A sexualidade é, sempre foi e sempre será uma questão que incomoda a todos, principalmente os adultos. Seja em tempos de maior repressão ou em tempos de moral social mais liberal, o assunto provoca reações que variam desde a expressão de preconceitos ligados ao tema até discussões que, aparentemente, não têm nenhuma ligação com esse ponto. Em outras palavras: o assunto inquieta, angustia.
Já comentei, diversas vezes e por diferentes caminhos, o quanto o mundo contemporâneo tem arrancado as crianças da infância e as jogado no universo adulto. Hoje, tratarei dessa mesma questão ligada, agora, à sexualidade. Para isso, vou usar um fato que tem ocorrido cada vez mais frequentemente nas escolas de educação infantil. O enredo da história é sempre o mesmo; variam apenas os personagens, os detalhes e o desenlace.
As crianças protagonistas da história podem ser dois meninos, duas meninas ou um menino e uma menina. Os casos que envolvem duas meninas são os menos frequentes e talvez não porque ocorram menos, e sim porque os adultos “vêem” menos quando acontecem. Mas o que acontece, afinal? Trata-se de uma situação bem simples e corriqueira na vida das crianças dessa idade: elas investigam, consigo mesmas ou umas com as outras, a diferença sexual e buscam realizar o potencial de prazer que estão descobrindo que têm. Em geral, meninas e meninos querem ver e/ou tocar os genitais dos colegas e mostrar os próprios, além, é claro, de conversar sobre o assunto. Algumas atitudes que arremedam a expressão da sexualidade adulta já ocorrem entre eles, e isso se deve, principalmente, ao fato de estarem superexpostos à sexualidade do modo adulto. E por que a escola é o palco privilegiado desses acontecimentos? Por conta de um motivo banal: é lá que a criançada se encontra. Acontece menos em casa apenas porque, no modo de vida atual, os filhos convivem muito mais com adultos do que com seus pares.
Antes de continuar, é preciso lembrar que essas manifestações da sexualidade das crianças são legítimas e absolutamente naturais, o que não leva, entretanto, à abstenção da intervenção do adulto. Elas precisam ser educadas e contidas, sem extensas explicações nem moralismos, sempre que expressam atitudes que são próprias da intimidade, e não do convívio social. Além disso, elas ainda não sabem respeitar os colegas nem a si mesmas, por isso precisam que os adultos cuidem disso por elas. Por conta de tantos estímulos sexuais no entorno infantil, esse tipo de contenção tem sido mais custoso aos adultos, mas essa é outra questão.
Ocorre que essas vivências são tão fortes para as crianças que elas, uma hora ou outra, compartilham com os pais o ocorrido. Cabe também lembrar que o que elas vivenciam se baseia não apenas na realidade dos fatos mas também, e principalmente, no mundo imaginado típico dessa idade e nem sempre diferenciado do mundo real. Agora, a questão de nossa conversa. Como tem sido a reação de muitos pais? Simplesmente enlouquecida.
Os adultos enxergam na criança a sexualidade adulta. O resultado? Crianças com menos de seis são acusadas de praticar abuso sexual, assédio sexual e até mesmo tentativa de estupro. Muitos pais, inclusive, optam por arrancar seu filho da escola caso os pais da “criança agressora” não sejam convidados a “transferir” o filho. Mesmo parecendo absurda essa reação dos pais, fica mais fácil entendê-la no contexto atual das relações entre adultos e crianças. Conforme apontou reportagem da Folha na última semana, crianças entre quatro e dez anos de idade são inscritas em concursos de beleza. A encrenca está aí: o adulto tem tido imensa dificuldade em diferenciar o mundo adulto do mundo infantil. É nos adultos, portanto, que está a distorção. Nossa questão é se vamos continuar jogando sobre eles problemas que são só nossos. Voltaremos ao assunto brevemente, já que cabe conversar a respeito do que pais e escolas podem e devem fazer diante dessas situações.
Publicado na Revista nº 1 – 2009 – Escola de Pais – Seccional de Biguaçu
Rosely Sayão – Psicóloga e autora de “Como Educar Meu Filho?
Publicado no jornal Folha de São Paulo
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