O VALOR de se Construir o Pensar na Família

“O valor das coisas não está no tempo em que elas duram, mas na intensidade com que acontecem. Por isso, existem momentos inesquecíveis, coisas inexplicáveis e pessoas incomparáveis.”  Fernando Sabino

Introdução

    O pensamento reflexivo, pelo qual os gregos começaram a questionar seus mitos sobre as divindades do Olimpo e a procurar a origem e a formação do universo, a partir da própria natureza cósmica, começou com os filósofos pré-socráticos. Mas, como afirma o escritor latino Marcus Túlio Cícero, foi Sócrates,“o primeiro a fazer descer a filosofia do céu e a instalou nas cidades e a introduziu nos lares, obrigando-a a indagar acerca da vida e dos costumes, do bem e do mal”, portanto, a construção do pensar reflexivo na família – o educar para o Pensar remonta  muitos séculos.

É na família, apoiado em laços afetivos bem definidos, que o indivíduo é ensinado a usar seus recursos internos, sua energia da melhor forma possível. Aprende a contornar obstáculos, desde o mais simples ao mais complicado. Isto significa que é no contato com a família, num ambiente de cordialidade, respeito e afeto, participando das conquistas familiares, que o ser vai se tornando apto a construir o seu espaço no mundo.

Ao nascer, ele é um ser totalmente dependente; através da educação familiar é que irá garantir sua independência, tornando-se alguém que age pelos próprios pensamentos, interage em seu meio, sendo um agente de transformação que o universo precisa para voltar a ter paz.

É sob essa ótica, que se convida os Pais a construir, como valor inalienável, o pensar reflexivo na família, contribuindo, assim para o nascimento de uma geração pensante.

 

1. EM QUE CONSISTE, ENTÃO, EDUCAR PARA O PENSAR?

Considera-se de importância fundamental analisar, primeiramente “o que é uma Educação para o Pensar” e, concorda-se com Piaget quando assevera ser o objetivo pri­meiro da educação estimular pessoas para se tornarem capazes de criar, isto é, seres inventivos e pesquisadores; o segundo objetivo é o de formar mentes que possam ser críticas, possam verificar e não apenas aceitar tudo que lhes seja oferecido e, num sentido mais amplo, visa à formação de homens “criativos, inventivos e descobridores”, de pessoas críticas e ativas, na busca constante da construção da autonomia.

A criança é um atento observador, encontra-se em todos os momentos de sua vida com os constantes “porquês”. Então, o questionamento é:

 

1.1 COMO E PORQUE CONSTRUIR ESSE PENSAR EM FAMÍLIA?

 

Primeiramente é preciso ter bem claro o que significa pensar para os Pais que pretendam desenvolver a proposta de Educar para o Pensar, na família.

Pensar é uma forma de aprender, uma forma de perguntar pelos fatos. E, se o pensamento tem algum objetivo, os fatos assim encontrados serão significati­vos para esse objetivo (RATHS, 1977). Isso significa que temos uma aprendizagem intencional. É um sinal de maturidade quando as atividades que se elaboram são disciplinadas pelo objetivo.

Reconhecendo a importância do pensamento para o crescimento e a manu­tenção de uma sociedade livre, reconhecem-se as contribuições das experiências de se trabalhar com o pensamento para se adentrar em um processo de maturidade.

É pertinente questionar: “por que, enquanto Pais, demora-se tanto para oportuni­zar aos filhos – crianças, adolescentes e jovens – a iniciação aos processos da construção de um pensar reflexivo na família?” Sabemos que a cada hora do dia, não se está vivendo somente essa hora, estamos contribuindo para a criação de um novo mundo. E que mundo se quer construir? Cheio de ideias? Livre? Um mundo compartilhado onde haja respeito pela personalidade de cada indivíduo?

Ao se iniciar a proposta de ter como um valor a construção do Pensar na família, se está contribuindo para o desenvolvimento de uma nova sociedade, para o surgimento de um mundo novo.

 Afirmam aqueles que se posicionam contra o pensar que crianças, ado­lescentes e jovens não se encontram maduros para debater e discutir questões sobre liberdade, violência, preconceitos, responsabilidade, solidariedade, justi­ça, sexualidade, questões étnicas e sociais etc. A afirmativa parte de quem não percebe que, quanto mais cedo se buscar debater sobre essas questões, mais cedo se estará desenvolvendo uma educação sobre os valores e que a imaturi­dade que se afirma existir no jovem é que está contribuindo significativamente para que essa imaturidade exista.

