Educação financeira na família: desenvolvendo habilidades emocionais

Olá!

Vou me apresentar a fim de contextualizar o tema de interesse que apresentarei no 60º Congresso Nacional da Escola de Pais.

Sou Valéria Meirelles, psicóloga, com doutorado em Psicologia Clínica no Núcleo de Família e Comunidade da PUC-SP, no qual estudei o uso do dinheiro por adultos ao longo do ciclo vital. Com ele, a Psicologia do Dinheiro chegou academicamente no Brasil abrindo inúmeras possibilidades de atuação, seja na prática clínica ou em instituições, na quais atuo também como consultora e facilitadora de workhops.

Isto posto, para este importante evento, no qual tive o prazer de ser convidada, apresentarei informações sobre o uso do dinheiro na educação dos filhos, que podemos chamar de Socialização Financeira Familiar e/ou Socialização Econômica.

Por décadas atendi crianças e adolescentes e nos últimos anos, atendendo adultos, casais e famílias, muitos me pedem orientações a respeito de ensinar os filhos a usarem o dinheiro, bem como valorizarem o que recebem e possuem, além de desenvolver empatia pelo próximo. Complexo não é mesmo?

Sabemos quão desafiador tem sido educar os filhos no século XXI, tendo como principal “concorrente” as mídias sociais ou o aparelho celular.

Estímulos de toda ordem chegam às crianças e adolescentes, que são “abduzidos” pela barra de rolagem infinita e acabam vivendo em uma realidade paralela, que não privilegia encontros e afetos reais, mas que estimula desejos e necessidades artificiais.

O abraço, o olho no olho, o interesse pelo outro (sendo este outro o pai, a mãe, irmão, parentes), tem diminuído e nos encontros familiares, o celular atua como um “intermediário” nocivo, “colado” à mão, sequestrando parte considerável da atenção dos nossos filhos em relação à família.

Vivemos em um mundo incerto, complexo, repleto de contradições, ambiguidades, fragilidades que nos desafiam diariamente a torná-lo possível e viável a nós e nossos filhos. Um mundo onde o “consumo logo existo” e a “grama do vizinho é sempre mais verde que a nossa” são quase regras inquestionáveis.

Neste cenário, como ensinar os filhos a usarem o dinheiro mais como um recurso voltado a outros valores além daqueles para ter exclusivamente status e prestígio entre seus pares?

Como desenvolver neles habilidades “além tela”, nas quais o dinheiro seja mais um recurso para bem-estar, dignidade e desenvolvimento humano e social, pautado em princípios éticos?

E considerando as múltiplas configurações e novos arranjos familiares, como ensinar uso do dinheiro? E gerenciamento de recursos?

A nossa prática, apoiada por pesquisas, mostra que um adulto financeiramente funcional é aquele que tem uma relação equilibrada, responsável e saudável com seu dinheiro ao longo da vida, a despeito dos imprevistos (bons ou ruins), sem inadimplência ou superendividamento. E sabemos que não é nada fácil alcançar este “ideal”, vamos assim dizer.

Porém, há uma maneira de contribuir com isto, que é oferecendo Educação Financeira na família, já nos primeiros anos de vida da criança. E aqui, entende-se por Educação Financeira o ensino cotidiano do uso de recursos, anterior à compreensão cognitiva do uso do dinheiro. E é por isto que alguns autores se referem a este processo como “Socialização Econômica”.

Assim, precisamos ensinar nossos filhos desde pequeninos através de exemplos de otimização, economia, reciclagem e aproveitamento de bens e recursos, começando com pequenos gestos dentro de casa, como por exemplo, apagar a luz de um cômodo como não estiver ninguém nele.

Também podemos mostrá-los o valor da empatia ao estimulá-los a doar às crianças carentes e instituições, brinquedos, roupas e objetos que não usam mais. Ou aproveitando a triste situação do Rio Grande do Sul, mostrá-los o valor de doações, por menores que sejam. A realidade está aí e se impõe e interpõe a nós e nas relações.

Ensinar os filhos a esperar para ter algo que consideram importante, como um novo aparelho de celular ou simplesmente cuidar bem dele, também é uma ação econômica, pois entre o desejar e ter o objeto, seu filho pode desenvolver alguma habilidade para gerar renda e antecipar a compra do que ele quer.

Engajá-los nas atividades de casa, a despeito da possibilidade de terem colaboradores para as tarefas domésticas é outra forma de ir ensinando o valor tanto das coisas, quanto do trabalho e da colaboração.

Reforço isto pois escuto meus pacientes se queixarem de que os filhos não valorizam o que possuem, incluindo a boa qualidade dos estudos. Tristes e frustrados, vejo pais e mães sem saberem o que fazer para “resgatar” este filho/ esta filha.

E o que proponho é:  fique mais perto, sem celular, chame-o/ chame-a para atividades conjuntas. E desafio “o que podem fazer juntos, além tela, nem que seja por pouco tempo?”. Parece tão simples, mas sempre há olhos e ouvidos assustados em minha frente quando faço esta proposta.

Pois então, é sobre isto que falaremos: habilidades emocionais, através do uso funcional do dinheiro: saber reconhecer, nomear e gerenciar as emoções. Saber tolerar frustrações, ter paciência, conseguir esperar, ter empatia, solidariedade e criar conexões físicas com o próximo, começando pelo próximo mais próximo, que está dentro de casa. Tudo isto num contexto de recursos materiais sem escassez e com possibilidades de escolhas.

Finalizo reforçando a importância de ensinar os filhos a usarem os recursos da casa e da família, bem como entenderem os significados do dinheiro para si, no contexto material e nas várias relações, além de observar os efeitos e consequências de seu uso, é sim uma das tarefas parentais que precisam ocorrer em paralelo a tantas outras, como parte do processo da educação.

Afinal, como explicam inúmeros pesquisadores do tema, dinheiro é assunto que pertence à própria vida, independente de tabus, preconceitos e nível socioeconômico.

E se vocês se identificaram com o tema, convido-os a participarem para pensarmos juntos e ampliarmos saberes a fim de contribuirmos cada vez mais com a educação de nossas crianças e adolescentes.

Até lá!Dra. Valéria Maria Meirelles, Psicóloga, CRP 06/34329. Possui graduação em Psicologia pela USP (1989), com especialização, mestrado e doutorado em Psicologia Clínica pela PUC-SP. Neste último, estudou a Psicologia do Dinheiro, com a tese: “Atitudes, crenças e comportamentos de homens e mulheres em relação ao dinheiro ao longo da vida adulta”. Especialização em Psicologia Econômica -PUC-SP. Atua como psicoterapeuta, supervisora, palestrante e facilitadora de workshops envolvendo temas relativos a dinheiro, mulher, família, saúde financeira e educação financeira. Consultora da Serasa para assuntos voltados ao endividamento do consumidor. Professora convidada de cursos de pós-graduação envolvendo os temas: dinheiro, casal e família. Autora e organizadora de livros nas áreas acima. Atua em projetos voltados à saúde financeira/ bem-estar financeiro em instituições públicas e privadas. @valeriamariameirelles

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