O desenvolvimento da criança é de responsabilidade da Equipe de Saúde, da Família e do Educador, que possuem papel na formação do cérebro das crianças sobretudo pelos exemplos e ações, tempo que elas permanecem nas escolas, pelo conteúdo que elas aprendem nas escolas, pelo exemplo que os educadores passam para as crianças e os pais, assim como do seu papel fundamental na formação do ser humano.
A Sociedade Brasileira de Pediatria vem, por meio deste documento, partilhar os conhecimentos da literatura científica médica com as equipes de pedagogos, professores, auxiliares escolares e educadores sobre o uso correto da tecnologia em prol de um desenvolvimento neuropsicomotor satisfatório na infância e adolescência.
As evidências de pesquisas científicas sugerem que os dispositivos tecnológicos de telas e as mídias oferecem tanto benefícios quanto riscos para a saúde das crianças e adolescentes, tornando-se necessário o planejamento por parte de cada setor que cuida da criança, bem como a responsabilidade e disciplina em cumprir as orientações propostas. Diante da relevância da interdisciplinaridade e do tempo em que as crianças permanecem nas escolas, entende-se que o papel do educador nas escolas é fundamental para a formação de um ser humano saudável.
Importante marco na formação das nossas crianças foi a lei Nº 12.965 de 23 de abril de 2014, que estabelece princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil.
A lei determina as diretrizes para atuação dos Estados e dos Municípios em relação à matéria, por isso a necessidade urgente de adequá-la à prática das escolas e creches de maneira a garantir o pleno desenvolvimento das crianças e protegê-las dos excessos e perigos do mau uso dos recursos tecnológicos na era digital.
Os nativos da Era Digital têm direito à utilização e desfrute dos recursos tecnológicos para sua aprendizagem e auxílio ao seu desenvolvimento, mas as famílias e as instituições precisam se adequar no sentido de diminuir os riscos do mau uso dessas ferramentas.
Entende-se como riscos os efeitos negativos para a saúde nas áreas do sono, da atenção, do aprendizado, do sistema hormonal (com risco de obesidade), da regulação do humor (com risco de depressão e ansiedade), do sistema osteoarticular, da audição, da visão, além do risco de exposição a grupos de comportamentos de risco e a contatos desconhecidos, com possibilidade de acesso a comportamentos de autoagressão, tentativas de suicídio e crimes de pedofilia e pornografia.
O uso de dispositivos móveis, como smartphones e tablets por lactentes e pré-escolares aumentou dramaticamente nos últimos anos(1). Estudo de 2015(2) mostra que 96,6% das crianças de 0 a 4 anos de idade, na sala de espera de uma clínica pediátrica de baixa renda, usavam dispositivos móveis e 75% delas possuíam seu próprio dispositivo. Este estudo também mostrou que quase todas as crianças de dois anos usavam dispositivos móveis diariamente e que 92,2% das que tinham um ano de idade também já havia usado um dispositivo móvel mais de uma vez.
O mesmo estudo mostrou a falta de limites e falta de supervisão por parte dos pais e cuidadores ao deixarem crianças pequenas acessarem livremente os conteúdos de canais de youtube, de jogos on line e de provedores de filmes e séries de televisão, o que as coloca em extremo risco.
A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) lançou um documento em 2016 intitulado “Saúde das crianças e adolescentes na era digital” que deve ser lido e consultado por pais, professores, educadores, cuidadores, escolares e adolescentes sobre este assunto e está disponibilizado livremente no site da SBP.
A SBP, em conformidade com a Academia Americana de Pediatria (AAP), recomenda o tempo adequado para cada idade, de acordo com a maturação e desenvolvimento cerebral. As publicações científicas demonstram evidências que, quanto mais nova a criança, menor a capacidade do cérebro de discernir a ficção da realidade. Além disso, durante os primeiros anos de vida a formação da arquitetura cerebral é acelerada e servirá de suporte para todo o aprendizado futuro.
Torna-se essencial que os cuidadores e educadores priorizem atividades que auxiliem o aproveitamento do potencial dessas crianças e, portanto, o uso consciente das telas é fundamental. As escolas são fontes de conhecimentos e também possuem papel importante em fornecer bons exemplos para pais e cuidadores. O seguimento das diretrizes que protegem e estimulam as crianças de forma adequada pode gerar mudanças significativas em toda a sociedade.
