O processo de desenvolvimento da criança apresenta uma sequência definida na evolução de seu mundo psicoafetivo em que a amamentação e o desmame concretizarão diferentes posturas de seu relacionamento com o mundo.
A passagem do feto ao ser afetivo será, em parte, estruturada pelo aleitamento materno e/ou maternagem, sendo a boca o primeiro sistema com maturidade neurológica para esse desempenho.
Passado algum tempo após o nascimento a criança sentirá sede e fome, sintomas estes nascidos de seu próprio corpo, de seu interno, gerando tensão e desconforto. Ela depende de uma figura adulta, mãe ou cuidadora, que através do aleitamento materno, através do leite ofertado ajudará essa criança a passar de um estado de carência e desconforto para um estado de prazer e satisfação. Assim sendo, a organização interna da relação carência X satisfação vivenciada pela criança depende do modo como serão atendidas suas necessidades.
Não bastar dar o seio ou a mamadeira, não é o suficiente, é como o seio é ofertado, com que disponibilidade a mãe ou cuidadora oferece esse alimento e qual sua capacidade interna para formar um vínculo seguro e permanente. A criança não incorpora só o leite da mãe, mas incorpora seu olhar, o seu rosto, seu cheiro, sua voz, seu aconchego, sua proteção, sua permanência. Esse conjunto de ações ajudará a formar as estruturas psíquicas da criança no sentido que este mundo é saudável, é bom, através da satisfação de suas necessidades.
A vivência da satisfação postulada por Freud como a imagem do objeto externo satisfatório capaz de dar fim as tensões internas da fome é responsável pela construção do sujeito e pela contínua busca do objeto que consiga repetir essa experiência primária. Dessa forma, a fase oral será o primeiro estágio do desenvolvimento psicossexual. E é esta satisfação que dará a construção do desejo do sujeito em busca de repetir esta experiência quando adulto, não mais concretizando através dos alimentos mas no encontro de outro(a) parceiro(a), através de trocas afetivas orais, através do beijo amoroso.
Mas o mundo não oferece só a satisfação. À medida que a criança vai se desenvolvendo, essa simbiose inicial precisa desaparecer, propiciando dessa maneira, a percepção do outro, para que seu EGO comece a se fortalecer. Quando a interação criança-adulto não ocorre de forma conveniente os conflitos psicossomáticos da fase oral poderão aparecer através de sintomas como a inapetência, vômitos, ranger dos dentes, inibições na fala, entre outros.Quando se estabelece uma estrutura egóica de caráter oral negativa, se caracterizará por traços de personalidade gananciosa, de dependência, intolerância, agitação, curiosidade. Mastigar, morder, cuspir são expressões dessa necessidade agressiva que, não sendo bem elaborada, mais tarde pode desempenhar papel relevante nas depressões, na “drogadição”, nas perversões.
Desmame
Françoise Dolto descreve o desenvolvimento da criança como sendo permeado por uma série de “castrações”, a cada vez a criança deve separar-se de um “mundo” para se abrir a um novo”. Com o corte umbilical o bebê renuncia ao estado de fusão total com a mãe e ganha um mundo aéreo. Com o desmame renuncia ao estado de fusão parcial e liberta a boca para falar. Com o caminhar a criança afasta-se da mãe para descobrir o espaço.Porém, o desmame requer conhecimento e atitudes adequadas da figura materna, por se tratar de um delicado processo de passagem, que terão repercussões no seu mundo de adulto.
O desmame começa geralmente no sexto mês ou com a erupção dos dentes e coincide com a posição depressiva que, segundo Melaine Klein caracteriza-se pela perda do seio e tudo que ele representa: amor, bondade, segurança, sendo a base da sobrevivência. É o momento onde a criança reconhece-se separada da mãe, ocasionando um estado interno de solidão, de angústia, onde a frustração se faz presente, porém quando bem elaborada a posição depressiva cria e amplia um espaço psíquico onde os conflitos poderão ser enfrentados com resultados positivos.
Segundo Abraham, para a emergência da melancolia são necessários alguns fatores:
– um fator constitucional – herança genética; uma fixação da libido na fase oral; uma grave lesão ao narcisismo infantil provocado por sucessivos desapontamentos amorosos, frustrações reais ou fantasias como exemplo, um desmame inadequado, a vinda de um irmão, o afastamento da mãe, as internações…
– A ocorrência do primeiro desapontamento amoroso antes que os desejos edipianos tenham sido superados. As frustrações provocarão uma regressão dos vínculos edípicos à modalidade oral canibalesca, os processos de cisão, introjeção e identificação recairão sobre os objetos fundamentais de amor à mãe e ao pai.
– A repetição do desapontamento primário na vida futura, os desapontamentos amorosos, fracasso financeiro, os acidentes etc… poderão permitir o surgimento do surto da melancolia, sempre que a dor predominar sobre o prazer.
A boca como veículo de relação
As etapas orais:
a) Fase Oral de Sucção;
b) Fase Oral Canibalística.
A fase oral de sucção começa no nascimento e vai até o surgimento do primeiro dente. Neste período, a boca é só prazer. É a fase da identificação introjetiva que constitui os alicerces dos vínculos do amor, estruturando a confiança básica, tão importante na formação do psiquismo da criança.
