Independente da cultura, classe social, religião, filiação partidária, em nossa temporalidade — entre o nascer e o morrer —, percorremos a trilha do envelhecimento, que deixa transparecer o ethos sobre o modo como cada sociedade constrói seu olhar sobre a velhice ao longo de sua história. Experienciado por toda espécie humana, o fenômeno do envelhecimento — tal como o nascer, o morrer, o enamoramento, o adoecer, a amizade, e a sexualidade — é vivido por todos os povos. Essa constatação permite-nos incluí-lo na categoria dos fenômenos coletivos, embora seja, ao mesmo tempo, uma experiência única e singular a cada pessoa. O que deveria possibilitar um aprendizado harmonioso ao longo do nosso curso pelo tempo. No entanto, apesar de todas as descobertas científicas a fim de prolongar a vida, o que se constata, é a não-aceitação das vicissitudes das modificações físicas, psíquicas, sexuais e sociais peculiares à essa temporalidade, apesar do significativo aumento da população com mais de 60 anos, nas últimas décadas.
Quase sempre a melancolia, a angústia, o mau humor, e até a depressão exprimem a não-aceitação das marcas e cicatrizes que denunciam e desvelam o envelhecimento do corpo e sinalizam a finitude, realidade comum a todos.
Assim, indagamos: como aprender a conviver com essa incontornável realidade que é o envelhecimento humano, numa sociedade que, salvo algumas exceções, vem priorizando o novo, o efêmero e materializa seus valores estéticos num corpo jovem, viril e sedutor? Como estabelecer uma relação elegante com o processo de envelhecimento numa sociedade em que não ser jovem significa ser descartável, fora de uso, tal qual uma bateria com duração programada, cujo fim é o cesto de lixo sem possibilidade de reciclagem?
O culto ao novo, ao descartável abarca o humano em seu aspecto global e, nessa luta contra o tempo, não resiste a eficientes práticas cirúrgicas em busca de aparências mais atrativas e sedutoras. As indústrias cosmetológicas investem bilhões na busca de um produto que possa atender a tal propósito. O fato é que com ou sem peeling, lipoaspiração e plásticas, envelhecemos e morremos.
Ao questionar as dimensões existenciais do homem e da mulher, é necessário um entendimento não só da herança da espécie como parte do ciclo biológico, mas de assumir sua temporalidade: crescer, amadurecer, envelhecer e morrer.
Compreender a fenomenologia da corporeidade na velhice demanda uma postura de autoacolhimento e, também, admitir a dimensão do sagrado que imanta o mistério da vida, cujo percurso traz as sutilíssimas marcas dos nossos encontros amorosos, nossas perdas, nossas angústias e alegrias. Nossa vida inteira está, no presente, em cada átimo de nossa existência. Compreender nossa trajetória existencial significa admitir que o nosso existir é permeado pelo fluir constante do presente que se constitui do que foi vivido, vale dizer, do passado, que já foi presente e já foi possibilidade de vir a ser o futuro, configurando, o sentido e o significado que se atribui ao projeto de vida, que se mantém em constante renovação. Ampliar nossos horizontes dispõe-nos a uma abertura para novas relações e experiências que podem acontecer, por exemplo, em oficinas de leituras, em viagens, no aconchego dos entes queridos entre outras. A postura da renovação associada à capacidade de idealizar, projetar e acreditar no futuro, não envelhece, e pode ser considerada o grande tesouro da trajetória existencial.
*MARIA ALVES DE TOLEDO BRUNS – Docente e pesquisadora credenciada no Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (USP) – Campus de Ribeirão Preto, SP, e no Programa de Pós-Graduação em Educação Sexual da Faculdade de Ciências e Letras da Universidade Estadual Paulista (UNESP) – Campus de Araraquara, SP. Líder do Grupo de Pesquisa Sexualidadevida-USP/CNPq. E- mail toledobruns@uol.com.br.
Disponível em: http://www.sexualidadevida.com.br/artigos
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