Estudo publicado em 2013 relata que crianças de 6 meses a 3 anos, cujos cuidadores usavam livros com hábito frequente de leitura dirigida e linguagem gestual, exibiram mais conhecimento sobre os significados dos símbolos linguísticos e obtiveram melhores resultados na avaliação da linguagem e das habilidades sociais, comparadas com outro grupo que passava o mesmo tempo de leitura do grupo acima, mas em aplicativos infantis de estímulo à linguagem e em programas e vídeos educativos na TV e smartphones(4). Esse estudo mostra que a interação cuidador-criança e as brincadeiras livres não podem e não ser amplamente substituídas pela tecnologia do século XXI. Esta interação entre a crianças e os adultos e entre as próprias crianças é fundamental para o desenvolvimento e a socialização.
Os estudos mostram a associação entre excesso de exposição a telas na primeira infância e atraso no desenvolvimento cognitivo(5), na linguagem(6), atrasos sociais e descontrole emocional(7), além de comportamentos agressivos(8), alterações sociais e de sono. Esses prejuízos se dão por exposição inadequada a conteúdos impróprios, diminuição da interação direta entre cuidadorcriança(9), início muito precoce de uso de dispositivos e excesso de uso de mídias pelos próprios cuidadores.
Zimmerman & Bell(10) mostraram que meninos que excedem 2 horas por dia de uso de mídia sedentária têm 1,7 vezes mais chances de desenvolver obesidade em comparação com aqueles que não excedem 2 horas por dia de uso de mídia sedentária.
Como o cérebro aprende pela repetição, as rotinas do uso saudável da tecnologia devem fazer parte dos projetos pedagógicos, de forma a construir o entendimento do uso em tempo e conteúdo adequado pelas próprias crianças.
A recomendação de exposição a mídias para crianças menores de dois anos é tempo zero, pois as evidências das pesquisas mostram que as interações sociais com os cuidadores são muito mais eficazes e estimulantes para o desenvolvimento da linguagem, da inteligência, da interação social e das habilidades motoras, além de proporcionar momentos de aprendizagem global, capacidade de resolução de problemas e habilidade de controle emocional(3), tornando a criança um adulto mais saudável e resiliente. Entre a idade de 2 anos completos e 5 anos a recomendação é de 1 hora por dia ao todo, ou seja, somando-se o período diário que a criança permanece na TV, celular, tablets e videogames. Acima dessa idade é recomendável o tempo até 2 horas. O acesso deve ser monitorado e permitido apenas ao que é liberado para cada idade, respeitando-se a classificação indicativa, além de evitar conteúdos de violência, sexual, de comportamentos inadequados.
As crianças apresentam um prazer grande no uso da tecnologia: devem-se usar boas ferramentas para ensino de habilidades e para trabalhar funções executivas pode auxiliar no seu desenvolvimento, desde que sejam respeitadas as recomendações de idade, tempo, horário e conteúdo. A UNESCO recomenda o uso racional de tablets em sala de aula, pois o uso adequado auxilia na construção de habilidades cognitivas e de aprendizagem. Os conteúdos oferecidos podem ser também fontes de boas atitudes e comportamentos adequados.
A SBP, pelos departamentos científicos de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento e Saúde Escolar, entende que a tecnologia, quando usada de forma adequada e apropriada, é uma ferramenta que pode melhorar a vida diária das crianças e ajudá-las em todas as facetas do seu desenvolvimento. Mas, quando usada de forma inadequada, abusiva ou sem planejamento, a mídia pode ocupar o espaço de atividades importantes para o desenvolvimento infantil, como pelo brincar, interação face a face, tempo familiar de qualidade, brincadeiras ao ar livre, exercícios físicos, tempo de inatividade e ócio criativo(11-14). Portanto, a SBP ressalta novamente (vide documento anteriormente citado “Saúde das crianças e adolescentes na era digital”) a importante responsabilidade dos cuidadores e das instituições educacionais, onde as crianças passam a maior parte do tempo para garantir o uso correto das mídias digitais, direcionando-os para o pleno desenvolvimento infantil, principalmente na primeira infância.
Diante de tal exposição, a SBP recomenda que as escolas e famílias possam atuar em conjunto com as equipes de saúde no sentido de:
- Monitorar rigorosamente o tempo de exposição à tela em casa e na escola, de forma que a soma não ultrapasse o limite recomendado.
