Conviver com oito avós, irmãos, meio-irmãos, a mulher do pai, filhos do marido da mãe são desafios comuns a crianças, jovens e adultos de nosso tempo. As configurações familiares estão mudando ou, pelo menos, multiplicando-se em famílias separadas, recasadas, monoparentais, socioafetivas e homoafetivas. Os formatos trazem desafios para áreas como a Psicologia, a Assistência Social, a Saúde, o Direito e a Educação. Neste contexto, como o tema pode ser tratado em consultórios psicológicos? Qual o conceito de família presente nas diversas políticas públicas, como o Sistema Único de Assistência Social ou o Programa de Saúde da Família?
Elizabeth Zambrano, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, afirma que a parentalidade homossexual, travesti e transexual coloca para a psicanálise a necessidade de inserir todas as possibilidades dentro do seu corpo teórico, relativizando a ideia de serem dependentes da diferença dos sexos a subjetivação e a construção do simbólico. O Direito também é desafiado a acompanhar as novas configurações familiares, possibilitando novas formas legais de conjugalidade e de filiação, de forma a não deixá-las à margem da proteção do Estado. Para a antropologia, o tema recai sobre um dos campos de estudo mais tradicionais da disciplina, o da família e do parentesco.
Zambrano avalia que o Direito avançou bastante no tema, pois há jurisprudência, com decisões que permitem adoção por casais homossexuais. Entretanto, a Psicologia ainda debate se, nesses casos, as crianças serão prejudicadas ou não. “Não tem diferença, não há problema maior de desenvolvimento, doença mental, de socialização, as taxas são semelhantes”, considera, em entrevista ao Jornal do Federal. Para ela, as pesquisas devem refletir sobre as especificidades dessas famílias. “Com certeza há especificidades, da mesma maneira que famílias recompostas, novas relações entre meios-irmãos. Precisamos nos perguntar como vão lidar com o preconceito, como fica a relação com o mesmo sexo, se sentem falta do outro sexo”. Ela aponta que o debate é recente no Brasil, mas que em outros países há pesquisas desde o início dos anos 1970.
A importância de o psicoterapeuta repensar seus modelos teóricos, suas técnicas e seu posicionamento ético face às novas configurações familiares também é enfatizada pela psicóloga Terezinha Féres-Carneiro, igualmente para casais recasados, homossexuais ou famílias monoparentais. “É importante ressaltar que esses núcleos familiares são tão capazes de promover saúde quanto as famílias de primeiro casamento. A competência das famílias não depende do fato de serem casadas, separadas ou recasadas, mas da qualidade das relações estabelecidas entre seus membros”, afirma a psicóloga carioca, para quem a família recasada tem características próprias e não deve ser tomada como família nuclear recriada. “Os limites dos subsistemas familiares são mais permeáveis, a autoridade paterna e materna é dividida com outros membros da família, assim como os encargos financeiros. Há uma complexidade maior na constituição familiar”, avalia a psicóloga no artigo Recasamento: a reconstrução da conjugalidade.
Diante das novas configurações familiares, ela aponta a possibilidade de compreender a família como um processo de passagem entre gerações. A família afasta-se do critério biológico e enfatiza a dimensão socioafetiva, independentemente de sua configuração. “A diversificação da estrutura familiar pode ser assimilada à medida que o processo de transmissão de valores e de crenças familiares se mantém por meio das solidariedades intergeracionais”.
Disponível em: http://site.cfp.org.br/publicacao/jornal-do-federal-ano-xxii-no-99-dezembro-de-2010/
Publicado pelo Conselho Federal de Psicologia, no Jornal do Federal nr. 99, dezembro de 2010, p. 5.
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