Os pais, ao saberem da homossexualidade dos filhos devem, em primeiro lugar, dar todo o apoio – são os filhos, não são ETs que apareceram de um momento para o outro -, e ser empáticos com o eventual sofrimento que o filho possa estar a ter.
Arturo Péres-Reverte, o conhecido escritor espanhol, num dos seus livros, conta um episódio a que assistiu, num vaporetto de Veneza, de um casal de homens que manifestavam afetos, de forma discreta, não exibicionista, mas por isso mesmo genuína e bonita. Péres-Reverte, depois de elogiar Veneza como terra de tolerância, conclui: como terão passado estes dois homens a sua adolescência, vistos como bichos raros, remetidos para a clandestinidade relacional, sujeitos provavelmente a encontrar-se com as pessoas que amaram na escuridão de um cinema ou em casas-de-banho públicas. É tempo de acabar com os preconceitos homofóbicos. A orientação do desejo sexual não é uma escolha, é uma característica determinada geneticamente. Todas as pessoas devem poder expressar os seus afetos, desde que dentro do que é considerado pela lei como aceitável, e homens amarem homens ou mulheres amarem mulheres é normal. E, afinal, o que interessa a nós saber quem dorme com quem desde que não seja com crianças ou no contexto de relações violentas e abusivas? Tirando estes casos, a cama de cada um (e por quem lá passa) só a ele pertence…
Pais: como aceitar?
Como já tenho escrito algumas vezes nesta revista, a ideia de ter filhos começa aos 18 meses de idade, e é independente da orientação sexual das pessoas, a qual surge muito mais tarde. E a ideia de ter filhos é, basicamente, o «pontapé na morte» que descobrimos, nessa idade, quando sentimos o medo da existência, tomamos consciência do Tempo e da finitude da vida, e desejamos prolongarmo-nos até à Eternidade. Fazemo-lo, assim, pensando em ter (muitos) filhos, que fantasiamos em todos os bebês que vemos e a quem prestamos atenção, ou nos projetos criativos que desenvolvemos, e imaginando os (muitos) filhos que os nossos filhos e que os filhos dos nossos filhos terão.
Quando os pais sentem que o filho, agora de carne e osso e não fantasiado, afinal, tem elevadas probabilidades de não ter filhos, porque não consegue estabelecer uma relação conjugal com uma pessoa do sexo oposto, condição no limite essencial para ter filhos, sentem que o seu próprio futuro está ameaçado, em termos conceituais, e que todo o projeto imaginado desde o ano e meio de idade cai por terra.
Para lá do estigma social, da falta de hábito de receber em casa «o genro, casado com o meu filho», ou «a nora, casada com a minha filha», é o projecto intrínseco de sobrevivência que nos aparece comprometido. Acresce que a desinformação sobre o que é a homossexualidade, sobre riscos e também a constatação bem real de que um jovem homossexual terá a vida social dificultada, apesar de todas as melhorias verificadas – e espero que este texto sirva também para esclarecer algumas coisas -, ainda assusta mais os pais e aumenta o sentimento de desilusão.
Estas angústias têm de ser compreendidas e os pais, ao saberem da homossexualidade dos filhos devem, em primeiro lugar, dar todo o apoio – são os filhos, não são ETs que apareceram de um momento para o outro -, e ser empáticos com o eventual sofrimento que o filho possa estar a ter. Por outro lado, eles próprios, pais, não devem esconder e remeter o filho para a clandestinidade, mas podem ajudá-lo e ajudar-se, assumindo o facto como normal e não fazendo tabu do assunto – se o fizerem, o diz-que-diz acaba e o filho tem mais hipóteses de se sentir bem e de ter um percurso de vida social normal. Finalmente, devem apoiar-se um no outro, não considerar que os outros filhos é que são bons, tentar esclarecer estes, e pedir ajuda – a um médico, a um psicólogo – para ultrapassar sentimentos, libertar angústias e obter esclarecimentos e informação importante.
Se, pelo contrário, os pais optarem por uma atitude «cavernícola», quase irradiando o filho, estarão a maltratá-lo, a maltratar-se a si próprios e a agir de uma forma, porventura emocional, mas muito pouco racional, inteligente, justificada e eficiente. Os nossos filhos serão sempre os nossos filhos. E, se assim não fosse, então os filhos que não têm filhos (porque não podem, porque não querem) deveriam ser «irradiados da família»? Já o foi feito, há muitos anos, mas por alguma razão demos saltos ineludíveis e irreversíveis em termos civilizacionais.
O que é a homossexualidade?