- Programar os dispositivos para acesso apenas a conteúdos de alta qualidade com eficácia de aprendizagem demonstrada, discutido em equipe no planejamento pedagógico.
- Envolvimento ativo dos pais, cuidadores e professores, tanto na leitura digital quanto na leitura de livros, que melhoram a aprendizagem das crianças pela experiência.
- Orientação aos familiares sobre a relevância de regras domésticas claramente estabelecidas e cumpridas e os limites para as crianças.
- Incentivo de atividades físicas diárias e contato com a natureza.
- Promoção de aprendizagem com brincadeiras no ambiente das creches e escolas.
- Discutir e aplicar plano de trabalho individualizado na prevenção do Estresse Tóxico na Infância.
REFERÊNCIAS
- Rideout V. Zero to Eight: Children’s Media Use in America – 2011. Disponível em https://www/. commonsensemedia.org/research/zero-to-eight-childrens-media-use-in-america acesso em setembro de 2018.
- Kabali HK, Irigoyen MM, Nunez-Davis R, et al. Exposure and use of mobile media devices by young children. Pediatrics. 2015;136(6):1044–1050.
- Brown A. Council on Communications and Media. Media use by children younger than 2
years. Pediatrics. 2011;128(5):1040–1045.
- Calvert SL, Richards MN, Kent CC. Personalized interactive characters for toddlers’ learning of seriation from a video presentation. J Appl Dec Psychol. 2014;35(3):148–155.
- Mazurek MO, Wenstrup C. Television, vídeo game and social media use among children with ASD and typically developing siblings. J Autism Dev Disord. 2013;43(6):1258–1271.
- Zimmerman FJ, Christakis DA, Meltzoff AN. Associations between media viewing and language development in children under age 2 years. J Pediatr. 2007;151(4):364–368.
- Lin LY, Cherng RJ, Chen YJ, et al. Effects of television exposure on developmental skills among young children. Infant Behav Dev. 2015;38:20–26.
- Tomopoulos S, Dreyer BP, Valdez P, et al. Media content and externalizing behaviors in Latino toddlers. Ambul Pediatr. 2007;7(3):232–238.
- Rothbart MK, Posner MI. The developing brain in a multitasking world. Dev Rev. 2015;35(35):42–63.
- Zimmerman FJ, Bell JF. Associations of television content type and obesity in children. Am J Public Health. 2010;100(2):334–340.
- Yogman M, Garner A, Hutchinson J, et al. The Power of Play: A Pediatric Role in Enhancing Development in Young Children. Pediatrics. 2018;142(3).
- Walsh JJ, Barnes JD, Cameron JD, et al. Associations between 24 hour movement
behaviours and global cognition in US children: a cross-sectional observational study. Lancet Child Adolesc Health. 2018 Sep 26.
- Departamento Científico de Adolescência da SBP. Manual de Orientação da SBP: Saúde de Crianças e Adolescentes na Era Digital – 2016. Disponível em http://www.sbp.com. br/fileadmin/user_upload/2016/11/19166d-MOrient-Saude-Crian-e-Adolesc.pdf acesso em setembro de 2018.
- Departamento Científico de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento da SBP. Manual de Orientação da SBP: O papel do pediatra na prevenção do Estresse Tóxico na Infância – 2017. Disponível em https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/2017/06/Ped.-Desenv.-Comp.-MOrient-Papel-pediatra-prev-estresse.pdf
Nº 06, junho de 2019. Manual de Orientação, publicado Departamentos Científicos de Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento e de Saúde Escolar. Disponível em : https://www.sbp.com.br/imprensa/detalhe/nid/uso-saudavel-de-telas-tecnologias-e-midias-nas-creches-bercarios-e-escolas/
Departamento Científico Pediatria do Desenvolvimento e Comportamento Presidente: Liubiana Arantes de Araújo Secretário: Lívio Francisco da Silva Chaves Conselho Científico: Adriana Auzier Loureiro, Ana Márcia Guimarães Alves, Márcio Leyser,
Ana Maria Costa da Silva Lopes, João Coriolano Rego Barros, Ricardo Halpern
Departamento Científico de Saúde Escolar Presidente: Joel Conceição Bressa da Cunha Secretária: Mércia Lamenha Medeiros Conselho Científico: Abelardo Bastos Pinto Jr., Cláudia Machado Siqueira,
Eliane Mara Cesário Pereira Maluf, Maria de Lourdes Fonseca Vieira, Paulo Cesar de Almeida Mattos
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