A cada ano avaliações evidenciam que o Brasil ainda não encontrou a fórmula de o saber ser democraticamente distribuído. Metodologia, excesso de conteúdos, anacronismo, forma de avaliar, desmotivação, interferência da mídia etc. são apontados como causas da ineficiência. Opiniões, na maior parte das vezes não fundamentadas em estudos de realidade. Ou seja: “acha-se” muito, mas pesquisa-se pouco. Mudanças educacionais não faltaram ao Brasil do século XX. Ainda assim, só vimos queda na qualidade. É o próprio INEP/ MEC quem afirma: ao final da 4ª série do Ensino Fundamental mais da metade dos alunos continua mal sabendo ler e fazer cálculos matemáticos básicos, com pequena “melhora” ao final da 8ª. E, de nada adianta, a cada novo gestor começar outro modelo.
Cada mudança no sistema educacional implica em altos gastos e, no mínimo, em muitas horas de trabalho por parte dos envolvidos. Para os professores, em especial, representa também novos esforços e capacidade de adaptação. É inconcebível, portanto, que se suspenda e se perca (como é usual) todo um trabalho sem uma análise séria que justifique tal decisão. Para evitar mais fracassos é mister, entre outras coisas, ouvir em escala representativa o docente que atua em sala de aula, antes de colocar em prática novos projetos. Não se trata de pedir permissão nem inverter a hierarquia, mas de investigar o que eles têm a dizer sobre as necessidades intrínsecas do projeto e a viabilidade de execução. Quem executa a nova proposta (o professor) é o mais apto a perceber – do ponto de vista da prática – as possibilidades, necessidades e/ou limitações de ângulos que quem planeja nem sempre percebe.
Educação que se quer de resultados, devia se fazer assim. Ignorar a realidade das salas de aula lotadas na maioria das escolas do país; a média de quatro horas de aula; a impossibilidade quase total de o professor se atualizar nas condições atuais é fechar os olhos à realidade de que o Brasil não é composto pelos poucos que pertencem às classes A e B; é esquecer as salas multisseriadas; é fingir que já superamos o problema dos que nem giz tem – para citar o recurso mais corriqueiro de uma escola; é fazer de conta que o professor não ganha pouquíssimo; que há os que mal e mal completaram o Ensino Médio; assim como há os que viajam no lombo de burricos ou em canoas até chegar a seus alunos…
É fácil dizer que cabe ao professor fascinar, deslumbrar crianças e jovens; que é sua obrigação ser empreendedor e criativo; que deve usar variadas técnicas de ensino e avaliar qualitativamente. Discurso embasado sem dúvida, mas que esquece o Brasil continente, o Brasil que tem milhões de crianças com fome e outras carências, que não tem nem sala de aula em muitos municípios, nos quais a escola é apenas uma casinha tosca, perdida num mundão de chão, que separa os alunos de suas também toscas casas, quilômetros atrás… Que esquece principalmente a realidade de um docente que decerto não pode encantar crianças nem jovens, porque nem ele está encantado com a realidade que enfrenta.
Para recuperar o tempo perdido, a Educação tem que primeiro cumprir sua função inclusiva – no sentido lato da palavra – propiciando cidadania mínima a quem ainda nem cidadão é, porque não compreende nem pode compreender o que ocorre a sua volta, já que não lê, não faz contas e, quando lê, não compreende o que leu. Acabar com o isolamento em que o professor de sala de aula se encontra atualmente, faz parte da inclusão. Precisamos envidar esforços para promover uma coalizão real se desejamos alcançar melhores resultados no ensino. Espera-se do professor que seja o executor eficiente e motivado das mudanças que níveis mais altos projetam. Vivemos a era da propalada “gestão democrática”, mas ao professor não é dado o direito de participar efetivamente desse avanço. Para mudar a práxis é necessário que não se aja simplesmente usando a força da lei, modismos pedagógicos ou simpatias pessoais. Medidas, para que funcionem, carecem decorrer de estudos de realidade que as tornem viáveis em primeiro lugar, e, em segundo, necessitam muitíssimo da adesão de quem executa. E adesão se alcança: 1º) Preparando bem e previamente os docentes através de estratégias adequadas, com duração suficiente para que se sintam seguros e tecnicamente convencidos a praticarem o aprendido; e 2º) planejando mudanças sempre calcadas na real possibilidade de execução.
Grande parte do que se tentou fracassou porque não havia realmente possibilidade de operacionalização. Os ciclos e a progressão continuada, por exemplo, poderiam ter contribuído para melhorar a qualidade da educação, mas, pelo andar da carruagem, terminarão como tantas outras (e outras mais que surjam) se continuarmos mudando ao sabor do vento, da política partidária ou de simpatias pessoais – fracassando e piorando o produto final. Se tivessem feito antes da implantação treinamento sério e adequado (não apenas metodológico, que nem esse foi bem feito) dos professores; organizado e reformado as escolas de modo a permitir turmas com menos alunos; aumentado a carga horária discente; enfim – se apenas tivessem colocado em prática os itens já previstos na LDB de 1996 – teríamos tido resultados bem diversos.
O problema não está na mudança nem no método que se propõe – e sim no descompromisso e na precipitação, na forma radical e rápida com que se fazem as mudanças educacionais, e que as têm levado ao insucesso, à não-aceitação, à impossibilidade de adoção e à rejeição, o que, em outras circunstâncias, poderia ter melhorado o ensino.
Em síntese, não precisamos inventar nem copiar nada – por ora, pelo menos. Só agir de modo científico e não por ensaio e erro. Afinal, já estamos no século XXI e grande parte dos cidadãos desse nosso Brasil ainda não sabe ler nem contar. Não podemos, portanto, nos dar ao luxo de novos fracassos.
Tânia Zaguri – Publicado no site: http://www.taniazagury.com.br/artigos.asp
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