Silêncio é uma forma cruel de poder e tortura quem é submetido a ele

Há quem escolha calar em determinadas situações por achar que este é um recurso para evitar problemas com o parceiro. Pura ilusão. O silêncio abre espaço para suposições que podem resultar desastrosas. Uma relação amorosa verdadeira requer simetria e também transparência. Um não pode deixar o outro no vácuo, sem saber o que está acontecendo.

O problema com o silêncio na relação está em que ele se oferece como uma perigosa tela em branco para as terríveis suposições. Muitas vezes aquele que cala imagina, ingenuamente, que assim evita conflitos. Na verdade dá ensejo a eles. A pessoa submetida ao silêncio é compelida a mergulhar num torturante jogo de adivinhações, sentindo-se na maior parte das vezes importante para mudar a situação. De caso pensado ou não, o silêncio consiste num exercício tirânico e perverso de poder.

Silenciar é uma forma de excluir o outro e, em geral, assume aos olhos do interlocutor o valor de uma punição. Com a interrupção da comunicação, teme-se que se tenha retirado também o afeto.

“Foi algo que eu fiz?”; “Foi algo que eu disse?” “Um esquecimento, uma mancada?”; , “Ofendi?”; “Magoei?”; “Feri?”; “Onde foi que errei?”. As hipóteses levantadas são inúmeras e, na maior parte das vezes, autorreferentes (formuladas na primeira pessoa), justamente em razão de o silêncio ser percebido como uma punição “merecida”, ainda que se desconheça o crime cometido. Esse tipo de leitura costuma ser feito por quem, a priori, SAE sente culpado. Incide, também, na vida de quem coloca o parceiro ou parceira no lugar de uma figura parental – a autoridade paterna ou materna -, que então, teria em suas mãos o “divino” direito de deliberar sobre o certo e o errado, sobre o valor e sobre o destino do “filho” ou “filha”.

Para superar a dificuldade – ou grande parte dela -, é preciso, antes de mais nada, que a pessoa submetida ao silêncio reconheça o caráter simétrico da relação (em contraste com a assimetria esperada para uma estrutura relacional pai/mãe-filho/filha).

O silêncio é uma forma de comunicação, com a peculiaridade e o agravante de ser “vazio”. A psique não tolera esse vazio e, então, preenche-o com suposições de toda ordem. Isso facilmente resulta em insanidade, atordoamento, sofrimento psíquico.  Levando-se esse fato em conta, é fundamental brecar o levantamento de hipóteses e solicitar do interlocutor o clareamento de sua comunicação silenciosa. Costuma ajudar quando a vítima do silêncio é capaz de comunicar seus sentimentos. “Sinto-me refém de seu silêncio”; “Sinto-me punido (punida) por algo que desconheço”;  “Não compreendo o que levou (a levou) a modificar nosso padrão de comunicação”; “Sinto-me disponível para ouvir e tentar compreender, mas, para isso, vou precisar que você seja claro (clara)”; “Sinto-me mais seguro (segura) quando o que se passa pode ser explicitado”; “Acho importante você saber que, diante de seu silêncio, eu me sinto impotente.”

A transparência tem a grande vantagem de não enlouquecer, mesmo quando seu conteúdo é desagradável. A tortura do silêncio é infinitamente mais lesiva para o interlocutor do que qualquer realidade que o silêncio escolha calar.

A relação amorosa precisa ser democrática. Ou não será amorosa. O uso perverso do poder por meio do silêncio precisa ser cassado pela vítima. Esse gesto libertará a ambos, uma vez que a situação que se instala não é justa nem saudável para ninguém. É o dominado que autoriza o dominador – portanto, pode, da mesma maneira, desautorizá-lo.

Alberto Lima – psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).

Publicado na Revista Caras edição 993, ano 19, nº 46, 16/11/2012. WWW.caras.com.br

3 Comentários

  1. Ainda faltam informações nesse texto, que é superficial porém introdutório numa sociedade difícil de tratar temas abusivos amplamente empregados como um comportamento “normal”. E eis que temos como “comportamento normal” o emprego de diversas técnicas de tortura. E ai de quem falar alguma coisa!

  2. Agradecemos a sua mensagem. Este tema merece ser mais debatido, analisado. O texto é uma feliz iniciativa.

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