Quanto tempo você consegue ficar sem seu celular?

Checar as redes sociais é a primeira coisa que você faz ao acordar. Em um restaurante, não consegue fazer uma refeição sem que seu celular esteja sobre a mesa ao lado do prato. No trânsito, dá uma olhada na tela a cada sinal vermelho para ver se há novas mensagens ou e-mails. Se a bateria acaba, você se sente completamente perdido.

Identificou-se com algumas dessas situações? Então, atenção, você pode estar sofrendo de – ou caminhando para – um comportamento chamado FoMO – Fear of Missing Out. Em tradução livre, FoMO significa o medo de perder algo. Os smartphones, as redes sociais e o acesso móvel à internet trouxeram ao cotidiano essa possibilidade de estar sempre conectado mas isso acabou se tornando uma necessidade. “O que vem preocupando muito é o afastamento e a procrastinação que o estar online o tempo todo leva, pois ficamos   o tempo inteiro ligados em qualquer notificação que aparece no celular. O termo FoMO está sendo utilizado para aquelas pessoas que sentem necessidade de estarem conectadas, por medo de ficarem por fora do que está acontecendo”, explica a psicóloga clínica Luciana Kotaka.

O FoMO não é uma síndrome ou uma doença, mas vem sendo estudado como um comportamento  que deriva do vício em tecnologia, segundo explica o psicólogo Cristiano Nabuco, que é coordenador do Grupo de Dependência Tecnológica, do Instituto de Psiquiatria as USP. Como um vício, o indivíduo passa a desenvolver hábitos prejudiciais. “O grau de dependência se nota por comportamentos em que a pessoa não consegue se desconectar, sendo fácil identificar, pois não consegue ficar longe do celular nem em situações onde é solicitado que se desligue o aparelho. É frequente olharmos ao lado e vermos várias pessoas acompanhadas, porém isoladas em seus próprios telefones e conversas on-line”, observa Luciana.

As atitudes citadas no início da matéria são comuns a muitas pessoas, mas começam a se tornar um problema sério quando as relações e experiências virtuais passam a substituir a vida real e funcionam como uma rota de escape do indivíduo. “O que percebemos é que quanto mais o indivíduo está conectado, mais ele vai substituindo as experiências da vida real pelas experiências do mundo virtual. Isso faz com que o cérebro aprenda que sempre que a pessoa vivenciar situações de desconforto, ela tem uma outra realidade (a virtual) como um plano de fuga – onde à medida que ela se conecta, começa a se sentir bem”, comenta Nabuco.

CONSEQUÊNCIAS PARA O DIA A DIA

Segundo o especialista, os prejuizos do vício acontecem em vários âmbitos, a começar pelo óbvio: a perda de tempo e negligência com o cotidiano. “Uma pesquisa recente aponta que, em média, uma pessoa que é usuária mais ativa chega a consultar o celular cerca de 1500 vezes por semana. Esse tempo acaba competindo com outras atribuições”, conta Nabuco. Para Luciana, as redes sociais acabam sendo uma fuga das tarefas pouco prazerosas, mas necessárias. “Quando conectados nos desligamos dos problemas ou mesmo vamos adiando uma tarefa, o ínício de um projeto, situações que nem sempre queremos fazer, mas que são necessárias para nossa vida.”

Em seguida, outras áreas acabam sendo prejudicadas também. Uma delas diz respeito à capacidade de se relacionar e se colocar no lugar do outro. “Chamamos isso de inteligência emocional. Ao se afastar das pessoas reais, perde-se a capacidade de se conectar com as emoções alheias e isso é prejudicial em todas as esferas de relacionamento”, explica Nabuco.

O desenvolvimento cognitivo também pode ser prejudicado, pois a mente acaba se acostumando a ter padrão de raciocínio chamado de “saltitante”. “A operação mental que se faz ao checar o celular é diferente da necessária para prestar atenção em uma aula ou ler um livro. Assim, a capacidade do indivíduo de se aprofundar em algum tema fica comprometida.”

EQUILÍBRIO, SEMPRE

Luciana Kotaka reflete que uma das razões deste vício é o fato de derivar de hábitos aparentemente tão benéficos. “A questão é que a grande maioria das pessoas não se incomoda em receber notificações o tempo todo, gostam desse contato rápido, acreditam que facilita muito a vida. Podemos pesquisar sobre qualquer assunto, matar a saudade rapidamente do namorado que está viajando, de uma amiga que mora em outra cidade e até resgatar vínculos com pessoas que ficaram distantes. Todas essas possibilidades são sedutoras, sendo até muito saudável nesses aspectos.” É por isso que os especialistas não são contra a tecnologia; a única questão é que se deve sempre buscar o equilíbrio. “Você pode ter acesso ao seu smartfhone, mas não precisa consultá-lo a cada três minutos”, exemplifica Nabuco.

 

VOCÊ TEM FoMO? 

QUESTIONE-SE

– Seu desempenho escolar ou profissional está sendo afetado? Está produzindo menos no trabalho ou tirando notas baixas na escola? Recebe reclamações de professores, chefe ou amigos e familiares por causa do seu comportamento com a tecnologia?

– Você percebe que tem procrastinado muitos projetos, planos pessoais ou profissionais?

– Você fica angustiado quando fica sem acesso às redes sociais?

– O seu comportamento com a tecnologia priva você de se relacionar no mundo real? Você deixa de conversar com as pessoas ou fazer programas por causa da sua necessidade de estar conectado?

E MUDE!

– Coloque limites no seu acesso! Uma das estratégias é estabelecer horários em que é possível ficar longe do telefone e se determinar a permanecer este período sem mexer nas redes sociais. Você pode deixar o aparelho em outro cômodo ou mesmo dentro da bolsa.

– Fica também o compromisso de não deixar o celular à vista em jantares, reuniões ou encontros com amigos. Se não for possível, estabeleça um intervalo mínimo entre as checagens. Lembre: se for urgente, as pessoas irão ligar.

– Hoje, existem até mesmo aplicativos que ajudam a controlar o tempo que você gastou com redes sociais e outras interações, mapeando o uso do celular e ajudando a analisar o seu comportamento. “Caso ainda assim não consiga mudar, é interessante buscar um psicológo para trabalhar essa necessidade”, aconselha Luciana.

Artigo publicado na Revista LER & CIA – maio e junho de 2015, ed. 62, p.30 e 31.  

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