Desilusões acontecem. Não são motivo para se desistir de amar

É claro que devemos respeitar nossos sentimentos e ter cuidado com a qualidade das experiências que temos na vida. Como diz a expressão popular, não fomos “achados no lixo” e queremos ser bem tratados e bem-amados. Mas, na contabilidade do amor, não existem certezas nem garantias. Os seres humanos são quase sempre complexos e inesperados, cada um com seus desejos e singularidades. Estamos sempre ao capricho de surpresas, intempéries, ainda mais quando se trata de personalidades díspares: numa relação, às vezes, 1 mais 1 é igual a zero! Ou seja, quem se permite apaixonar-se pode, sim, vir a sentir o gosto amargo da decepção e do sofrimento.

Embora o criador da Psicanálise, o austríaco Sigmund Freud (1856-1939), tenha reconhecido que o sofrimento de amor é dos mais dilacerantes, cabe lembrar que o filósofo alemão Friedrich Nietzsche (1844-1900) dizia – numa tradução livre – que o que não mata fortalece. Fortes são aqueles que encaram as dores advindas do amor e não recuam diante de seus riscos; caso se decepcionem, dão a volta por cima e seguem em frente, sem deixar de aprender com a experiência, extraindo dela elementos para a educação sentimental. Mas há os que se dão tanta importância, e são tão orgulhosos, que não admitem a possibilidade de sofrer de novo por causa de um amor.

Gente assim, aparentemente forte e decidida, capaz de dispensar a necessidade de convivência íntima, é na verdade frágil e cheia de orgulho vazio. Sua indiferença afetiva, mesclada a um sentimento de triunfo sobre a banalidade do amor, na verdade esconde enorme vulnerabilidade diante da dor. Pode-se dizer que se sente grande demais para ficar exposta outra vez aos desencantos amorosos.

Quanta presunção para só uma chance de existência que temos no mundo! Mas, também, aqui pra nós, o mundo em que vivemos hoje não favorece mesmo o cultivo do amor. Para amar, é preciso confiança e consistência. O espírito da atualidade, ao contrário, vem dando um álibi para os que se defendem do amor, vem criando um tipo de gente que se contenta com o gozo fácil, subtraído de integridade e do vínculo afetivo, estável e leal. Mas isso não vale para todos, ainda bem. Há, acredite, quem não tenha sido tatuado por este novo tempo que veio na esteira de uma economia neoliberal, sem regulações, que até já entrou em colapso! O mundo talvez mude daqui para a frente. E, mesmo que isso não ocorra, sempre haverá pessoas singulares, avessas à massificação, que querem correr os riscos do amor.

Aos demais devemos lembrar que arrogância não é bom remédio para a decepção. Melhor negócio é trocá-la pela paciência, pela compreensão das causas dos desencontros e investir no resgate da esperança. Claro, antes é preciso um tempo para curar feridas, minorar o cansaço das desilusões. Talvez seja necessária a mão de um psicanalista para escavar as raízes das más escolhas, admitir a cota da própria inadequação, conformar-se com o simples acaso da finitude ou dificuldade das relações. Talvez seja bom parar e pensar, como diz a música, que toda forma de amor pode valer a pena: o amor erótico e os outros; o amor ao cinema – como o cineasta espanhol Pedro Almodóvar (59) acaba de declarar, no pré-lançamento de seu filme Abrazos Rotos; o amor aos parentes e aos amigos; o amor à própria vida – afinal, desistir do amor é desistir um pouco dela. Desilusões acontecem. Não são motivo para se desistir de amar Quando a gente se apaixona, não tem nenhuma garantia de que não vai sofrer uma decepção. Se isso ocorre, a maioria de nós cura as feridas, se levanta e vai em frente, aceitando os novos amores que porventura apareçam. Isso é ser forte. Desistir de amar para evitar as dores do amor é uma atitude de gente fraca e orgulhosa. Quem abre mão de amar abre mão da vida.

 Publicado na Revista nº 1 – 2009 – Escola de Pais – Seccional de Biguaçu 

 Paulo Sternick é psicanalista no Rio de Janeiro

Publicado na Revista Caras de 03/04/09

Seja o primeiro a comentar

Faça um comentário

Seu e-mail não será publicado.


*