Seria bom que daqui a uns anos só as crianças tivessem de fazer esta pergunta. Todavia, muitos adultos ainda andam confundidos quanto ao que é a homossexualidade, conotando-a com pedofilia, perversão, manias ou mesmo doença. Homossexualidade é a atração sexual, emocional e afetiva de pessoas de um gênero por pessoas do mesmo gênero, como parte de um continuum da expressão sexual, ou seja, a orientação do desejo sexual faz-se na direção de uma pessoa do mesmo sexo.
A orientação sexual estabelece-se (ou consolida-se) no final da adolescência, e muitos dos homens e mulheres homossexuais tiveram as suas primeiras experiências nesta idade, embora ter este tipo de relações nesta idade não tenha, só por si, qualquer valor predictivo (muitos heterossexuais têm experiências «homo» por uma questão de experimentação ou de conduta de ensaio).
No que se refere à prevalência, embora alguns relatórios tenham indicado estimativas em adultos de cerca de 4% para os homens e 2% para as mulheres, desconhece-se a taxa na adolescência e estes dados variam enormemente de região para região e de comunidade para comunidade, muito dependente do grau de aceitação social e político.
A evolução das ideias e conceitos
Sempre existiu homossexualidade na sociedade, só que, por razões que a antropologia facilmente explica, associadas ao desígnio de contribuir a todo o custo para a continuação da espécie, esta forma de orientação sexual foi quase sempre reprimida ou pelo menos olhada de esguelha. Para tal, veio a contribuir, de forma decisiva, a posição das religiões e as condenações e culpabilizações inerentes a quem cometia esse «pecado».
Com o evoluir das sociedades, quando hoje em dia o fato de «não ter filhos» não lança ninguém no opróbrio, quando as liberdades, direitos e garantias individuais são promovidas, e não apenas as da comunidade como um todo, a questão da homossexualidade, tal como muitas outras, tornou-se objeto de debate e de discussão.
Se, por um lado, ainda se observam frequentemente atitudes segregacionistas e de exclusão (algumas vezes de autoexclusão), é crescente a tolerância e mesmo a normalidade com que o assunto é felizmente encarado. E não se trata de dizer, de modo paternalista, que «o que cada um faz é da sua conta», mas de muito mais: o de entender que a sociedade é composta por indivíduos diferentes, na cor, no tamanho, nas capacidades, e também nas orientações sexuais. E se os determinantes dessas diferenças são genéticos, ambientais ou um misto dos dois, dependerá muito do tema, e do que a ciência consegue (ou não) adiantar sobre o facto.
Há vinte anos, a homossexualidade era definida como uma «doença mental» por Academias de Psiquiatria tidas como cientificamente irrepreensíveis – afinal demonstraram que não o eram e atualmente ainda se assiste a classificações deste tipo, nas mais variadas situações.
O que é facto é que, cada vez mais, se entende que a homossexualidade não é uma questão de escolha, ou seja, não se escolhe ser homo, hétero ou bissexual. É-se apenas e tão só e embora permaneçam desconhecidos os determinantes dessa orientação, sabe-se que é geneticamente determinada. O que entra no capítulo das opções é a forma de comportamento e os estilos de vida que as pessoas, homossexuais ou não, adotam, designadamente o tipo de experimentação sexual, mas isso é do foro íntimo de cada um, desde que não colida com os direitos dos outros – e tanto se aplica aos homo, hetero ou bissexuais.
As experiências homossexuais, masculinas e femininas, durante a adolescência, não são, para a larga maioria dos jovens, um fator predictivo da sua orientação futura, mas apenas uma forma de melhor conhecer o corpo e integrado nas condutas de experimentação ou de ensaio.
Iguais aos outros
Há que sublinhar que os adolescentes homossexuais partilham dos mesmos padrões de desenvolvimento dos seus congêneres heterossexuais, designadamente o estabelecimento de uma identidade sexual, a decisão sobre os comportamentos, a gestão dos afetos, as opções relativas a ter ou não relações, de que tipo e se protegidas ou não, etc. Os riscos que correm, relativamente às doenças de transmissão sexual, como a infecção HIV, exigem as mesmas estratégias e a mesma educação para a saúde.
Assim, a informação e os cuidados antecipatórios que se dão a qualquer adolescente não devem excluir nenhum, independentemente das suas orientações.
Por outro lado, sendo uma minoria, os homossexuais estão sujeitos a uma pressão social e a um «empurrão para a clandestinidade» que pode trazer um menor acesso aos serviços, um maior desconhecimento da informação credível e de rigor e, também, um aumento dos problemas psicológicos e sociais, numa adolescência já pontuada por dúvidas, angústias e «duelos» entre modelos de vida, de comportamentos, de relações e de concecções de sociedade. A consulta médica, por exemplo, pode tornar-se numa autêntica ameaça, sobretudo quando muitos dos profissionais de saúde ainda se encontra «a milhas» de uma abordagem adequada do tema.
