A família é o primeiro grupo do qual uma pessoa faz parte. Ela é tão importante no que tange ao desenvolvimento da personalidade das crianças que o psicólogo Kurt Lewin a comparava ao chão no qual uma criança se apóia. A família, como a conhecemos hoje, foi criada durante o desenvolvimento da humanidade. O homem primitivo se organizava em grandes grupos. Eles não conheciam a biologia nem a fisiologia e, portanto, não sabiam como as mulheres eram fecundadas. A cópula, feita por instinto, garantia a manutenção da espécie humana, mas, para os homens e mulheres os sentimentos de maternidade, de paternidade e de família como conhecemos hoje, não existiam. Aos poucos os grupos foram se dividindo em grupos menores até formarem a família nuclear, constituída por um homem, o pai; uma mulher, a mãe; e seus filhos.
No que tange à afetividade, é importante lembrar que a família, durante os milênios, percebeu a importância do afeto positivo nas relações entre os seus membros. À medida que a civilização avançava, a família percebia a importância dos aspectos emocionais, subjetivos, de seus membros. Os homens passaram a perceber a importância da família na formação desses aspectos, sua participação nesses processos e sua responsabilidade. Os pais passaram a se conscientizar da importância do papel que eles desempenham no desenvolvimento da personalidade de seus filhos.
Nesse contexto, a família passa a se preocupar mais com seus membros. No início do século XX, com o avanço da Psicologia, a partir de muitos estudos e pesquisas, explicitou-se a importância das relações dos pais com seus filhos, especialmente, nos primeiros anos de vida. A família, a partir desse período, passa a dar mais atenção às necessidades e ao desenvolvimento psicológico das crianças. Concomitante a esse processo, outros aspectos da sociedade avançam. As mulheres passam a sair de casa parte do dia, ou o dia todo, para assumir um lugar no mercado de trabalho. Surge a necessidade de novas formas de organização dos membros da família, especialmente dos pais, para atender as necessidades dos filhos. O advento do divórcio, também, corrobora para a necessidade de novos arranjos entre os pais, para que não deixem de atender seus filhos. Todas essas mudanças acarretam novas formas de arranjos familiares. Assim, hoje têm-se famílias com pai, mãe e filhos; com pai e filhos; mãe e filhos, padrasto, mãe e filhos; madrasta, pai e filhos, dentre outras. Esses arranjos geraram formas de parentesco que antes não existiam. No entanto, apesar de todas as mudanças sofridas pela família, ela não perdeu a sua importância no desenvolvimento da personalidade de suas crianças e no apoio afetivo/emocional de seus membros. É necessário enfatizar que a família continua sendo o chão no qual as crianças se apóiam e o porto seguro de todos os seus membros, independentemente da forma como ela se constitui.
Desse modo, relevante é o respeito, a responsabilidade e o afeto positivo com o qual seus membros se relacionam e não a forma como a família é constituída.
Nos dias atuais, a sociedade exige muito dos homens e mulheres no mercado de trabalho. Os avanços científicos e tecnológicos e a rapidez com que a informação transita de um lado para outro do mundo exige um ritmo frenético das pessoas para acompanhar esta movimentação.
O mercado exige cada vez maior especialização dos profissionais e o tempo para a família, para o convívio entre aqueles que moram na mesma casa e – para a família extensa, que são os avós, tios, primos – fica cada vez menor. Os pais, nesse contexto, passam a terceirizar a educação dos filhos. Esta passa a ser responsabilidade de empregados ou escolinhas para bebês. Passam, também, a terceirizar o cuidado com os membros idosos da família. Este passa a ser cuidado apenas por enfermeiros ou até mesmo em instituições asilares. O início da vida – a infância -; e sua última etapa – a terceira idade; passam a ser praticamente alijadas da família. Os adultos “produtivos” não têm mais tempo para cuidar de suas crianças e nem para dar atenção a seus idosos.
Em um mundo capitalista, no qual tempo é dinheiro, a infância e a velhice, estão sendo relegadas a último plano nas agendas familiares. A família perde a oportunidade de assumir sua responsabilidade na construção da personalidade de suas crianças e de usufruir a sabedoria de seus idosos. Como ela é o chão no qual seus membros se apóiam, uma família que responde às exigências do mercado de trabalho sem considerar as necessidades afetivas de seus membros, pode deixá-los desamparados. O sentimento de desamparo ou de abandono pode ser encontrado em crianças e idosos que fazem parte de famílias que não privilegiam o atendimento das necessidades emocionais de seus membros.
