CONVERSANDO COM CASAIS HOMOPARENTAIS

PRELIMINARMENTE

Preliminarmente, parece-nos importante lembrar que este item se refere a assunto delicado e polêmico na sociedade brasileira, bem como novo na Escola de Pais do Brasil, e que, portanto, deve ser tratado com os associados de maneira sensível e respeitosa, mas deixando clara a posição da EPB a respeito.

E, considerando que os dados jurídicos, psicológicos e sociais foram minuciosamente explanados no trabalho sobre mãe e pais solos, ater-nos-emos a considerações restritas ao tema proposto.

Lembramos, ainda, que o fundamento legal para a proteção integral da criança, seu melhor interesse e seu melhor desenvolvimento biopsicossocial encontram-se no art. 227 da Constituição Federal de 1988 do qual derivam a legislação infraconstitucional, na qual se inclui o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, e na Jurisprudência pátria.

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

INTRODUÇÃO

A vida não é linear. Ela transcorre em um processo inter-relacional no qual interagem aspectos constitucionais psíquicos e aspectos ambientais. Viver é a arte da comunicação.

A Psicanálise fala em funções materna e paterna, enquanto a Visão Sistêmica fala em construção de relações.

Em termos de parentalidade, esses conceitos não são excludentes, antes, se complementam. São os aspectos intrapsíquicos de cada pessoa que vão interagir com os de outra na construção da relação.

A família é o núcleo, mas as crianças vão interagir com outras pessoas e ambientes de onde, também, colherão modelos e referências, positivas e negativas.

O estereótipo do temor de que pais ou mães homossexuais vão criar filhos homossexuais não se sustenta, até porque a maioria das pessoas homossexuais provém de casais heterossexuais. A par disso, deve-se lembrar que o desenvolvimento social e psíquico de uma criança envolve também toda a comunidade que está ao seu redor.

Outra lenda é a crença de que aqueles pais queiram filhos semelhantes a si em termos de sexualidade.

Esses pais, como todos os demais, provavelmente, só querem criar os filhos para serem pessoas felizes, e, se fossem escolher, talvez a escolha não fosse por sua condição, pois bem sabem, como relatam, as dores e as dificuldades pelas quais passaram e, eventualmente, passam.

É importante ressaltar que o termo casais homossexuais nos parece mais apropriado que casais homoafetivos, tanto porque é a expressão jurídica, quanto porque nem todo casal homossexual é afetivo, como bem se observa nas inúmeras contendas judiciais. Nesse sentido, preferimos a expressão casal homossexual por isonomia a casal heterossexual.

De qualquer modo, estamos tratando de CUIDADOS COM OS FILHOS, quaisquer que sejam as características ou condições dos pais.

O exercício da parentalidade, tradicionalmente, foi reservado para se falar de casais heterossexuais.

Atualmente, com a maior exposição dos casos de parentalidade homossexual, começam a ser discutidas as dificuldades da parentalidade em qualquer condição, como ter um lar para abrigar seus filhos, condição financeira para criá-los, e estabilidade emocional e afetiva para exercer essa função.

Pais homossexuais precisam trabalhar para sobreviver e sustentar sua família, como quaisquer outros cidadãos; precisam aprender a criar filhos, como quaisquer pais; e mantêm relações sociais, como todos.

DOS CUIDADOS

Não há pais heterossexuais e homossexuais, assim como não há pais brancos, pretos e amarelos; pais indígenas e quilombolas; pais cristãos e não cristãos; pais mais saudáveis e pais menos saudáveis. Há, apenas, pais, e a única distinção existente é entre PAIS MELHORES E PAIS PIORES, BONS PAIS E MAUS PAIS, tanto casais como pai ou mãe solo.

E, evidentemente, cada qual terá que administrar a educação de seus filhos conforme determina a lei e, segundo seus valores e princípios, que precisarão ter fundamentos morais e éticos, atentando para as peculiaridades de sua condição, sob pena de serem destituídos da função parental.

Nessa perspectiva, os pais homossexuais podem precisar de ajuda e orientação específicas.