O “como e o porquê” têm algumas respostas quando a equipe encarregada pelo MEC de coordenar a discussão sobre incluir conteúdos ou temas agrupa-os sob a denominação de “Convívio Social e Ética”, em que a ética, a pluralidade cultural, o meio ambiente, a saúde e a orientação sexual devem passar a ser tra­balhados nas escolas transversalmente aos conteúdos tradicionais, “[…] sendo o objetivo pretendido […] o resgate da dignidade da pessoa humana, a igualdade de direitos, a participação ativa na sociedade e a corresponsabilidade pela vida social, isto significa uma busca de novos caminhos que visem transformar a escola e a sociedade” [1](ARAÚJO, p. 10).

Na proposta de se Educar para o Pensar, na visão de Lipman (1995), de­monstra ser necessária a criação de condições favoráveis para se educar bem  e, uma delas é a formação de grupos familiares de cooperação investigativa, isto é, várias famílias se agrupam e trabalham o pensar reflexivo com os seus filhos.  

 Logo, se a educação é para preparar alunos a viver como membros ques­tionadores de uma sociedade que se interroga então essa educação deve ser uma educação investigativa, assim como uma educação para a investigação (LI­PMAN, 1995). Lipman é apoiado por Bruner (BRUNER apud LIPMAN, 1995, p. 383) quando este diz que “Qualquer coisa que pode ser ensinada pode ser ensinada com integridade em qualquer nível, podendo ser melhor ensinadas – ou melhor apreendidas – sobretudo para as crianças que estão iniciando sua vida escolar, nos níveis iniciais”.

Isso sinaliza a importância de se converter o espaço familiar numa co­munidade deliberativa e de questionamento desde a mais tenra idade; que a criança, o adolescente e o jovem sintam-se a vontade para questionar e ser questionado, a buscar bons argumentos para enfrentar uma discussão reflexiva e boas razões que possam justificar ações e comportamentos; que os filhos se sintam livres para ser verdadeiros, para decidir por si mesmos entre o que é bom ou o que é melhor para suas vidas. Pensa-se ser possível essa busca no momento em que se tem uma proposta que pode acentuar o pensamento que dispõe de ferramentas para que já nos primeiros anos de escola a criança possa pensar.

Certamente se estará garantindo à criança as condições de procurar alternativas, discutir suposições, valorizar as dúvidas e, sobretudo, lidar com cautela com as questões de julgamento e de não tirar con­clusões apressadas. Essas crianças estarão, com certeza, mais abertas e prontas para influenciar nas mudanças, terão uma visão mais experimental da vida e, em vez de entrar em depressão, em virtude de algumas dificuldades momentâneas, estarão aptas para enfrentá-las.

Aqui reside o grande valor de se construir o pensar na família; repensar uma sociedade renovada, livre, democrática, no sentido explicitado por Dewey, como um conceito em permanente ressignificação e transformação, tanto no seu significado como nas suas manifestações exteriores, e, nessa permanente mutação, encontrar-se-á o seu significado social e é assim que se constrói uma educação para a cidadania. [2]Lorieri (2002. p. 33) afirma:

 

“Se entendermos por cidadania o fato de todos nós pertencermos a um agrupamento humano no qual temos de conviver com outras pessoas; que todos têm direitos e deveres, tendo em vista algum tipo de vida que a todos possa minimamente “agradar” ou parecer bom, podemos imaginar algumas qualidades para as atitudes das pessoas que poderiam ajudá-las no exercício da vida em comum.”

 

Neste sentido, a criança se dirige da microssociedade familiar para a sociedade escolar, indo aos poucos ao encontro da macrossociedade para nela permanecer. A fa­mília e a escola devem buscar construir, com essa criança, o novo ser social para que ela possa ser a transformadora da sociedade do futuro, caminhando livre para o progresso que aguarda as sociedades que conseguiram conceber cida­dãos atuantes e pensantes.

Valorizar a criança, o adolescente e o jovem como sendo capazes de pen­sar, criativa e originalmente, crítica e ponderadamente, diante dos ricos e múl­tiplos temas filosóficos, é também um ato de cidadania e de inusitado avanço na direção da emancipação plena de todos nós. A educação que leva para uma curiosidade metódica e para a ação solidária é a inspiração da Educação para o Pensar emancipatória.

