O ser humano é o único animal que nasce para aprender, pois todos os demais nascem sabendo, isto é, trazem consigo todo o conhecimento da sua espécie (comumente chamado de instinto). O ser humano nasce para aprender, é espécie cultural e como tal, predisposta a “cultivar” o conhecimento, logo, tornar-se pessoa, tornar-se humano. “Eu sou o que fizeram de mim” e agora preciso saber o que faço com o que fizeram de mim, mas sempre terei comigo os princípios em mim arraigados.
A diferença fundamental com os demais animais é justamente porque é através da convivência que o ser humano adquire o seu modo peculiar de ser. Cada humano é único, pessoa, indivíduo, sem perder a característica fundamental que o difere das demais espécies animais, a racionalidade, que por sua vez alicerça-se em quatro dimensões, a saber: a dimensão física, a dimensão cultural, a dimensão social e a dimensão espiritual.
O humano, enquanto ser físico, identifica-se com a espécie humana e precisa de condições apropriadas para seu desenvolvimento atingindo a maturidade em torno dos vinte anos de idade. Já enquanto ser cultural, aprende durante toda a vida e identifica-se com os grupos com os quais convive, aprende com eles e partilha com os mesmos, as suas experiências. Pode avançar culturalmente além dos membros de seu grupo, podendo tornar-se referência e até mesmo destaque no grupo de origem, porém manterá traços culturais de raiz de seu grupo de origem. Na dimensão social, participa de grupos por afinidades e localização, participando das atividades inerentes aos grupos sociais de convivência. E na dimensão espiritual atinge a peculiaridade da espécie, pois os humanos sobressaem-se dentre as espécies animais por duas razões: primeira porque os humanos tornam-se capazes de abstrair conhecimentos que não pertencem à dimensão física, comum a todas as espécies animais e, justamente por isso, criam formas sobrenaturais de relacionamento, tornando-se assim, espirituais e religiosos. Assim, a racionalidade que é a característica fundamental da espécie humana, coloca-nos no patamar superior de possibilidades de desenvolvimento, justamente por termos a capacidade de projetar e pensar o futuro.
A dimensão espiritual torna-se importante para o equilíbrio e desenvolvimento das demais, pois sendo a dimensão superior, que caracteriza o ser humano como racional, usa a razão para agir e buscar transcender suas próprias limitações (físicas, culturais e sociais), para projetar-se no futuro, inclusive tender à imortalidade.
A espiritualidade, entendida sob o prisma da religião, “garante” a segurança e tranquilidade de espírito quanto ao problema da morte e de explicações que comumente não entendemos no âmbito natural humano e então, com ajuda da racionalidade, buscamos suprir a insuficiência de respostas que nos deixam numa encruzilhada, a perspectiva da sobrevivência além-morte.
Na ânsia pela vida, buscamos segurança na sobrevivência após morte, cujo entendimento sobre ela é tênue, pois a essência da vida é um sopro = spiritus = espírito. A pessoa não é detentora da vida por si mesma porque a vida não é de sua criação, foi dada (transmitida por outra(s) que já a possuíam – os pais) o ser humano não cria, mas reproduz, retransmite a outro ser humano (ninguém dá o que não tem), porém é incapaz de reter a vida perante morte. O humano sente necessidade de garantir-se, preservar-se, manter-se, inclusive no futuro (esperança), Gerúndio do verbo esperar = esperando (gerúndio contínuo = esperança) = angústia, não certeza plena. Logo a racionalidade e a espiritualidade se complementam e tornam-se o diferencial humano em relação aos demais animais.
Religiosidade é diferente de espiritualidade. Religiosidade é manifestação da espiritualidade enquanto possibilidade de permanecer vivo mesmo após a morte, e espiritualidade é a vivência segundo o espírito. Espiritualidade que vem de Spiritus = sopro, energia vital (que gera vida) essência, dom, presente dado de graça, daí o que mantém vivo o ser humano é o espírito. É ele que dá sentido e significado ao viver, é por causa dele que as pessoas podem entender-se, compreender-se, identificar a espécie e distinguir-se de todos os outros seres e, inclusive, classificá-los e nominá-los. Neste sentido, espírito é vida que flui e permanece. Então vida e espiritualidade têm relações estreitas e quase indivisíveis, uma existe em função da outra, nos humanos são inseparáveis.
A vida manifesta-se pelas ações espirituais, abstraídas através da racionalidade quando das diferentes maneiras de se manifestarem que podem-se identificar como:
a) Manifestação humana própria da racionalidade, identifica-se com os outros semelhantes, ao mesmo tempo que diferenciar-se deles, cada indivíduo da espécie.
b) Religiosidade é apego a algo ou alguém que pode suprir as angústia diante da finitude fatal a que somos submetidos por natureza, a morte. Isso é inerente ao ser humano, buscar o paraíso, livrar-se do sofrimento e da morte, permanecer diante da finitude.
A espiritualidade inerente ao ser humano, todos conscientes ou não, pelo fato de ser racional, comungam os traços inerentes à espécie a religiosidade, isso decorre da espiritualidade e liga-se a um ente “superior” também racional ou racionalidade pura, e com ele(a) comunica-se por ritos que obedecem à doutrina correspondente. Podemos dizer que somos religiosos porque somos espirituais e não ao contrário.
Diante da morte, o homem fica só (volta-se para o mistério = incapacidade de impedir-se de morrer) eis por que precisamos de espiritualidade e de religiosidade: porque somos limitados no tempo e no espaço; porque somos dependentes uns dos outros; porque não somos donos da vida; porque sentimos atração pelo infinito; porque não queremos morrer; porque o homem é histórico = produto da cultura; porque somos racionais.
Quem não pratica espiritualidade não se encontra e nem se realiza, porque não exerce a racionalidade. Eis o porquê da importância da família na constituição dos valores, especialmente os espirituais, que aqui se enquadram tanto no aspecto religioso: ter uma religião, acreditar e ter esperança, como no aspecto racional: ser autêntico, responsável, verdadeiro, justo, solidário etc.
A família em sua essência natural é quem zela pela transmissão da vida tornando-se assim, a essência de ser da humanidade = continuar a espécie, humanizar-se cada vez mais, sem perder a individualidade (cada um é único) e manter o senso da espécie (racionalidade). Podemos, então, dizer que viver é uma espiritualidade no sentido estrito de “spiritus” = sopro vital = distintivo da espécie humana, vida com qualidade. Eis o motivo por que precisamos viver, traduzindo em nossa vida a espiritualidade que recebemos na família, resultante da solidariedade que é o primeiro valor manifestado a cada um de nós. Só existimos porque pai e mãe em ato solidário permitiram a união de um óvulo e um espermatozoide. Foi também pela solidariedade que nascemos, crescemos e tornamo-nos pessoas.
A espiritualidade que aprendemos em nosso lar, através, de olhares, afetos, carinhos e gestos serão sempre a força primeira que transcende as ações, pois ela forma o elã que permeia a vibração humana.
A espécie humana, pela própria lei natural, expressa a espiritualidade que está em cada um de nós, então é possível entender o apego natural à vida, por que esse apego é próprio da espécie, e se não aprendermos isso no seio da família, jamais poderemos nos realizar como seres humanos felizes.
Publicado na Revista de set. 2010 da Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Joaçaba/Herval d’Oeste, Videira e Campos Novos.
Maria de Fátima e Idovino Baldissera
Membros da Escola de Pais – Seccional de Videira SC
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