Observar o comportamento do ser humano para com seus semelhantes é um enorme e fascinante campo de conhecimento. Podemos aprender muito sobre os homens através da observação do modo como agem uns com os outros, isto é, através de seu comportamento. Podemos também dizer que o modo de agir e reagir do ser humano pode ser comparado ao de alguns animais. Quem não conhece a teimosia do burro, que quando empaca, só sai do lugar quando ele próprio resolve? Ou a meiguice de um coelho tranquilo, fofo e peludo, que se assusta com muita facilidade; a tão falada inteligência da coruja que, quieta, observa tudo ao seu redor; a ferocidade de cães que ficam presos em correntes e não recebem carinho de seus donos?
Gosto muito da metáfora usada por Marshall B. Rosenberg (1999), fundador da CNV- Comunicação Não Violenta, sobre a girafa e o chacal. Ela pode ser usada para demonstrar como nossas palavras, ações e intenções contribuem para nos conectar com a vida, ou como podem nos alienar dela; é muito eficiente para nos ajudar a refletir sobre a complexidade da comunicação humana. Os chacais são animais dotados de uma energia frenética, rápida, cortante e, portanto, representativos de uma forma de relacionamento caótica: quando um rosna e mostra os dentes, o outro responde da mesma forma; estão comunicando um ao outro que não querem conversa, que não aceitam outro em seu território, e que o defenderão a qualquer preço; não sabem, ou não querem negociar, e comunicam-se sempre pela agressividade. Por sua vez a girafa, entre todos os mamíferos terrestres, é o animal que possui o maior coração: talvez ele tenha que ser tão grande para conseguir levar o sangue através de seu imenso pescoço até o cérebro! Donas de um coração tão grande, a ideia é a de que as “girafas” ouvecom o coração, sem fazerem julgamentos de valor: apenas observam com empatia e uma presença afetuosa tudo aquilo que as cerca. Seu longo pescoço poderia representar a visão, ou a capacidade de ver claramente o que realmente é importante na questão que observa, através de várias perspectivas. Comunicar-se “como uma girafa” significa levantar o pescoço a uma altura em que se pode ver o que há por trás das palavras que possam nos parecer ofensivas: quais seriam as necessidades daquela pessoa que não estão sendo atendidas, e que assim a fazem comunicar-se daquela forma violenta e agressiva?
Todo comportamento é uma escolha. Nós escolhemos, o modo como ouvimos, as interpretações que damos ao que ouvimos, e como respondemos aquilo que ouvimos, ou pensamos que ouvimos. E também podemos compreender que os nossos comportamentos são pura e simplesmente estratégias para satisfazer necessidades. Assim, sempre nos comunicamos buscando suprir alguma necessidade. A forma pela qual o fazemos depende de quanto estamos cientes do motivo, e da necessidade de estarmos fazendo o que estamos fazendo.
É comum conhecermos pessoas que à primeira vista nos assustam com seu jeito de ser. E como respondemos a esse comportamento? Seria muito importante começarmos a prestar atenção e tentar compreender o que está por detrás daquilo que não conseguimos ver, que não podemos ouvir, enfim, aquilo que não conhecemos em nós mesmos e nos outros. Dessa forma poderíamos entender que mesmo quando alguém escolhe uma estratégia de comunicação violenta, no fundo poderá estar apenas expressando necessidades não satisfeitas. Do nosso vasto e rico repertório de música popular brasileira uma delas descreve um rapaz com o tipo de comportamento/chacal:“… sempre diz que é do tipo cara valente; mas veja só, a gente sabe que esse humor é coisa de um rapaz; que sem ter proteção, foi se esconder atrás da cara de vilão”; “… essa cara amarrada é só um jeito de viver na pior; um jeito de viver nesse mundo de mágoas…” (2).
Quem ouve como girafa os rosnados de um chacal escolhe abrir seus ouvidos e coração, e então está apto a escutar e entender um outro lado da história de uma pessoa . É importante lembrar que esse comportamento/girafa não nos imuniza contra sentimentos ruins ou negativos que se apossam de nós, em resposta ao comportamento ou fala de uma pessoa que nos magoa. Todos nós queremos, e temos o direito, de sermos amados, reconhecidos, elogiados e livres. E também gostamos de ser úteis. É confortável e muito gostoso viver em ambiente amoroso e colaborativo.
A Comunicação Não Violenta – CNV apoia o estabelecimento de relações de parceria e de cooperação na busca de uma forma de comunicação eficaz e empática. Aqueles que fazem uso da CNV consideram que todas as nossas ações tem origem na tentativa de satisfazer as consideradas necessidades humanas, mas o fazem de modo a evitar o uso do medo, da falha, da vergonha, da acusação, da coerção ou de ameaças, já que nossas necessidades, anseios e esperanças não podem ser satisfeitos às custas da infelicidade de outras pessoas. Assim, colocam ênfase na expressão de sentimentos e necessidades, ao invés de emitir críticas ou juízos de valor, e concentram sua atenção em quatro áreas: o que observamos, o que sentimos, do que necessitamos, e o que pedimos para enriquecer nossas vidas. Para definir acordos, ensinam a distinção entre observações e juízos de valor; sentimentos e opiniões; necessidades (valores universais) e estratégias, e entre pedidos e exigências ou ameaças. Tudo num nível consciente, já que Rosenberg (2006) postula que ficamos perigosos quando não temos consciência de nossa responsabilidade por nossos comportamentos, pensamentos e sentimentos.
REFERÊNCIAS:
- Polo Formador de Especialização em Terapia Comunitária Integrativa UNIFESP/HSP Universidade Federal de São Paulo / Hospital São Paulo rcsmathis@yahoo.com.br
- “Cara Valente”, de Marcelo Camelo
Regina Célia Simões De Mathis
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