            Portanto, ensinar a pensar desde a primeira infância, com seus pais e irmãos tem o papel de de­senvolver na criança, no adolescente e no jovem uma atitude filosófica. Isso sig­nifica uma atitude investigativa, interrogativa, que pergunte “O quê? Como? Por quê?”, sempre, sem se deixar influenciar pelas ideias de outros.

PRÉ-REQUISITOS PARA A CONSTRUÇÃO DO PENSAR NA FAMÍLIA

            Segundo [3]Medhus (2003. p. 85), nossos filhos podem vir ao mundo como um milagre da perfeição, mas mesmo assim, temos de ensiná-los a conviver e a melhor forma é pelo diálogo e pelo pensar em família. Pelo diálogo reflexivo a disciplina vai motivar as crianças a aceitar as regras de comportamento claras e razoáveis, e elas devem concordar com essas regras só depois de tê-las analisado, através do seu diálogo interno. Este diálogo irá ajudá-las a concluir que vão se comportar de uma certa maneira porque é a opção certa para elas, para terem disciplina em suas vidas.Vejamos, pois, alguns pré-requisitos básicos que fundamentam uma estratégia de disciplina, que promove a auto-orientação das crianças, adolescentes e jovens.

1. Regras com as quais as crianças possam concordar;

2. Respeito entre Pais e Filhos;

3. Coerência;

4. Manifestar nossas boas opções de comportamento;

5. Questionar o comportamento, não a criança;

6. Deixar os filhos assumirem seus problemas sozinhos;

7. Não ignorar um mau comportamento;

8. Não salvar as crianças das consequências do seu mau comportamento.

            Ao fundamentar a educação no lar, apoiados na estratégia de disciplina, pelas questões da auto-orientação, os pais estarão atingido o objetivo de construir na família o valor do pensar reflexivo.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Pelos argumentos apontados, ao longo do estudo, percebe-se que, tomando o pensar reflexivo como um valor, a família compromete-se com uma ação social e com as ações libertadoras que resultam desse pensar; passa a exigir um tratamento à altura de suas potencialidades e conhecimentos, desse modo, enfrentará obstáculos que podem parecer intransponíveis, mas que, para esta família, simplesmente irão representar o exercício de sua cidadania.

Referências

ARAÚJO, U. F. Apresentação à edição brasileira. In: BUSQUET, M.D. et. al… Temas transversais em educação: base para uma formação integral. Trad. Cláudia Shilling. 6. ed. São Paulo: Ática, 2003a. Apresentação, p. 9-17.

CASTRO. Eder A.& OLIVEIRA. Paula R.(orgs.) Educando para o pensar. São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2002.

LIPMAN, Matthew. O pensar na educação. Petrópolis (RJ): Vozes, 1995.

 MEDHUS. Elisa (Dra). Como educar crianças para pensar por conta própria. São Paulo: Mercuryo, 2003

RATHS, Louis E. Ensinar a pensar. 2. ed. São Paulo: EPU, 1977.

 



[1] ARAÚJO, U. F. Apresentação à edição brasileira. In: BUSQUET, M.D. et. al… Temas transversais em educação: base para uma formação integral. Trad. Cláudia Shilling. 6. ed. São Paulo: Ática, 2003a. Apresentação, p. 9-17.

[2]CASTRO. E. A. & OLIVEIRA. P.R. (orgs.) Educando para o pensar.  São Paulo: Pioneira Thomson Learning. 2002.

[3]MEDHUS. Elisa (Dra). Como educar crianças para pensar por conta própria. São Paulo: Mercuryo, 2003.

Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Biguaçu e São José, nº 5, junho de 2014, p. 26.

Neuza Teresinha Pinto ValentimPedagoga, Pós-graduada em Didática do Ensino Superior – UNIVALI e Educação a Distância  – Universidade Católica Virtual de Brasília.  Associada da Escola de Pais de Biguaçu. Tutora nos Cursos a Distância oferecidos pelo Centro de Filosofia, de Florianópolis. Coautora em três obras que são trabalhadas nos cursos na modalidade a Distância: 1. Meu Quintal, 2. Pais Filosofam, 3. Ensinar e Aprender para além da Caverna.

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