 – Como poderemos combater os efeitos perigosos e destruidores da agressividade e violência em nossos lares?
Primeiro: organizando grupos de ativistas: pais, professores, pedagogos, psicoterapeutas, líderes comunitários, sociais e de organizações, para que juntos, trabalhemos pela proteção de nossas famílias, visando que permaneçam ao abrigo do verdadeiro assalto constante, diário, exercido pela publicidade incessante que envenena nosso ambiente psicossocial.
Segundo: pressionando a mídia, no sentido de que sejam retirados da TV, dos jornais e magazines, e publicações de toda ordem, os exemplos e encorajamentos de toda a sorte de violência e delinquência. Agir contra os programas que incentivam a violência e procuram fazer com que seja aceita com reação normal e diária de nossa vida em sociedade.
Terceiro: agir e influenciar elementos políticos no sentido de que sejam elaboradas leis, coibindo a apresentação de programas de TV, publicações, peças teatrais que incentivam a violência e propagam o crime. A pressão exercida sobre aqueles que têm o poder de legislar não deve esmorecer. Ao contrário, deve ser contínua e incansável para que obtenhamos bons resultados, eficientes e duradouros. Tem de ser feita através de cartas, telegramas, telefonemas, e-mails e Internet.
Cada um de nós de acordo com sua consciência e possibilidades deve participar dessa campanha de antiviolência. Os pais no lar, os professores nas escolas e os cidadãos no grupo social e junto aos legisladores.
Não desejamos lutar contra a agressividade natural do ser humano, necessária e produtiva. Queremos que seja utilizada positivamente e em benefício da sociedade humana.
Publicado na Revista nº 1 – 2009 – Escola de Pais – Seccional de Biguaçu
Isaac Mielnik – Médico Psicoterapeuta, membro da Academia Paulista de Psicologia, membro do Conselho Consultivo do Hospital israelita Albert Einstein, ex-membro do Conselho de Educadores da Escola de Pais do Brasil.
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