“Memento mori” significa “lembre-se da morte” ou “não te esqueças que és mortal”.
Este talvez seja o maior e mais sério imperativo da espécie humana. É desse fato, pode-se argumentar, que surgiram todas as maiores criações da nossa espécie, da inquietação imposta ao homo sapiens frente à súbita tomada de consciência de sua condição enquanto ser.
É inegável o esforço que fizemos ao longo dos séculos para lidar com ele, seja negando, aceitando ou ressignificando. O problema da mortalidade é o ponto nodal de culturas inteiras, fonte das nossas maiores perguntas. Como propôs o filósofo existencialista Albert Camus, as verdadeiras perguntas a serem respondidas são:
– “vale à pena viver?”,
– “o que fazemos de nossa mortalidade?”,
– “qual o sentido da vida?”.
Por mais que nunca tenhamos nos afastado verdadeiramente dessa temática, é fato que nós brasileiros passamos pelo menos as últimas décadas desfrutando do luxo de dormir tranquilos, sem medo de ver a sombra da Morte na janela, ao contrário de muitos outros países e comunidades, onde guerra e morte ainda perduram em pleno século 21.
Tornou-se fácil para nós esquecermos dessa companheira, que outrora já foi tão mais próxima. Desfrutávamos de um momento de relativa paz. Com os avanços da ciência e da medicina, acostumamo-nos a curar e sobreviver, vimos nossa expectativa de vida crescer e com ela também nossa confiança nesses dispositivos científicos, a ilusão positivista do controle absoluto da natureza pela razão.
Nos deparamos hoje com o real, com um lembrete impiedoso de que ainda estamos à deriva, às graças da mãe natureza e seus caprichos, o sublime. Podemos nos remeter a Sigmund Freud quando, em seu “mal-estar na civilização”, denunciou as três fontes do sofrimento humano: natureza, corpo e sociedade.
Em seu tempo, Freud discorreu sobre os danos causados por essa última, as marcas deixadas pela primeira guerra mundial. No entanto, como o próprio Freud deixa claro em sua exploração teórica, resguardadas as singularidades únicas de cada circunstância, podemos buscar nas conclusões a que chegou nesse texto subsídios para pensar nas mais diversas formas do mal-estar.
Vamos falar sobre a pandemia. Talvez esta frase soe redundante, pois é obvio que entendemos que a pandemia apresenta uma série de dificuldades, mas você tem certeza de que fala o suficiente do assunto?
O isolamento, o medo do desconhecido e a perda dos entes queridos ou conhecidos pode ser avassaladora. Provavelmente já escutou algumas vezes durante este período alguém dizer que 2020 foi um ano desperdiçado. É importante entender de onde parte este sentimento.
O ser humano é considerado um animal social. Evoluímos para apresentar este comportamento, um assunto muito trabalhado quando falamos a respeito da mídia e da necessidade de auto validação dos indivíduos por um grupo. Aprendemos a depender social e moralmente uns dos outros.
No presente momento de pandemia, essa base de interação social se vê atacada. Aprendemos a desconfiar, a temer e estar constantemente vigilantes com respeito ao outro, nos sentindo constantemente em risco.
À medida que enfrentamos um inimigo invisível a nossos olhos, o sentimento de apreensão só aumenta. Outro estressor é o foco central que os acontecimentos do presente ano tiveram em nossas vidas.
A pandemia se tornou `tudo’. Estamos constantemente estimulados por todo tipo de notícias, verdadeiras e falsas, e sofrendo as interferências/consequências da pandemia na nossa vida, planos e desejos. Uma coletânea de situações que não podemos controlar.
Para um ser como nós, que evoluímos aprendendo a respeitar leis e convenções entre indivíduos/ grupos, e com o controle como base de nossa sociedade, a perda desse controle nos impacta profundamente.
Esta condição de alerta, se mantida constantemente, é o que denominamos de crise ansiosa, sendo então a pandemia uma perfeita receita de bolo para a mesma. Por que então falar do assunto? Simplesmente porque saber que atual situação existe e onde esta se origina é o primeiro passo para retomar o controle, entender que o coronavírus não deixará de existir após a vacina e que a vida não petrificou.
Como pais, filhos, amigos ou conhecidos, nossa saúde mental influencia fortemente as pessoas à nossa volta. A melhor coisa a fazer nesses momentos pelas pessoas que nos importam pode ser procurar ajuda, seja ou não profissional. Não é símbolo de fraqueza e sim de empoderamento. Tomar as medidas certas, mas não em excesso, é saúde.
Estarmos à deriva não quer dizer que nunca chegaremos na praia. Tudo termina, de uma forma ou outra. Devemos compreender que hoje vivemos um luto, mas ele há de passar, tal como outros eventos históricos catastróficos, sendo superados, mas não esquecidos.
ALGUMAS DICAS PARA AS CIRCUNSTÂNCIAS ATUAIS:
1. É preciso criar projetos e metas.
2. Não precisa ser o plano de uma vida inteira.
3. Há ocasiões em que levantar pela manhã já é uma vitória.
4. O que quer que você esteja sentindo, você não precisa estar sozinho e, se estiver com dificuldades, não há problema em pedir ajuda.
Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Salvador – Revista no. 41, 2020/2021, p. 28-29
Autores: Pedro Teixeira de Castro Pêpe e Diana Farias Labrunie – Psicólogos
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