No mundo contemporâneo, em que o mercado de trabalho exige tanto das pessoas, para manter-se nele e atender as necessidades da família, seus membros precisam fazer novos acordos. Cada família deve encontrar as formas de organização de horários, tarefas e atividades que atendam às necessidades afetivas e de trabalho de seus membros. Não são os caprichos que devem ser privilegiados, são as necessidades, inclusive e principalmente, as emocionais. Nesse âmbito, é preciso que cada um dos membros, especialmente os adultos façam algumas concessões. É importante não perder de vista que na agenda de todos os membros precisa haver um horário para a família e de que as crianças precisam de uma atenção especial.
A família é um grupo do qual os pais ou os responsáveis por ela são os líderes. A liderança democrática, comprovadamente, é mais eficiente no processo de facilitação do crescimento humano e traz mais satisfação para os membros do grupo do que a autocrática e a permissiva. Algumas atitudes humanistas podem auxiliar a construção de relações mais satisfatórias na família e criar uma atmosfera acolhedora para seus membros.
A primeira delas é a aceitação incondicional e a consideração positiva por cada um dos membros da família. Os membros de uma família são diferentes. Essa é uma de suas maiores riquezas; a diversidade de gostos, hábitos, sentimentos, formas de percepção de um mesmo evento. Desse modo, é preciso compreender que uma mesma situação vivida por todos os membros de uma família pode ser sentida de formas diferentes por cada um deles. Aceitar incondicionalmente não significa concordar. Significa que embora se pense de forma diferente, aceita-se o outro como ele é. Nesse contexto, cada pessoa se sente amada da forma como é, todos são merecedores de amor e consideração positiva; o amor é incondicional. Não se ama um filho porque ele tirou boas notas na escola. Ele precisa saber que é amado independentemente das notas que tirar. Essas atitudes dos pais tendem a dar autoconfiança aos membros de uma família. Eles passam a perceber que são dignos de consideração e esforçam-se para irem em direção a seu crescimento. O amor incondicional mostra aos filhos e aos demais membros de uma família que mesmo que lês tenham errado, são amados, e tão amados que os pais ou responsáveis pela família estão ao lado deles para ajudá-los a encontrar caminhos mais saudáveis e satisfatórios. As crianças e os adolescentes que sentem amados na família, não precisam procurar este amor fora de casa, nas ruas.
Outra atitude importante é a transparência. Os pais, responsáveis pela família devem ser claros e transparentes para com os membros que a constituem. A autenticidade gera confiança. Assim, é preciso ter coerência entre aquilo que se pensa, que se sente, que se faz e que se diz. Se os pais dizem uma coisa e fazem outra, as crianças não terão uma referência segura para suas ações.
A autenticidade implica, então, assumir seus próprios sentimentos, angústias e erros. Ela abrange, também, uma atenção especial à fala dos membros. Escutar verdadeiramente é compreender o que foi dito sem distorcer o que as pessoas dizem, mesmo que não seja aquilo que se esperava ouvir. As crianças e as pessoas, em geral, ficam decepcionadas quando sentem que não foram compreendidas. Os pais devem dizer a seus filhos que compreenderam o que eles disseram e que entendem como eles se sentem, mesmo que tenham que explicitar, em seguida, que não podem atendê-los naquele momento por este ou aquele motivo.
Muitas são as mudanças pelas quais a família tem passado. No entanto, ela tem um papel fundamental na formação da personalidade de seus membros.
Independentemente da forma de sua organização, é necessário que as relações entre seus membros sejam de respeito, de responsabilidade, e de consideração positiva. É importante que a atmosfera que se crie nesse grupo, família, facilite o processo de crescimento humano de cada um de seus membros, em busca de suas respectivas realizações pessoais, e atenda as necessidades e demandas que surgem em cada uma das etapas da vida, inclusive, da velhice.
Este artigo foi publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional João Monlevade – MG, nº 25, novembro de 2010, p. 25-27.
Stefânie Arca Garrido Loureiro é formada em Letras pela Universidade Federal de Minas Gerais, em Psicologia, também, pela UFMG e é Mestre em Psicologia Social pela mesma Instituição. É autora dos livros: Identidade étnica em re-construção. Editora O Lutador: Belo Horizonte, 2004. Alfabetização – uma perspectiva humanista e progressista. Editora Autêntica: Belo Horizonte, 2005. Educação Humanista e diversidade – um diálogo possível entre Paulo Freire e Martin Heidegger. Editora Nandyala: Belo Horizonte, 2009.
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