RESPONSABILIDADE JURÍDICA DOS PAIS FRENTE A EDUCAÇÃO DOS FILHOS

É na família que se desencadeiam os principais acontecimentos na vida do ser humano, o desenvolvimento do caráter e personalidade de seus membros, precipuamente dos filhos menores. Assim, o amor dos pais configura-se de fundamental importância no amadurecimento e crescimento dos filhos, em todos os seus aspectos, do afetivo ao social.

Neste contexto é que se destaca juridicamente, a responsabilização civil dos pais, pelo abandono afetivo de sua prole.

As relações entre pais e filhos se alteraram substancialmente no decorrer da civilização. Durante muito tempo, os pais detinham uma extensa gama de direitos sobre os filhos. Nesse diapasão, o conjunto de direitos sobre os filhos era exercido somente pelo pai e somente os filhos legítimos ou legitimados se submetiam a estes direitos.

No que se refere à entidade familiar, sua concepção foi se transformando ao longo do tempo e hoje se fala em família constitucionalizada, que contempla outras formas de família e a igualdade entre filhos. Quanto ao pai, que detinha absoluto poder sob os membros da família, passa a ser detentor do dever de cuidado e proteção. Passou-se do pátrio poder ao poder parental ou poder familiar, que impõe aos pais deveres muito além dos deveres de guarda e sustento, devendo ser exercido em benefício dos filhos e em prol de seus direitos como pessoa humana. A paternidade responsável passou a ser contemplada pela Constituição, sob o entendimento de que o Estado não pode intervir no planejamento familiar, mas este deve ter como fundamento a paternidade responsável e a dignidade da pessoa humana.

Normativamente, a mudança na relação entre pais e filhos ocorreu com a promulgação da Constituição Federal de 1988. Ela estabeleceu paradigmas em defesa dos direitos humanos, consagrando a dignidade da pessoa humana como pilar da democracia. Ademais, outorgou igualdade entre homem e mulher, aniquilou as diferenças entre os filhos, elucidando a doutrina da proteção integral (a qual mais tarde foi consagrada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente), entre outros, como o reconhecimento de outras formas de entidade familiar além daquela constituída pelo casamento entre homem e mulher.

Outro marco foi a efetivação do princípio da afetividade, motivada pelo fenômeno das novas relações familiares, mediante a qual o afeto tornou-se valor jurídico a ser preservado e vivenciado no âmbito familiar.

Nesse diapasão, o conteúdo do pátrio poder se alterou substancialmente, sendo deslocado, juridicamente, o seu ponto central, do direito dos pais sobre os filhos para o melhor interesse do filho. Assim, esse ‘novo’ conteúdo inaugurou o instituto do poder familiar – melhor identificado como poder-dever ou autoridade parental-, que se refere ao exercício dos deveres parentais de ambos os pais, em igualdade de condições, de forma a cumprir as determinações legais referente aos direitos dos filhos incapazes.

O poder familiar, nesse contexto, é tido como um encargo dos pais de atender ao filho, assegurando todos os direitos fundamentais elencados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Civil por meio da promoção da assistência, criação e educação dos filhos. Tais deveres devem ser desempenhados por ambos os pais de forma conjunta e em condições de igualdade visando o melhor interesse do filho, cabendo ao filho respeitar e obedecer aos pais, seguindo suas determinações.

Há de se ressaltar que os deveres paternos preceituados pela Constituição Federal, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e pelo Código Civil não se restringem ao aspecto material, são muito mais abrangentes pelo fato da família atual ser pautada no princípio da afetividade. Nesse contexto, os deveres paternos devem-se cingir, além do aspecto material, a educar, assistir e criar os filhos no aspecto moral, intelectual, ético, dando-lhes suporte para um desenvolvimento sadio, respeitando a dignidade do filho como sujeito de direito.

Para efetivar os deveres de criar, educar e assistir aos filhos no aspecto moral pressupõe-se a necessidade de afeto, amor, carinho, obediência, compreensão, respeito entre pais e filhos, primordiais para desenvolver o melhor interesse dos filhos e a preservação da família.

Nesse caso, o papel da família contemporânea é garantir à criança além de suas necessidades básicas de subsistência, também o apoio moral, afetivo e psicológico. Quando isso não ocorre, coloca-se em risco o desenvolvimento pleno da criança, enquanto pessoa humana.

O princípio da afetividade é um dos atuais elementos constitutivos da família, o qual abarca todos os sentimentos acima citados, onde cada membro deve respeitar a dignidade do outro, pois a família não mais se baseia em uma relação mercantilista, de caráter econômico e produtivo, baseia-se, atualmente, no afeto, no amor e no respeito mútuo, com o intuito de realização pessoal afetiva de seus membros.

Destaca-se, nesse sentido, que a responsabilidade civil deve ser aplicada ao Direito de Família porque ele é protegido pela Constituição Federal, protegido contra atos que violem a dignidade de seus membros.

A dignidade da pessoa humana é um princípio constitucional, bem como a proteção integral da criança e do adolescente. Assim, se um desses princípios forem violados, seja essa violação decorrente de culpa ou dolo, e dessa violação decorrer um dano, o agente causador deve ser responsável pelo dano causado.

Toda violação normativa que cause dano a outrem deve ser objeto de responsabilidade, seja ela civil, administrativa e/ou penal.

Assim, no caso em análise, o não exercício do poder familiar, por um dos genitores ou o seu não exercício de forma satisfatória pode desencadear responsabilização civil, administrativa e penal.

Referente à responsabilidade civil por abandono afetivo é importante destacar que além dos danos sofridos pelo filho, deve haver uma conduta do genitor, conduta essa ativa ou omissiva, decorrente ou não de culpa.

A violação desse direito da criança (convivência familiar) bem como o fato de o genitor não dispensar assistência, educação e criação, de cunho imaterial, pode gerar danos aos filhos. Nesse sentido, cumpre ressaltar que a paternidade/maternidade são funções reais, ou seja, se um filho foi concebido, fruto da relação entre os genitores, este merece, tem o direito de ter sua dignidade respeitada, deve ser criado num ambiente de afeto, respeito, igualdade e responsabilidade, entre outros.

Por fim, a responsabilidade civil por abandono afetivo é tutelada pelo ordenamento jurídico brasileiro, apesar de não haver norma expressa tão específica, por violar a dignidade da pessoa humana, atentando contra a proteção integral da criança e do adolescente e ao princípio da afetividade.

Também, deve-se ilustrar que a responsabilidade civil por abandono afetivo não visa que um genitor ame seu filho, mesmo porque o amor não é tutelado pelo direito e ele ‘não tem preço’ e ‘não se compra’. O que se tutela são os direitos dos filhos, que não pediram para nascer, mas que têm o direito de ter um pai presente em suas vidas, auxiliando o outro genitor a exercer o poder familiar de forma a fazer valer os direitos de sua prole.

Este artigo foi publicado na Revista Programa – Escola de Pais do Brasil, junho de 2011, p. 12-13, do 48º Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil, realizado de 23 a 25 de junho de 2011, em São Paulo – SP.

Regina L.Azevedo Gabriele – Educadora, Advogada, Pós-graduada em Direito Educacional, Coordenadora Regional da Escola de Pais – Região de São Paulo, Presidente de Escola de Pais do Brasil – Seccional São Paulo – Centro.

1 Comentário

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*