Educação de crianças com Transtorno do Espectro Autista: inclusão, equidade e o poder da compreensão

Nos primeiros anos de vida, os bebês desenvolvem uma série de habilidades esperadas: o sorriso social, o balbucio, a resposta ao nome, o apontar para mostrar… Quando esses marcos do desenvolvimento não aparecem ou se apresentam de forma atípica, a orientação atual é iniciar a intervenção o quanto antes, mesmo sem um diagnóstico fechado. Quanto mais cedo começamos a ensinar, maiores as chances de apoiar o desenvolvimento global da criança.

O que é o Transtorno do Espectro Autista?

De acordo com o DSM-5, o Transtorno do Espectro Autista (TEA) envolve:

  • Dificuldades persistentes na comunicação social e na interação;
  • Padrões restritos e repetitivos de comportamento, interesses e atividades;
  • Alterações no processamento sensorial, como hipersensibilidade a sons ou hiposensibilidade a estímulos táteis.

Mais do que uma lista de critérios, o TEA é uma forma única de estar no mundo.

Enquanto os típicos costumam ver o todo pelas partes, as pessoas autistas muitas vezes percebem primeiro os detalhes. Elas pensam, sentem e interagem de forma diferente — e é justamente aí que está sua riqueza.

Importante lembrar: intervir precocemente não significa “corrigir” ou “normalizar”.

A intervenção tem como foco favorecer a autonomia, a qualidade de vida e a participação social da criança — sem jamais apagar sua forma única de ser.

As barreiras no ambiente escolar

Na escola, é comum surgirem desafios como:

  • Dificuldade para iniciar e manter interações com colegas;
  • Rigidez diante de mudanças de rotina ou imprevistos;
  • Reações intensas a sons, luzes ou texturas;
  • Compreensão literal da linguagem (dificuldade com duplo sentido ou expressões figuradas).

Essas barreiras podem se intensificar com a presença de comorbidades, como:

Deficiência Intelectual (DI);

TDAH;

Transtorno do Processamento Sensorial.

Direito à educação

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) garante expressamente o direito à educação para todas as crianças e adolescentes no Brasil. O artigo 53 do ECA afirma: “A criança e o adolescente têm direito à educação, visando ao pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho”. Esse direito inclui o acesso igualitário à escola, respeito às diferenças e apoio à aprendizagem.

O que a Ciência recomenda?

Entre as abordagens disponíveis, a Análise do Comportamento Aplicada (ABA) é hoje a intervenção mais recomendada e respaldada por evidências científicas. A ABA foca no ensino de habilidades por meio de reforço positivo, análise funcional do comportamento e estruturação do ambiente.

Como se ensina?

Dentro das estratégias da ABA, destacam-se:

  • Modelagem e encadeamento (quebrando tarefas em pequenas etapas);
  • Ensino incidental, aproveitando situações do cotidiano;
  • Aprendizagem sem erro, com o uso de ajudas (prompts) físicas, visuais, gestuais e verbais, retiradas aos poucos para promover autonomia.

Essas práticas não são “robotizadas”, como muitos pensam. Pelo contrário: são personalizadas, sensíveis às necessidades e respeitosas à identidade da criança.

A importância do entorno: sala de aula e empatia

Educar uma criança com TEA exige mais do que técnica. Exige compreensão e apoio do entorno. Isso inclui:

  • Professores capacitados e dispostos a aprender junto;
  • Elaboração de planos educacionais individualizados (PEI) com adaptações curriculares e metodológicas;
  • Adaptações sensoriais e visuais no espaço físico;
  • Pares sensibilizados para conviver com as diferenças.

Sim, é possível e necessário ensinar empatia desde cedo. Quando os colegas entendem que cada um tem um jeito único de sentir e reagir, a inclusão se torna mais natural.

Livros e filmes que ajudam no processo

Histórias têm o poder de abrir portas. Algumas sugestões que podem transformar o olhar de crianças e adultos:

     O Menino que Faz iiiii, de Andrea Werner – uma leitura sensível sobre um menino autista e seu jeito único de se comunicar.

MEU AMIGO COM AUTISMO, de Beverly Bishop[1]  – ideal para crianças pequenas aprenderem sobre amizade e respeito.

Temple Grandin (filme) – a inspiradora trajetória de uma mulher autista que transformou sua diferença em força.

Extraordinário, de R.J. Palacio – embora não trate do autismo, é uma lição sobre empatia, inclusão e convivência com o diferente.

Equidade é o caminho

Mais do que falar em igualdade, precisamos falar em equidade: oferecer a cada criança o que ela precisa para se desenvolver. Isso passa por ouvir, adaptar, respeitar e incluir. O conceito de Desenho Universal para a Aprendizagem (DUA) vem ao encontro disso: pensar um ensino flexível, que atenda a diferentes formas de aprender, expressar e se engajar.

Conclusão

Quando olhamos para o autismo com acolhimento, saímos da lógica da correção e entramos na lógica da compreensão. A educação de crianças com TEA nos desafia a sermos mais criativos, mais empáticos e mais humanos. E no final, descobrimos que a inclusão verdadeira não transforma apenas a vida das crianças autistas, transforma a escola inteira. Transforma a todos nós.

Adriana Nogueira Souto Concette – Supervisora do Grupo Gradual, mestre em Análise do Comportamento, graduanda em Psicologia, Psicopedagoga/Neuropsicopedagoga e certificada PCM (Professional Crisis Management).


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