Considerando o objetivo de adotar uma criança, é importante que:

1. Cada membro do casal tenha sua própria condição sexual satisfatoriamente elaborada com o fim de não vir a projetar seu próprio conflito nos futuros filhos.

2. As famílias de origem estejam, na medida do possível, alinhadas àquela determinação, lembrando que a vinda de uma criança implica o envolvimento com as famílias, nuclear e extensa.

E, ainda, espera-se dos casais adotantes:

1. Serem pessoas dotadas de afeto, acolhimento e generosidade de espírito.

2. Terem clareza quanto a sua condição, ao pensar em adotar ou procriar por técnicas de reprodução.

3. Respeitem a história de nascimento das crianças e possam ajudá-las na manutenção das memórias positivas e na substituição das negativas, como abandono e maus-tratos.

4. Que, em pretendendo adotar uma única criança, procurem alguma que esteja só, buscando não separar irmãos biológicos.

5. Que sejam auxiliados pelos psicólogos judiciários da Vara de Infância e Adolescentes, onde corre o processo, para fazer uma aproximação gradativa com os futuros filhos, como de encontros em espaços públicos até mostrar-lhes a

própria casa.

6. Viabilizem o encontro dos filhos com irmãos biológicos, se o caso.

7. Serem orientados/as, psicologicamente, para a condução dos filhos adotados, concebidos por técnicas reprodutivas ou frutos biológicos de relacionamento anterior.

Do ponto de vista operacional, é preciso que os pais, dentro de suas possibilidades financeiras, estejam preparados para o acolhimento e a criação de seus filhos:

1. Organizando a casa, adequadamente, para a recepção e permanência dos menores, respeitando-lhes a idade.

2. Organizando seus horários de trabalho para que ambos/ambas possam dar atenção direta aos filhos.

3. Procurando uma escola que atenda às necessidades específicas das crianças.

4. Propiciando aos filhos vida social expansiva que estimule contato com outras crianças, como atividades esportivas e artísticas.

5. Oferecendo-lhes todo o suporte de saúde.

No que diz respeito à escola, seja pública ou privada, é importante considerar:

1. Que seja inclusiva no sentido amplo de acolhida às diferenças, sejam de etnia, de cor, de religião, de deficiências físicas, de especificidade familiar, como é o caso dos adotados, e, dentre esses, mais especificamente, filhos de pais homossexuais, entre outras.

2. Que tenha um olhar voltado à individualidade, podendo atender as crianças em suas demandas e necessidades.

3. Que tenha acolhimento às angústias e dúvidas dos alunos.

4. Que mantenha com os pais uma aliança positiva em relação a seus alunos, filhos deles.

A escolha da escola é de fundamental importância para a transição das crianças, em geral vindas de abrigos, e em momento de mudança radical de vida.

Em resumo:

Vocês são pais ou mães, o que significa:

1. Lidar em casa com naturalidade. Dar afeto, ensinar certo e errado, dar limites. Conversar sobre questões que as crianças ou adolescentes tragam.

2. Não evitar temas e tratar deles conforme a idade do filho. Usar linguagem adequada.

3. Ajudá-los a entender que as pessoas são diferentes e têm que ser respeitadas.

4. Não expor os filhos, desnecessariamente, a situações adversas, por exemplo, na escolha de uma escola que não priorize o lado humano.

5. Escolher uma escola que acolha as diferenças e saiba administrá-las nas relações, inclusive das crianças.

6. Lembrar que crianças não são, naturalmente, preconceituosas. Elas podem até perguntar umas às outras sobre como é ter dois pais ou duas mães, mas com a mesma espontaneidade com que perguntam a um amiguinho por que ele manca.

7. Não gerar ódio ou animosidade em seus filhos.

8. São os adultos que promovem sentimentos nas crianças, tanto bons como maus.

9. Não discutir assuntos de adultos na presença de seus filhos.

10. Propiciar convívio frequente com os avós e família extensa, tios, primos e outros.

FILHOS COM POSSÍVEL DISFORIA DE GÊNERO

Atualmente, há um certo movimento de liberação provocado pelo excesso de exposição do tema relacionado a transgêneros.

