Telas digitais no contexto familiar: a serviço de quem? 

Segundo o professor israelense Amos Rolider (2019), o tempo médio diário dedicado por pais aos filhos era de 14,5 minutos. No Brasil, estudo similar indicou que um pai brasileiro típico dedica apenas 10 minutos por dia aos seus filhos.

Confrontando esse restrito “tempo de pai”, Rideout e colaboradores (2017) apontaram que, em países ocidentais, um bebê de dois anos de idade tem, em média, duas horas de “tempo de tela” (smartphones, tablets, televisões etc.) por dia. Aos oito anos, esse tempo mais que dobra (cinco horas), alcançando, na adolescência, mais de sete horas diárias.

Ademais de precoce e pesada, essa carga horária geralmente ocorre sem supervisão. Antes dos dois anos de idade, apenas metade dos pais diz estar presente “o tempo todo” ou “a maior parte do tempo” quando o bebê está diante da tela (Wartella et al., 2014).

A inclusão dos excluídos

Para muitos, esse padrão de uso das telas digitais faz jus ao termo “babás eletrônicas”; para outros, uma análise contemporânea da utilização desses dispositivos também não os distanciaria de serem classificados como uma nova — e socialmente mais aceitável — forma de “abandono”.

Estudos diversos têm demonstrado que, por variadas razões, os bebês “abandonados” ao uso intenso das telas digitais encontram-se especialmente em meios sociais menos privilegiados (Mendelsohn et al., 2010; Duch et al., 2013; Kabali et al., 2015).

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua sobre Tecnologia da Informação e Comunicação (Pnad/TIC) (IBGE – 2023) apontou que, no ano anterior, 85% das crianças brasileiras já tinham acesso à internet e quase 85% dos adolescentes já possuíam seu próprio smartphone. O uso de celular entre pré-adolescentes e adolescentes no Brasil, além de mais precoce, está bem acima da média global: entre 10 e 14 anos de idade, a média brasileira foi de 95%, enquanto a global foi de 76% (McAfee, 2022).

A verdade é que essa poderosa “inclusão digital” exclui! Conforme Rideout et al. (2017) e outros, a despeito do que muitos pais preferem imaginar, essa pesada carga horária virtual é prioritariamente ocupada por telas “recreativas”, tais como jogos e redes sociais, e não para a realização de atividades educacionais e deveres de casa (no pré-adolescente, por exemplo, essa relação é 13 vezes mais favorável aos fins recreativos). O Brasil supera a média global de crianças que possuem um dispositivo móvel e são propensas a dizer que o utilizam para esse fim, contribuindo para ostentar o título de terceiro país que mais usa redes sociais no mundo.

Vão-se os neurônios, ficam os dedos

Em resumo, é tempo demais “brincando” com o perigo, em várias de suas formas. Um estudo demonstrou que uma em cada cinco crianças que navegam na Internet já foi vítima de pedófilos, o que, comumente, não deixa marcas corporais visíveis aos seus cuidadores.

Se as telas recreativas predominam, mesmo em telas supostamente educativas, uma transferência desses aprendizados digitais para a vida real dos bebês até os três anos de idade parece ser limitada. Este conceito, chamado déficit de transferência, mostra que bebês aprendem mais com interações face a face do que com interações virtuais em mídias bidimensionais (Barr, 2010; Moser et al., 2015).

Como “espécie”, somos seres interativos que buscam referências e acolhimento de suas necessidades em seus semelhantes. Contextualizado pelo tripé do enfraquecimento das interações humanas — que limita as aquisições cognitivas e sociais —, do comprometimento da linguagem e da deterioração da concentração (Desmurget, 2021), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que bebês de até dois anos não tenham nenhum tempo de tela.

Como “espécie”, somos seres interativos que buscam referências e acolhimento de suas necessidades em nossos semelhantes. Contextualizada pelo tripé do enfraquecimento dessas interações humanas (as quais, diminuídas, limitam as aquisições de habilidades cognitivas e sociais), do comprometimento da linguagem e da deterioração da concentração (Desmurget, 2021), a Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que os bebês de até os dois anos de vida não deveriam ter nem um minuto de tempo de tela por dia.

Entre os dois e cinco anos de vida, as crianças deveriam perder em ambiente virtual no máximo uma hora por dia; depois do quinto ano, no máximo duas horas, a partir das quais estudos diversos apontam danos cerebrais causados pelo tempo excessivo de tela. Em síntese, para várias entidades, como a SBP e a Associação Americana de Pediatria, o atual uso excessivo de telas digitais compromete o desenvolvimento infantil e prejudica pilares sociais como a alfabetização, podendo impactar a arquitetura cerebral na primeira infância (Pagani et al., 2013 e estudos diversos em “A fábrica dos cretinos digitais” – Desmurget, 2021).

Estudos adicionais apontam que o uso excessivo de telas digitais se associa a danos ao sono (relacionados à luz de telas); obesidade; problemas cardiovasculares; expectativa de vida reduzida; agressividade; depressão e comportamentos de risco, incluindo uma dependência mediada por dopamina.

Tais evidências precisam direcionar nossas ações intencionais para o primário papel protetor da família. Entre a parentalidade e os filhos competentes neste século estará a tecnologia; esperamos, verdadeiramente, a serviço das pessoas.

Dr. Ailton Cezário Alves Júnior – Médico, mestre e doutor em Saúde da Criança e do Adolescente (UFMG). Presidente da Associação “Be a Child”/Casa Nutri.

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