Relação Família e Instituições Educativo-pedagógicas

O objetivo central deste texto consiste em abordar a relação família e instituições educativo-pedagógicas (creches, pré-escolas e escolas). Tanto a família quanto as instituições educativo pedagógicas fazem parte de um caldo sócio-histórico em que ambas foram criadas, reproduzidas e perpetuadas em alguns arcabouços conceituais, cujas imagens são veiculadas por dispositivos sociais e culturais, como as mídias, por exemplo.

Hodiernamente, sob influência das mesmas mídias que ao longo dos tempos veicularam suas funções, família e instituições educativo-pedagógicas vivem um cenário de crise e desafios. Pois estão imersas num conflito que tenciona crenças, valores, ideários, autoimagens tidas como hegemônicas por muito tempo, nomeadamente, desde os primórdios da Modernidade. As reconfigurações da estrutura social, do mundo do trabalho, do uso das tecnologias e dos avanços da ciência, assim como as novas relações com crianças e adolescentes tem provocado outras significações para a família e para a escola e a creche, as quais tem permeado os diferentes cotidianos e contextos em que vivem adultos, crianças, adolescentes. Tudo isso afeta sobremaneira a relação entre família e instituições educativo-pedagógicas. E exatamente por isso, a comunicação entre ambas necessita ser avaliada, repensada, reestruturada, de forma que reconheçam suas diferentes finalidades, bem como suas limitações.

Ao longo do século XIX e XX diversos estudos foram realizados tomando como unidade de análise o conceito de família, nomeadamente desenvolvidos pela Sociologia, Antropologia e Psicologia. Estes estudos nos ajudam a compreender que a família não é um ente natural, senão, uma construção social, portanto, eivada de ideologias e formas de reprodução social.

Indubitavelmente, independente da concepção teórica ou área de conhecimento vinculada, os estudos ao longo do tempo têm discutido a família  como lócus primário de inserção dos indivíduos, logo que nascem, ao caldo cultural dos costumes, bases reguladoras societárias e princípios éticos. E a instituição educativo-pedagógica, como o lócus secundário. Logo, família, escola, creche, pré-escola, constituem, por suas funções sociais precípuas, cadeias de interdependência. Isto porque, ambas têm a criança e/ou adolescente, como sua razão de atuar societariamente, ou seja, respondem por sua formação e constituição sócio cultural.

No entanto, alguns estudos têm apontado que a relação e as formas comunicacionais que enredam família e escola precisam ser refinadas, ampliadas, reconfiguradas. Essas fragilidades nas formas comunicacionais geram dificuldades substanciais no trabalho integrado que essas instituições precisam desenvolver. Exploramos aqui três aspectos que parecem indicar tais fragilidades:

  1. A crença da instituição educativo-pedagógica de que há um tipo ideal de família: o velho jargão discursado por muitos profissionais da educação de que a criança não aprende ou na se relaciona bem na escola em virtude de sua família ser “desestruturada”. É necessário romper e/ou superar esta concepção, pois ela parte de uma concepção burguesa e conservadora de que há um só tipo de constituição familiar e de que a família consegue por si mesma resolver os dilemas da vida cotidiana, sejam eles da esfera social, cultural, econômica, religiosa ou outros.
  2. A responsabilização à família de um papel que é intrínseco à instituição educativo-pedagógica: muitas vezes a escola costuma atribuir às famílias a responsabilidade pela não aprendizagem das crianças ou alguns aspectos em defasagem na aprendizagem escolar. Este é um erro crasso. A política curricular e o que dela decorre é função precípua da escola e não pode ser terceirizada aos familiares.
  3. O conservadorismo conceitual: refere-se aos parcos índices de trabalho conjunto entre escola e famílias e reduzida partilha de informações entre ambas. Percebe-se que as escolas compreendem que o único indivíduo que necessita de seu cuidado, educação e atenção é a criança ou adolescente. Ledo engano. As famílias precisam igualmente da atenção escolar. Precisam ser atendidos no que tange às formas de participação na vida escolar de seus filhos e filhas. Precisam ser acolhidos na construção coletiva do projeto pedagógico da escola.

Indiscutivelmente, processos de formação continuada tanto para professores e professoras, como também para familiares, são necessários para que se possa não só refinar as funções sociais inerentes a cada uma dessas instituições, como também, clarificar e aperfeiçoar a compreensão de que ambas são responsáveis e devem atuar em regime de colaboração e cooperação, na medida em que respondem pela criação e manutenção de um sentimento de pertença por parte da criança a uma identidade. Família e escola criam por assim dizer, cadeias de interdependência, como diria Elias (1994) na balança social do eu-nós, nós-eles.

Referências:

ELIAS, Norbert. O processo civilizador (vol. I). Rio de Janeiro: Zahar, 1994.

Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional da Grande Florianópolis nr 7, out 2017, p. 28

Julice Dias – Professora do Departamento de Pedagogia e do Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Ciências Humanas e da Educação da Universidade do Estado de Santa Catarina. Pesquisadora do GEDIN.

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