
O processo de inclusão digital, com o acesso e o uso da internet, vem sendo proporcionado à sociedade brasileira há mais de três décadas, trazendo consigo avanços significativos no uso de ferramentas tecnológicas cada vez mais aprimoradas. Esse acesso é mediado por dispositivos tecnológicos, que evoluíram desde os computadores que ocupavam salas inteiras, com emaranhados de cabos e fios, passando pelos computadores de mesa, laptops portáteis, tablets, até chegar aos telefones celulares e relógios inteligentes, facilitando a mobilidade e o acesso à internet por ondas de rádio, com a rede Wi-Fi em funcionamento.
São mais de 30 anos desde que essas tecnologias digitais foram chegando às nossas vidas, resultado do progresso científico, com promessas teorizadas de que ajudariam na busca, na troca, no armazenamento, na mineração e na publicação de dados e informações. Na prática, isso realmente aconteceu e está acontecendo, inclusive com a sinalização de tendências futuras de aplicação e expansão tecnológicas inimagináveis.
Inúmeras são as aplicações das tecnologias digitais que beneficiam a humanidade. Podemos citar alguns exemplos: o uso de sistemas inteligentes para o controle de tráfego (aéreo, rodoviário, naval); a proximidade de pessoas distantes geograficamente por meio da comunicação instantânea; a telecirurgia, que possibilita intervenções cirúrgicas a distância; e o acesso a cursos técnicos, de aperfeiçoamento, graduação e pós-graduação para formação profissional e acadêmica, por meio da Educação a Distância.
Poderíamos seguir com inúmeros exemplos de uso significativo das tecnologias digitais que favorecem e ampliam as capacidades humanas, mas já passou tempo suficiente para reconhecermos que esses aparatos não estão somente beneficiando e agregando valor à existência humana e ao convívio social.
Para aguçar nossa reflexão, façamos um salto para a realidade brasileira atual, marcada pela promulgação da Lei Federal nº 15.100/2025, que proíbe alunos de utilizarem telefones celulares e outros aparelhos eletrônicos portáteis em escolas públicas e particulares, inclusive no recreio e nos intervalos entre as aulas.
O que antes era de livre acesso (celular), por força de lei, desde janeiro de 2025 não pode ser usado por crianças e adolescentes nos espaços escolares de educação básica sem o consentimento e a orientação do professor. Diante dessa legitimidade que impede o acesso irrestrito a um dispositivo tecnológico de expoente uso no Brasil, apregoamos cinco perguntas emergentes:
– Essa proibição foi abrupta (sem aviso)?
– As consequências do uso precoce, compulsivo e ilícito do celular já não estavam sendo anunciadas desde o início do milênio por profissionais das áreas da saúde (psicólogo, neuropediatra, psiquiatra,…), da segurança (perito criminal, policial,…) e da educação (professor, psicopedagogo…)?
– À medida que essas tecnologias digitais, incluindo as portáteis, foram sendo oferecidas às crianças e aos adolescentes brasileiros, os pais constituíram mecanismos de acompanhamento permanente do uso e processos avaliativos de impactos na saúde, na cognição, na integridade física e mental, e na segurança desses seres em desenvolvimento biopsicossocial, educacional e cultural?
– Os pais, ao permitir o acesso e uso das tecnologias digitais aos seus filhos, crianças e adolescentes, conheciam os impactos e riscos do uso das tecnologias digitais, como: transtorno de jogo eletrônico, identity theft, phishing, cybersickness, sexting, sextortion, grooming, ciberbullying, estupro virtual, pedofilia on-line, entre muitos outros que podem afetar toda uma vida?
– Os pais tiveram apoio de pedagogos e professores para construir, em conjunto (família e escola), critérios de uso adequado, ético e seguro das tecnologias digitais por crianças e adolescentes, a começar pelo ambiente familiar e escolar, espelhando o uso responsável em outros espaços, como no trânsito?
Os conteúdos que darão luz às respostas a essas perguntas precisam ser refletidos, dialogados e elaborados em encontros, reuniões, rodas de conversa, fóruns, audiências públicas, entre outros espaços que envolvam pessoas de todas as idades e condições socioeconômicas. Nossa sociedade carece de maturidade nos hábitos de consumo midiático.
A consequência é um evidente “desequilíbrio on-line off-line”, culturalmente constituído, em que a distração e a superficialidade virtual se sobrepõem ao profundo e ao complexo mundo real. E é isso que está sendo ensinado às crianças e aos adolescentes e é isso que eles estão avistando e percebendo com os seus sentidos, marcando a sociedade pela apatia, pelo distanciamento de corações e pela extrema superficialidade nos relacionamentos humanos.
Eis o maior desafio dos pais e professores brasileiros na atualidade!
Cineiva Campoli Paulino Tono – Mãe e avó, mestre em Educação e doutora em Tecnologia. Presidente do Instituto Tecnologia e Dignidade Humana.
Referência:
FGV. 249 milhões de celulares inteligentes em uso no Brasil. Disponível em https://eaesp.fgv.br/producao-intelectual/pesquisa-anual-uso-ti
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