“Nada é tão contagioso como o exemplo.” (François La Rouchefocauld)
Um menino de quatro anos fuçava como um cãozinho farejador que se encanta com os pertences dos outros. Brincando nos fundos de uma oficina mecânica, encontrou um par de óculos Ray Ban. Foi correndo entregá-lo à mãe, que logo quis saber onde ele havia encontrado o objeto. “Ali, no matinho da mamona”, disse-lhe.
Percebeu que mamãe quis ir à oficina entregar o objeto, mas achou melhor entregá-lo ao marido para, ele sim que era homem, devolver. O pai escutou com interesse o relato da esposa. Depois olhou os óculos de todos os ângulos. Era um daqueles usados pelos pilotos americanos na Segunda Guerra. No final, colocou-o sobre o nariz. Viu crescer a autoestima para além das nuvens. Sentindo-se o próprio Deus, “concluiu que aquilo era bom”. Todos riram satisfeitos. Inclusive o cãozinho, quer dizer, o garoto, que não tinha a noção moral do “achado tem que ser devolvido”.
Claro que papai deveria ter ido procurar o dono da oficina e restituir o que o menino havia encontrado. Mas não, preferiu acomodar a cobiça. E o maior estrago atingiu o mais vulnerável. Dizer que uma criança não observa essas coisas é ingenuidade. Observa, sim.
Anos depois, aos dez, o garoto furtou dinheiro de uma amiga de mamãe. Sabia a dimensão do delito, mas já estava insensível ao drama alheio. Quando a mulher sentiu a falta, foi direto numa velhinha que adivinhava as coisas: “Foi o filho de uma que está presente na sala. E mandem buscá-lo antes que esfumace o dinheiro”.
“Não quero saber de nada, — dizia ele já detido — achei a grana enterrada no lixo da oficina”.
A mesma oficina mecânica onde achara os óculos de luxo! Todos riram do ridículo álibi, menos ele, convincente. Sofreu o pior da vingança da mãe. Quanto sofrimento poderia ser evitado se mais respeito houvesse na infância daquela criança? O castigo foi algo inútil na vida dela, porque somente foi aprender quando adulto, pregado na cruz. Ou melhor: no divã do analista.
Este artigo foi publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p.17.
Luiz Carlos de Sousa- Servidor do Estado de Santa Catarina
Faça um comentário