Parentalidade distraída: o mal dos adultos que dão mais atenção às telas do que às crianças

Não é o tempo de tela só das crianças que afeta o desenvolvimento infantil.

Quando se trata do desenvolvimento infantil, os pais precisam se preocupar não só com o tempo de tela de seus filhos, mas também com o seu próprio. Isso não quer dizer que não seja importante prestar atenção na relação dos pequenos com a tecnologia, algo que apresenta diversos riscos, mas também é fundamental falar mais sobre a divisão de atenção que os adultos fazem entre seus smartphones e as crianças. A distração crônica dos adultos em função do celular pode ter efeitos duradouros no desenvolvimento cognitivo e emocional de seus filhos.

O que é parentalidade distraída?

Há mais de vinte anos, em 1998, a pesquisadora Linda Stone cunhou o termo “atenção parcial contínua” para falar desse novo estilo de relação entre pais e filhos que afeta negativamente a comunicação responsiva, base da aprendizagem humana. Hoje, chamamos isso de parentalidade distraída.

Sabe quando a família inteira está junta em um restaurante e todos estão olhando para o celular? Ou quando durante um passeio os adultos estão resolvendo problemas de trabalho no telefone, sem fazer contato visual com os pequenos que estão junto com eles? Isso é parentalidade distraída. É o excesso de uso de tecnologias, como celulares e tablets, por parte dos pais na presença das crianças.

Em um mundo onde nossos celulares tornam-se centrais portáteis de exigências profissionais e pessoais, é fácil se deixar consumir pela demanda de atenção dos aparelhos. Entretanto, quando adultos estão fisicamente com seus filhos, mas sua concentração está no celular, as crianças são impactadas de diferentes maneiras. Há riscos físicos – estudos mostram correlação entre a falta de atenção parental devido ao uso de tecnologia e maiores incidências de ferimentos infantis no parquinho -, emocionais e de aprendizagem.

Quais são os efeitos no desenvolvimento infantil?

Para bebês e crianças pequenas, os olhos de seus cuidadores são importantes auxílios de aprendizado: os pequenos olham para os rostos e olhos de adultos para aprender deixas sociais, por exemplo. E a forma de aprender linguagem – a base da aprendizagem humana – é relacional. Estudos mostram que bebês de 9 meses que tiveram aulas de mandarim com um humano em poucas horas já conseguiam identificar e isolar alguns sons da língua. Os bebês que foram expostos à mesma lição, mas em vídeo, não conseguiram fazer o mesmo. Isso demonstra que os processos de aprendizagem se dão por meio de interações de qualidade entre as crianças e seus cuidadores.

A professora de Psicologia Kathy Hirsh-Pasek, que dirige o Laboratório de Idiomas Infantis da Universidade Temple (Filadélfia, EUA), resume em entrevista para a revista The Atlantic: “As crianças não conseguem aprender quando interrompemos o fluxo de conversas pegando nossos celulares ou olhando para o texto que passa pelas nossas telas”.

Então, quando as interações entre pais e filhos são interrompidas por uma mensagem de texto ou por uma rápida olhadinha no Instagram, um problema começa a surgir. De pouco em pouco, o que pode parecer inofensivo se torna um padrão de comportamento problemático, que impacta negativamente o desenvolvimento cognitivo das crianças. Aqui, a chave é diferenciar o ocasional do crônico: uma mãe que explica que não pode falar agora porque precisa se concentrar em uma tarefa no computador durante uma hora, um pai que pede para as crianças saírem para brincar no quintal enquanto fala rapidamente no telefone, são comportamentos normais, que fazem parte da vida. Entretanto, o que se observa hoje é que a todos os momentos os adultos, mesmo que fisicamente junto das crianças, se deixam interromper pelo celular de forma constante, quebrando as interações com seus filhos.

Do ponto de vista emocional, essa desatenção crônica também pode ter consequências negativas. Sentindo que precisam competir pelo olhar dos adultos, as crianças muitas vezes começam a escalar seu comportamento para chamar atenção de seus pais. Essa escalada pode levar as crianças a adotarem atitudes de risco, desde pular do alto de um brinquedo da pracinha até matar aula na escola, na expectativa de que algum adulto preste atenção.

Bem-intencionados e com vontade de registrar momentos valiosos, muitas vezes perdemos tempo tentando fazer o vídeo perfeito dos nossos pequenos descendo o escorregador, para mandar no grupo de família do WhatsApp, em vez de nos engajarmos em conversas, fazermos contato olho no olho e brincarmos junto.

E o que os pais podem fazer?

Celulares fazem parte da vida, e não parecem estar indo embora. Em vez de fingir que essa realidade não existe e que não seremos interrompidos por notificações, é preciso se adaptar. Entretanto, os pais podem e devem fazer o esforço de controlar o próprio uso de tecnologias digitais móveis na presença das crianças, para que os momentos de convívio sejam interações de qualidade, com atenção e intenção de se conectar com os pequenos.

Deixar o celular – dos adultos e das crianças – longe da mesa de jantar, ou do tempo de contação de histórias antes de dormir, pode parecer coisa pequena. O efeito cumulativo dessas atitudes cotidianas, entretanto, é duradouro.

*Site LABORATÓRIO DE EDUCAÇÃO – Fundado em 2012 pelas educadoras Beatriz Cardoso e Andrea Guida Bisognin, o Laboratório de Educação é uma organização não governamental que busca sensibilizar os adultos sobre o seu importante papel no processo de aprendizagem das crianças, oferecendo meios para promover interações significativas dentro e fora da escola: traduzimos, integramos e materializamos o conhecimento científico, tornando-o aplicável em situações cotidianas.

Disponível em: https://labedu.org.br/parentalidade-distraida-tempo-tela-pais-filhos-criancas/

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