Da palmatória ao tablet: a educação na era digital

A educação é um reflexo das transformações sociais, políticas e tecnológicas de cada época. No início do século XX, o modelo educacional era marcado pela rigidez disciplinar, pela centralização do saber no professor e por práticas punitivas como o uso da palmatória. Ao longo do tempo, reformas curriculares, avanços científicos e novas demandas sociais impulsionaram mudanças significativas no modo de ensinar e aprender. Como afirma Paulo Freire (1996, p. 47), ensinar não é transferir conhecimento, mas criar as possibilidades para a sua própria produção ou a sua construção. Essa perspectiva ganha novos contornos em um mundo digital hiperconectado.

A educação na era digital

A escola passa, ao longo do tempo, por intensas transformações: do rigor e elitismo do início do século XX, passando pelos modelos repetitivos dos anos 1970, pela maior aproximação entre estudantes e professores nos anos 1990, até o inconformismo estudantil do século XXI.  Os estudantes de hoje nasceram em um contexto digital, cresceram interagindo com telas, redes sociais e tecnologias inteligentes. São curiosos, autônomos, imediatistas e, muitas vezes, dispersos.

Nesse cenário, de acordo com Mozart Neves Ramos (2018), o grande desafio da educação atual é tornar a escola significativa para os estudantes. Ele defende a construção de um novo pacto pela educação que considere o protagonismo juvenil, a inovação curricular e a valorização do professor. Segundo Ramos, “a escola precisa parar de ensinar para o passado e começar a ensinar para o futuro” (Ramos, 2018, p. 42). O objetivo é educar para que os discentes estejam preparados para resolver problemas complexos, trabalhar colaborativamente e atuar como cidadãos globais. Entretanto, esta é uma proposta desafiadora, visto que a escola, muitas vezes, não acompanha esse ritmo, mantendo estruturas e metodologias que pouco dialogam com esse novo perfil.

Seria a digitalização o caminho para a educação de qualidade? Entenda-se, entretanto, que a digitalização da educação não se resume à presença de equipamentos. Trata-se de uma mudança cultural. Para isso, é necessário promover a formação continuada de professores, garantir infraestrutura adequada, desenvolver competências digitais nos estudantes e enfrentar o desafio da desigualdade no acesso às tecnologias.  Além disso, é urgente educar para o uso ético, responsável e crítico dos meios e recursos digitais que se fazem presentes e são conquistas para o atual momento histórico.

Nessa jornada, o uso de sistemas tutores inteligentes, Processamento de Linguagem Natural (PLN), plataformas colaborativas, análise de dados e ecossistemas de educação são metodologias esperadas para essa era, bem como robótica educacional, criatividade computacional, jogos sérios e robôs inteligentes programados por estudantes.

Com todos os avanços em acesso e universalização do ensino, o Brasil ainda enfrenta sérios obstáculos para garantir qualidade educacional através de ferramentas digitais. Entre eles, destacam-se a falta de valorização e formação adequada dos professores, o déficit de infraestrutura escolar e as lacunas, ainda mais evidenciadas durante a pandemia causada pelo coronavírus SARS-CoV-2 (COVID-19). Essas fragilidades, juntando-se ao abismo digital entre estudantes de diferentes realidades socioeconômicas, mostra que, para esse cenário, é essencial adotar metodologias que promovam a autonomia, a criatividade e o pensamento crítico. Abordagens como metodologias ativas, aprendizagem baseada em projetos, ensino híbrido, sala de aula invertida e gamificação têm mostrado eficácia em tornar o processo de aprendizagem mais significativo, engajador. Além disso, o uso da inteligência artificial e da análise de dados também pode favorecer a personalização do ensino.

Apesar das dificuldades, há experiências transformadoras no Brasil e no mundo que mostram ser possível se ter educação de qualidade. Escolas que promovem escuta ativa dos estudantes, que integram os saberes locais aos currículos, que usam tecnologias de forma criativa e colaborativa, demonstram que é possível inovar com sentido e intencionalidade.

A agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) inclui entre seus Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) a meta de assegurar a educação inclusiva, equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todos (ODS 4). A declaração de Incheon (UNESCO, 2015), firmada durante o Fórum Mundial de Educação, reforça esse compromisso afirmando:

“Reafirmamos que a educação é um bem público, um direito humano fundamental e a base para garantir a realização de outros direitos. […] Comprometemo-nos a desenvolver sistemas educacionais inclusivos e equitativos” (UNESCO, 2015, p.3).

Projetos como “Escola da Ponte” (Portugal) ou iniciativas brasileiras como as escolas de tempo integral do Ceará, Projeto Gente (Ginásio Experimental de Novas Tecnologias Educacionais), Aldeias, Cine Jericóllyood e outros ilustram como é possível promover educação de qualidade com foco na aprendizagem real e no protagonismo estudantil apesar das adversidades sociais.

Conclusão

Da palmatória ao tablet, a trajetória da educação revela avanços, mas também desafios persistentes. A escola do século XXI precisa ir além da tecnologia: deve ser um espaço de acolhimento, inclusão, diálogo e formação integral. Cabe aos educadores e gestores, às famílias e à sociedade em geral o compromisso de garantir a cada criança, adolescente e jovem o direito de aprender, sonhar e transformar o mundo.

Raquel Rocha Menezes – Professora e consultora educacional, psicopedagoga com atuação em educação especial. Associada da EPB.

Referências:

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia:saberes necessários à prática educativa. São Paulo: Paz e Terra, 1996.

RAMOS, Mozart Neves. Educação brasileira:uma agenda inadiável. São Paulo: Moderna, 2018.

UNESCO. Declaração de Incheon e Marco de Ação para a implementação do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 – Educação 2030. Paris: UNESCO, 2015.

ONU.Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Disponível em: https://brasil.un.org/pt-br/sdgs. Acesso em: abril de 2025.

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