A sugestão da família como solo me convoca para esse escrito. Invento a imagem da planta enraizada e pronta para produzir os frutos, as flores e folhas novas que proverão a ausência de outras que as antecederam. O chão coberto pelas folhas mortas descansa protegido, enquanto prepara o parto de uma nova vida. Se família é solo, é terreno sagrado sobre o qual se nasce, cresce, anda. Constrói-se, vive-se e morre-se.
A família como solo fértil, vital, arável é chão que acolhe a semente plantada ou semeada ao acaso e espera que o germe venha cobri-lhe de flor. A família como solo que origina e alimenta a vida em desenvolvimento, embala a sina do cuidado e da proteção dos filhos nascidos brotos. Enquanto rega, aduba, cultiva e muda, assegura para que a estiagem não cause mal ao seu rebento.
A família é, pois, ventre da vida. É natureza que abriga os recursos necessários para o desenvolvimento cognitivo e emocional da pessoa. No solo familiar as condições naturais nutrem o desenvolvimento da aprendizagem. Princípios, valores, modelos relacionais e experiências percebidas que só são possíveis conhecer em terra dada a produzir vida.
No terreno da família, os pais são solos nutritivos que assumem a tarefa de gerar e alimentar o desenvolvimento dos filhos, enquanto desenvolvem-se concomitantemente. Afinal a pessoa está sempre em progressivo desenvolvimento, mesmo quando a terra endurece, a água é escassa, a planta murcha aparente regressão. Em tempo de seca, as oportunidades de desenvolvimento podem ser exploradas pelas raízes fixas que procuram no profundo do solo, o alimento da sobrevivência.
A bela imagem desenhada pela minha imaginação insiste em mostrar-se, insinua fazer outras tantas analogias, aproximar a família ao sentido do solo fértil, mas penso que e tempo de usar a palavra em acepção objetiva para conversar sobre o desenvolvimento. Como, porque e quando a família é lugar vital para o desenvolvimento dos filhos?
Segundo Bronfenbrenner (2005 apud Souza, 2016), a família é o ambiente potencial do desenvolvimento humano. Ela é o coração do sistema social. Isto porque reúne as condições primeiras e mais importantes para que o humano desenvolva-se: o amor, o cuidado, o experimento de aprender a aprender fazendo. A família será a mais humana, poderosa e anda, o sistema mais econômico capaz de determinar a capacidade de funcionamento da pessoa, beneficiando múltiplas experiências nos diferentes contextos sociais aonde a criança cresce, vive, percebe, pergunta e conhece.
Para o autor, o impacto da família sobre o desenvolvimento humano determina o que a pessoa aprende e sua contribuição no meio social, processo que se inicia com o nascimento e se estando ate a morte.
A partir dessa expectativa de continuidade, pode-se dizer que a pessoa, desde o nascer, transforma-se cotidianamente em correspondência com o ciclo da vida humana e os pais são primariamente aqueles que mostram aos filhos com o ambiente revela-se e sofre mudanças. Eles são pessoas mais próximas e mais experientes que ensinam sobre as coisas e os relacionamentos, bem como, as pessoas podem agir diante da vida e do mundo que as cerca.
Assim sendo, desenvolver-se é um processo que abarca estabilizações e mudanças das características biopsicológicas de um ser humano, não apenas ao longo do ciclo de uma vida, mas através de gerações, (BRONFENBRENNER 1996, 1998)
Segundo o mesmo autor, condições ambientais e sociais são indispensáveis para o desenvolvimento humano como o envolvimento delongado com adultos que cuidam e envolvem-se em atividades conjuntas com a criança. Essa experiência permite o aprendizado sensível por meio da elaboração de um conhecimento construído pela vivência e exemplo. Ser cuidada, amada e ter oportunidade de relação parental são requisitos importantes para a abertura de um espaço de dúvida, de perguntas e respostas que vão sendo formuladas mediante experiência relacional.
A Abordagem Biológica do desenvolvimento Humano, elaborada por Urie Bronfenbrenner destaca a interdependência entre o indivíduo e o contexto no processo desenvolvimental. No caso de pessoas que originam de uma família, primeiro contexto de aprendizagem oferecido é o território familiar. Em família a pessoa aprende a ser, a conviver, a aprender, a fazer a partir do conhecimento adquirido, transmitido, consolidado e em constante aperfeiçoamento.
Bronfenbrenner (1979/1996 apud Souza, 2016) percebe a desenvolvimento “como mudança duradoura na maneira pela qual uma pessoa percebe e lida com o seu ambiente”. (p.5). Isso significa que a pessoa ativa, em crescimento e em relação percebe e suporta mudanças ambientais e imediatas, acomodando aprendizagens, reestruturando modelos, evoluindo progressivamente e cognitivamente.
Nesse sentido é que a família de forma análoga associa-se a terra derrubada, disposta, não necessariamente pronta, à espera da semeadura. Nela a semente é plantada, cria raízes que aderem ao solo como sustento e brota para tornar-se semente nova. Ao longo do percurso é alimentada, ganha corpo e tamanho, floresce e dá frutos.
Daí a sabedoria popular afirma que “quem planta colhe” ou “quem planta melancia não pode colher mamão”… Isso para dizer que em tempo de plantação é preciso projetar a colheita. “E há que se cuidar do broto. Pra que a vida nos dê flor e fruto… Verdes, plantas, sentimentos. Folhas, coração… e fé”
Cíntia Barreto Santos Souza
É doutora e mestre em família Na Sociedade Contemporânea pela Universidade Católica do Salvador/UCSAL. Especialista em Leitura e Produção de Textos/ PUC – MG; Psicopedagoga escolar/UNC; Educação à Distância/ Inglês e Literatura pela Universidade do Estado da Bahia/UNEB Professora do Ensino superior. Membro da Escola de Pais do Brasil/Santo Antonio de Jesus – BA desde 1992
Publicado na Revista do 53º Congresso da Escola de Pais do Brasil 2016
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