Estigmatização
Os problemas psicossociais derivam fundamentalmente do fenômeno de exclusão, vergonha, estigmatização social ou hostilidade. Ainda vivemos em sociedades onde os conceitos religiosos, mesmo nos não praticantes e não crentes, tem um peso extraordinário em pequenas coisas do dia a dia, mesmo que já não nas grandes decisões e opções. Aliás, não é por acaso que o risco de suicídio é muito superior para os adolescentes homossexuais, mesmo descontando outros fatores do contexto social que possam também ser geradores de situações depressivas.
É fundamental, assim, instilar segurança à medida que os adolescentes formam a sua identidade sexual, sem rótulos precoces e imediatistas. Há uma evolução no processo de orientação sexual e, tal como para os adolescentes heterossexuais, não podemos confundir relações sexuais com sexualidade. A questão dos afetos é fundamental, dado que a expressão desses mesmos afetos é socialmente mal vista, e pode limitar os impulsos amorosos que, se fosse o caso de um par heterossexual, até poderia ser motivo para uma fotografia ou um cartaz social, estética e politicamente «correto».
Uma vez, numa escola secundária, numa sessão sobre «sexualidade e adolescência», falou-se do tema homossexualidade, na fase de debate.
Quando uma interveniente perguntou algo sobre o assunto, logo um colega gritou: «porque é que temos de gastar o tempo a falar de mariconços quando há coisas muito mais giras a saber, como por exemplo como é que se comem gajas boas!».
O sururu foi algum, mas quer o presidente da mesa, quer eu impusemos respeito e dissemos ao interveniente que, ou se calava e aceitava as regras do jogo, ou saía da sala e ia à sua vida.
No final do debate vim a saber que era um rapaz cujo pai tinha assumido, há escassas semanas, a sua própria homossexualidade, o que o filho não conseguia admitir, por vergonha, por receio que fosse genético e que ele viesse também a ser homossexual, pela afronta social.
Sugeri ao diretor da escola apoio para o rapaz, e creio que ele entendeu o drama psicológico pelo qual ele estava a passar.
Mudam-se as perspectivas num assunto «velho»
Embora não estejamos a falar propriamente de um assunto novo – pelo contrário, ele é tão velho como a própria Humanidade -, tem-se assistido, nas últimas décadas, nos países mais evoluídos em termos civilizacionais, a um crescente interesse no estudo e análise da homossexualidade. O emergir dos direitos individuais e o maior respeito pelas opções de cada um, bem como os dados científicos baseados na evidência, permitem debater este assunto com maior lucidez, objetividade e sem preconceitos que, nas sociedades ditas ocidentais, impediram durante muito tempo uma abordagem imparcial e rigorosa. Em outras sociedades, infelizmente, o que reina é o obscurantismo e as ideias medievais, com leis e práticas tenebrosas e a homossexualidade sendo um crime passível de condenação à morte.
A rápida mudança nas atitudes relativamente à questão da orientação sexual, não foi alheia à problemática da infecção pelo VIH, como gatilho de uma série de esclarecimentos que nada têm a ver com esta doença (predominante, aliás, nos heterossexuais!). Mas, além disso, a evolução para sociedades equalitárias em termos de direitos tem levado a debates sobre o casamento (já instituído na Lei), direito sucessório, adoção e outros aspetos da vida pública que pareceriam estranhos a quem tivesse ficado em hibernação em 1981, quando a homossexualidade era crime em Portugal! Crime… é verdade… E há uns míseros 30 anos!
Atitudes democráticas e de cidadania
As sociedades evoluem e não há regras pré-estabelecidas – basta ver, aliás, a diversidade de culturas, hábitos e conceitos que existem no mundo. Cada sociedade define as suas regras, certas ou erradas, conforme o sentir e o pulsar do momento. Com a rapidez da evolução tecnológica e da comunicação, também os valores e regras se alteram com maior facilidade e em períodos de tempo mais curtos. A discussão dos problemas, aberta e direta, como acontece nas democracias, permite acabar com tabus e situações injustas e de segregação.
A homossexualidade é um dos assuntos que, certamente, sofrerá uma evolução nos tempos mais próximos, no sentido de se desdramatizar e se aceitar que nem todas as pessoas têm que ter as mesmas orientações e opções, sejam elas determinadas por condicionantes genéticos, ambientais, educativos, sociais ou quaisquer outros. Viver numa sociedade que aceita a diferença é uma forma de promover a democracia, a cidadania e os direitos individuais e coletivos.
http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/mario-cordeiro/4472-o-meu-filho-e-gay?showall=1
Escrito por Mário Cordeiro
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