Lembro-me de, quando criança, esperava ansiosamente o entardecer; contava os minutos para sair correndo em direção à vizinhança, pois era hora de brincar na rua enquanto minha querida avó conversava com os outros adultos na porta da rua até a “hora da janta”. E, acredito, você também pode ter vivido essa fantástica experiência ou conhecido pessoas que por ela passaram.
Foram inúmeras quedas de bicicletas, jogos de bola e amarelinha, pique esconde, conversas longas nos quintais das casas, brigas (e pazes e brigas e pazes), elástico, ufa… todas situações que estimulam o pleno desenvolvimento das habilidades sociais, físicas, emocionais e cognitivas fundamentais para a construção de um ser humano saudável, através de jogos que permitiam a convivência solidária, o compartilhamento de experiências e descobertas que só poderiam acontecer em comunidade e sem distrações.
Hoje, porém, o cenário mudou. Os smartphones, tablets, computadores têm invadido o espaço do brincar de nossas crianças e da construção das redes dos nossos adolescentes, dividindo atenções e isso tem gerado preocupação. Veja porquê:
Todas as atividades da tela estão ligadas a menos felicidade, e todas as atividades não relacionadas à tela estão ligadas a mais felicidade. Alunos da oitava série que passam 10 ou mais horas por semana nas redes sociais são 56% mais propensos a dizer que são infelizes do que aqueles que dedicam menos tempo às mídias sociais. Evidentemente, 10 horas por semana é muito. Mas aqueles que passam de seis a nove horas por semana nas redes sociais ainda têm 47% mais chances de dizer que estão infelizes do que aqueles que usam as mídias sociais ainda menos. O oposto é verdadeiro nas interações pessoais. Aqueles que gastam uma quantidade de tempo acima da média com seus amigos em pessoa são 20% menos propensos a dizer que estão insatisfeitos do que aqueles que ficam em um período de tempo abaixo da média. Outros impactos negativos importantes do abuso e dependência no uso das tecnologias são:
* Dificuldade na capacidade de reconhecer e compreender emoções em si e nos outros e em usar esta consciência para gerenciar o comportamento e suas relações sociais e afetivas, reduzindo, assim, a autoconsciência, autorregulação, motivação, empatia e habilidades sociais;
* Prejuízo na autorregulação que se apresenta, especialmente, sob a forma de distrações, uma vez que a capacidade de manter a concentração é dificultada, comprometendo, principalmente, a qualidade nas tarefas escolares convencionais, como leitura, interpretação e produção de textos;
* Queda da empatia, capacidade psicológica para sentir o que sentiria uma outra pessoa caso estivesse na mesma situação vivenciada por ela. Os vídeos sensacionalistas com cenas de violência, alimentam a curiosidade mas também removem o elemento do horror na medida em que o indivíduo se acostuma com eles, aumento do isolamento social e narcisismo autorelatado;
* Desconexão real do que é real. Os jovens percebem seus pares mais conectados com suas ferramentas digitais que com eles próprios o que permite a sensação de fragmentação e superficialidade nas relações que se mostram mais empobrecidas afetivamente.
* Risco de Depressão e Suicídio. Alunos da oitava série que são usuários pesados de mídia social aumentam seu risco de depressão em 27%, enquanto aqueles que praticam esportes, frequentam serviços religiosos ou até mesmo fazem o dever de casa reduz significativamente seu risco. Os adolescentes que passam três horas por dia ou mais em dispositivos eletrônicos têm 35% mais probabilidade de ter um fator de risco para o suicídio, como fazer um plano de suicídio. (Isso é muito mais do que o risco relacionado a, digamos, assistir TV.)
* Má qualidade do sono. Adolescentes que passam três ou mais horas por dia em aparelhos eletrônicos têm 28% mais chances de dormir menos de sete horas do que aqueles que passam menos de três horas e adolescentes que visitam sites de mídia social todos os dias. A privação de sono ocorre 19% a mais nos adolescentes mais conectados. Crianças que usam um dispositivo de mídia antes de dormir têm mais chances de dormir menos do que deveriam ter, mais chances de dormir mal e mais de duas vezes mais chances de apresentarem sonolência durante o dia.
DOS BONS HÁBITOS À CULTURA DA PAZ
* Adolescentes devem interagir, evitando o isolamento e jamais evitar as horas saudáveis de sono (entre 8 a 9 horas por noite pois é crucial para o crescimento e desenvolvimento cerebral e mental);
* A atividade física é fundamental e deve ser feita por pelo menos 60 minutos e diariamente. Que tal virar criança também por alguns momentos? Crianças menores de 6 anos devem ser protegidas de cenas de violência das telas! Fique atento. Elas não conseguem diferenciar fantasia da realidade.
* Pela cultura da paz. Jogos online com cenas de tiroteios com mortes ou desastres que ganhem pontos de recompensa como tema principal são inadequados, devendo ser proibidos em qualquer idade, pois banalizam a violência como se a mesma fosse aceita para a resolução de conflitos, sem expor a dor ou sofrimento causado às vítimas contribuindo com a cultura de ódio e intolerância.
