É difícil encontrar um adolescente ou um adulto jovem que não tenha tido contato com os videogames. Desde meados dos anos 80, quando os jogos eletrônicos começaram a se popularizar no Brasil (lembram o Atari e o Odissey?), a nova mania teve rápida difusão – assim como foi com a televisão e está sendo com a internet. É curioso constatar que mesmo a Internet, criada para fins científicos e militares, hoje é mais usada para o lazer: incluindo aí o acesso a mais games.
Alguns pais ficam assustados com a explosão da oferta desses jogos. Acreditam que seus filhos são de alguma forma hipnotizados por esses programas, escravos dos cada vez mais sofisticados equipamentos que chegam ao mercado. Com a internet, essa “hipnose” agora estaria influenciando simultaneamente várias crianças, já que pessoas de diversos países podem jogar conectadas. São formados verdadeiros clãs, equipes disputando pontos dentro do mesmo cenário, jogando em tempo real com uma tecnologia semelhante à usada nas videoconferências.
Enquanto os jogos eletrônicos são uma diversão fácil e prazerosa para as crianças – que não precisam de nenhum curso para se tomarem experts no assunto – , os adultos têm mais dificuldade para jogar. E, por isso, os encaram como algo desconhecido e ameaçador. Desconfio que essa é a origem das acusações do tipo: “as crianças passam tempo demais diante do videogame”; “os jogos são alienantes”; “prejudicam o desenvolvimento infantil”; e, o mais recorrente: “a violência desses jogos pode desencadear uma onda de agressividade em nossa sociedade”.
Tenho 73 anos, sou avô de cinco netos e acompanho a evolução do videogame desde os seus primórdios. Nunca soube de nenhuma epidemia de violência que pudesse ser atribuída a esse tipo de diversão. Nem de abuso de drogas e álcool decorrentes desses jogos. E não adianta citar aqueles casos de um jovem que estourou os miolos de seus colegas de escola dizendo que foi influenciado por um jogo sanguinolento. Sou psiquiatra, advogado e sei o que é um distúrbio mental, assim como sei que, depois de um surto de psicose acompanhado de violência, até o Tom & Jerry pode ser culpado. Afinal, eles também tinham sua dose de perversão. É só lembrar as cenas crueis em que o Jerry coloca fogo no rabo do Tom ou em que esfola a sua pele. E tudo era motivo de gargalhadas.
A mesma geração de pais e avós que critica o videogame (e eu me incluo nessa geração) parece se esquecer dos filmes em preto e branco de 60 anos atrás em que os índios eram os vilões e abriam, com um machado, a cabeça dos fazendeiros. Era então mais que justificado disparar centenas de tiros de revólver e carabina sobre os nativos.
Quando veio o technicolor, o sangue dos índios ganhou cor e aplausos da plateia, que gritava: “Mata… mata…” E nunca ouvi alguém dizer que esses filmes e desenhos prejudicaram a vida adulta dessa geração. Como psiquiatra pude comprovar a falsidade dos males provocados pelos videogames depois de fazer algumas pesquisas. Os dados mostraram que esses jogos, na verdade, ajudavam no desenvolvimento da personalidade das crianças, principalmente entre os meninos (80% dos aficionados pelos jogos são homens).
Constatei que a maioria dos adultos que jogaram videogame na infância e na adolescência fizeram cursos em áreas de exatas, administração e comunicação. E quase todos concordaram que o videogame aumentou suas habilidades em estratégia e lógica. Não concordaram que a violência dos Jogos os tenha contaminado. Quando perguntamos o que significava para eles cortar a cabeça ou arrancar o coração de um inimigo nos jogos, a resposta foi a mesma: apenas um meio para chegar a próxima fase do seu jogo predileto.
Outros trabalhos confirmaram que o videogame não é um catalisador da violência. Uma pesquisa feita pela polícia de São Paulo no fim dos anos 80 para detectar a distribuição de drogas entre jovens que frequentavam fliperamas (e não praticavam esporte) revelou que eles não cometiam atos de violência em número maior do que os grupos que não jogavam fliperama. Estudos com as agressivas torcidas de futebol de Inglaterra, Holanda e Bélgica mostraram que esses torcedores foram esportistas na puberdade – e não aficionados por games violentos.
Em vez de procurar um bode expiatório para o mau comportamento dos seus filhos, os pais deviam estar mais preocupados em melhorar o relacionamento com eles, demonstrando afeto e procurando conhecê-Ios melhor. Sentar com eles para uma partida de videogame talvez seja um bom início de conversa…
Publicado na Revista Superinteressante de Março de 2001.
Haim Grunspun – Psiquiatra, psicólogo clínico, bacharel em direito e professor da PUC-SP
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