Talvez seja importante ter noções a respeito do assunto e tomar medidas de cautela.

Há pessoas que têm atração sexual por pessoas de outro sexo, os heterossexuais; há aquelas que têm atração sexual por pessoas do mesmo sexo, os homossexuais; e há aquelas que sentem uma dissonância entre seu corpo e seus sentimentos, anseios e modo de ser, os transgêneros, que podem, efetivamente, apresentar disforia de gênero1.

Nesse continuum, desde aceitar que um filho se diga homossexual até aceitar que um filho se diga transgênero, e queira mudar de sexo, há uma infinidade de nuances. E um longo caminho a percorrer.

É muito difícil passar por certas situações sem ajuda.

São processos que podem ser longos.

O maior erro está em tentar dar solução rápida, especialmente no caso dos supostos transgêneros.

Nem sempre o que o filho/a quer, é sensato e razoável, como tomar medidas radicais, como tratamentos hormonais ou fazer cirurgia de mudança de sexo. De outro lado, porém, também não é recomendável opor-se, radicalmente.

É preciso haver conversas, muitas. É preciso ouvir o filho/a, quando mais velho, e observar o comportamento quando pequeno.

Recusar-se a deixar que vista determinada roupa ou tenha a aparência preferida é radicalizar, o que tenderá a afastar a criança ou jovem, e dificultará ou até interromperá o diálogo.

Tudo o que não seja definitivo pode ser tolerado, explicado e conversado.

Psicoterapia é recomendada. Consulta médica, se o caso, também. É preciso haver cuidado com a escolha desses profissionais. Que sejam éticos, experientes e isentos, até porque o que se poderá fazer se, após a tomada de hormônios antes da idade, mudando as características físicas, ou após uma cirurgia definitiva, seu filho/a vier a se arrepender, e perceber que tudo não passara de uma fantasia?

Nem o profissional que se propõe a fazer ‘cura gay’ nem o que faz diagnóstico rápido e quer tomar medidas extremas e definitivas deve ser buscado.

Seu filho ou filha, provavelmente, está passando por angústia existencial séria, assim como a família. E, tanto, ele ou ela, como a família, precisará se fortalecer, buscando suporte psicoemocional.

De qualquer forma, é de se enfatizar que, ao nascer, seus filhos deverão ser tratados de acordo com seu sexo biológico: as meninas, como meninas; os meninos, como meninos.

Se, em algum momento, surgirem dúvidas, o tempo, a calma, a observação cautelosa e reflexiva, revestidos por um sereno diálogo familiar, poderão ser excelentes auxiliares.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O art. 227 da Constituição Federal de 1988 determina que É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Nesse sentido, é obrigação de todos cuidar do bem-estar e do desenvolvimento biopsicossocial das crianças e adolescentes.

Pais são pais, em qualquer condição, só se diferenciando em bons pais e maus pais, pais melhores e pais piores.

Desde que a sociedade vive em processo de transformação, e que, hoje, pais ou mães homossexuais passaram a fazer parte do cenário, devem, como quaisquer outros, serem ajudados a cumprir com suas obrigações parentais para criarem filhos, equilibrados psicoemocionalmente, e dirigidos à segurança e estabilidade na busca da autogestão de suas vidas, no futuro, e de sua felicidade sempre.

REFERÊNCIAS

1 CEZAR-FERREIRA, Verônica A. da Motta, Ideologia de gênero em uma visão psicojurídica. São Paulo: ADFAS, Associação de Direito de Família e das Sucessões, 2015.

https://adfas.org.br/wp-content/uploads/2023/01/Veronica-A.-da-Motta-Cezar-Ferreira-Parecersobre-ideologia-de-genero_22.01.2018.pdf

Verônica A. da Motta Cezar-FerreiraPsicóloga e advogada. Doutora e Mestre em Psicologia Cliníca pela PUCSP.  Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela USP. Psicoterapêuta individual, de casal e de família. Perita e mediadora. Sócia fundadora da Associação Paulista de Terapia Familiar (APTF), da Associação Brasileira de Terapia Familiar (ABRATEF) e da Associação de Psicoterapeuta (ABRAP).

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