Tirar o telefone das mãos de crianças e adolescentes será difícil, mais ainda do que os esforços da geração de meus pais de fazer seus filhos desligarem a TV e respirarem um pouco de ar fresco. Embora a tecnologia não pareça trazer bom presságio para a inteligência emocional e saúde mental, não devemos demonizá-la. Enquanto os estudos em neurociência do comportamento se ampliam para avaliar de forma mais concreta os impactos da tecnologia em nossas vidas, há que se definir os limites através de diretrizes bem fundamentadas para orientar os pais, profissionais da saúde, educadores e toda a sociedade, uma forma saudável de utilizá-la. Afinal, ainda somos detentores das nossas escolhas e quando temos consciência e autodisciplina, a tecnologia se transforma nesta maravilhosa ferramenta que nos permite desenvolver todo nosso potencial, HUMANO.
PARA SABER MAIS, CONSULTE ABAIXO AS DIRETRIZES DA OMS – ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE SOBRE O TEMA
BEBÊS (MENOS DE UM ANO):
– Devem estar fisicamente ativos várias vezes ao dia de várias maneiras, particularmente por meio de brincadeiras interativas no chão. Quanto mais, melhor. Para os que ainda não sabem andar, essas atividades físicas devem incluir pelo menos 30 minutos em posição de bruços, repartidos ao longo do dia, nos momentos em que os bebês estiverem acordados;
– Não devem permanecer sob formas de contenção e restrição do movimento por mais de uma hora seguida — por exemplo, em carrinhos de bebê, cadeiras altas ou nas costas de um cuidador. Não se recomenda que passem tempo diante de telas de dispositivos eletrônicos. Em momentos de inatividade, recomenda-se que um cuidador leia ou conte histórias;
– Devem ter de 14 a 17 horas (no período do nascimento aos três meses de idade) ou de 12 a 16 horas (no período de quatro a 11 meses de idade) de sono de boa qualidade, incluindo cochilos.
CRIANÇAS DE UM A DOIS ANOS DE IDADE:
– Devem passar ao menos 180 minutos em uma variedade de atividades físicas em qualquer intensidade, incluindo atividades físicas de intensidade moderada a elevada, distribuídas ao longo do dia. Quanto mais, melhor;
– Não devem ficar restritas por mais de uma hora seguida — por exemplo, em carrinhos de bebê, cadeiras altas ou nas costas de um cuidador — nem permanecer sentadas durante longos períodos de tempo. Para crianças de um ano de idade, não se recomenda nenhum período de tempo em atividades sedentárias em frente a uma tela (assistindo à TV ou vídeos ou em jogos de computador). Para aquelas com dois anos de idade, o tempo sedentário em frente às telas não deve ser superior a uma hora. Quanto menos, melhor. Em momentos de inatividade, recomenda-se que um cuidador leia ou conte histórias;
– Devem ter de 11 a 14 horas de sono de boa qualidade, incluindo cochilos, com horários regulares para dormir e acordar.
CRIANÇAS DE TRÊS A QUATRO ANOS DE IDADE:
– Devem gastar ao menos 180 minutos em vários tipos de atividades físicas em qualquer intensidade. Pelo menos 60 minutos devem envolver atividades de intensidade moderada a elevada, repartidas ao longo do dia. Quanto mais, melhor;
– Não devem ficar contidas por mais de uma hora seguida — por exemplo, em carrinhos de bebê — ou ficar sentadas por longos períodos. O tempo dedicado a atividades sedentárias em frente às telas não deve exceder uma hora. Quanto menos, melhor. Em momentos de inatividade, recomenda-se que um cuidador leia ou conte histórias;
– Devem ter de 10 a 13 horas de sono de boa qualidade, que podem incluir cochilos, com horários regulares para dormir e acordar.
Drª. Ana Paula de Oliveira Teixeira, graduada em Medicina pela UFBA, especialista em Medicina do Trabalho atuando na área há 15 anos, MBA em Gestão de Saúde pela FGV, pós-graduada em Medicina Integrativa pelo Inst Albert Einstein, especialista em Psicologia Corporal Reichiana, palestrante e Facilitadora de Grupos com foco na Construção de Relacionamentos Saudáveis ameaçados pelos jogos de manipulação. Filha de Alzerina e Hildebrando Teixeira, fundadores da Escola de Pais de Alagoinhas – Bahia.
Drª. Marcela Guimaraes Cavalcanti Ribeiro, graduada em Medicina pela UFMG, especialista em Pediatria e Neuropediatra, vice-presidente do Comitê de Neurologia da Sociedade Mineira de Pediatria, cooperada da UNIMED-BH, trabalhou como neuropediatra na Prefeitura de Betim no ambulatório de especialidades por 15 anos, conselheira Científica da ANDE-Brasil (Ass Bras de Equoterapia), pós-graduada em Medicina Integrativa pelo Inst Albert Einstein.
Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – 56º Congresso Nacional – 2019, p. 10-13
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