A fase oral canibalística começa com o nascimento dos dentes. A boca deixa de ser prazerosa e constitui-se de uma região que sente dor, os dentes surgem rasgandos as gengivas provocando, muitas vezes, febre e mal-estar. Com os dentes, a agressividade que estava no plano da fantasia, agora será concretizada. A oposição do primeiro dente com a gengiva fere, morder o seio da mãe também fere e a mãe para evitar a dor se retrai. A criança percebe o resultado de sua ação e isto lhe deixa mal, provocando o desconforto, nascendo sentimentos ambivalentes, sou bom e sou mau, destruo o seio que me alimenta. Sente que perdeu o seio porque é voraz. Sente medo de machucar a pessoa querida. Por não possuir a mãe por inteiro, nasce a inveja e a frustração, podendo advir tendência à “drogadição”.
Neste período, é de fundamental importância o casal estar bem, propiciando segurança neste tão delicado processo de formação do psiquismo. Todo o prazer sentido junto aos pais é uma garantia de que o objeto interno, a mãe, não está ferido e nem se transformou em vingador. As experiências felizes diminuem o medo e aumentam a confiança. O que deve ser percebido pela criança são pais que não estão em litígio, sendo uma dupla parental unida e fecunda que permite um contato íntimo e feliz com a criança. A família tem de oferecer segurança para a superação dessa fase que será irredutível e permanente ao longo de toda a existência.
Teremos quatro momentos diferenciais na interrupção da amamentação:
a) interrupção correta;
b) interrupção precoce;
c) interrupção no surgimento dos dentes;
d) amamentação prolongada.
Interrupção correta:
O seio não pode ser perdido antes que outros objetos possam ser amados e valorizados para servirem de suporte a esta perda fundamental.
Ofertam-se os sucos e as “papinhas”, os brinquedos de borracha com texturas variadas, os jogos corporais, as massagens, o banho mais prolongado, a figura do pai cooperando na desvinculação com a mãe.
Do “mamá” introjeta-se a mamãe
Do “papá” introjeta-se o papai.
Interrupção precoce:
Quando a interrupção da amamentação ocorre antes que surjam outros vínculos de prazer que permitam suportar a frustração, o sentimento que se desenvolve é de carência. O tipo oral captador permanece na eterna expectativa de poder se alimentar em todas as relações que estabelece. Surge o desenvolvimento de uma personalidade que nunca está satisfeita sendo que o mundo deverá supri-la. “já fiz muito em nascer, o mundo que me sirva”. Julgam o valor de ter carros, jóias e status mais importantes que o valor afetivo. O “genrocrata” e a cafetina são exemplos dessa usurpação. Os compulsivos por comida, bebida, cigarro participam da postura de uma eterna tentativa de satisfação oral.
Interrupção no surgimento da dentição:
Quando a interrupção do aleitamento é motivada pelas sucessivas agressões aos seios, ao nível do pensamento infantil é sentida como se a criança, ao tentar se relacionar com o seu objeto de desejo “seio”, o tenha destruído e perdido. A fixação dessa modalidade de incorporação com destruição poderá produzir tipos sociais eternamente insatisfeitos com suas conquistas, uma vez conquistado um objetivo ele deixa de existir como fonte de prazer. Como exemplos, os eternos primeiranistas de faculdade, o carro dos sonhos vira poço de defeitos, as mulheres são deslumbrantes e idealizadas até a primeira noite, só permanece bom e idealizado, enquanto não destruído pela posse. O amor verdadeiro não poderá ser declarado para que o amor e o parceiro sejam preservados.
Amamentação prolongada:
A amamentação só poderá se estender se a criança refrear seu impulso para morder. A agressividade é o elemento fundamental do combate, da luta. É a capacidade do ego de exercer o processo secundário de efetuar conquistas para que o desejo seja realizado. Vetando-se sua manifestação, corre-se o risco de extinguir o impulso para competir, de configurar uma estrutura de relação, onde, mesmo havendo competência, falta capacidade de conquista. É um bom profissional, mas não consegue trabalho, é excepcional nos treinos, mas fracassa nas competições, lutar é sempre sentido como um risco de perder o que já tem.
Assim, o aleitamento materno bem como o desmame é ritual de passagem e a passagem do FETO AO AFETO é uma construção interativa, onde não só crianças e adultos se beneficiam. Esse processo trará como resultado o fortalecimento da base social com o foco principal no vínculo família, no vínculo criança e cuidador.
A democratização, disseminação e compartilhamento desse saber tem suma importância na melhoria e na saúde de nossa sociedade, promovendo as bases para uma sociedade harmoniosa. A saúde da família e da sociedade derivam da saúde emocional do indivíduo, da saúde emocional da criança.
Publicado na Revista nº 2 – 2010, da Ecola de Pais – Seccional de Biguaçu SC
Marlene Maria Einhardt Ferrari – Cirurgiã-Dentista, Terapeuta ocupacional, Membro da Escola de Pais de Joinville-SC. E-mail: amar_lene@hotmail.com
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