A ORIGEM DO PAI NA HISTÓRIA
Parece estranho falar de origem do pai. Não é, pois há 15 milênios vivíamos em bandos de caçadores e catadores nômades espalhados pelo mundo. Nossa vida sexual era promíscua – todos se relacionavam entre si – e os filhos eram do grupo, ligados fisicamente à mãe. Onde não havia um genitor biológico identificado, não tinha como haver, também, os conceitos de paternidade social ou psicológica.
Diz o antigo ditado romano: A mãe é certíssima o pai é incerto. A origem do pai na história coincide com a Revolução Agrícola (12.000 a 3.500 a. C) e a fixação dos grupos humanos por mais tempo no mesmo local. Datam daí os primeiros arranjos familiares (compostos por um patriarca, suas esposas, seus servos, escravos e descendentes), com dezenas ou centenas de pessoas.
PATRIARCADO
As primeiras divindades femininas, ligadas à terra e à fecundação, foram cedendo lugar a divindades masculinas. Entre o 7º e o 4º Milênio a.C, o Patriarcado passou a dominar o imaginário religioso e cultural, tal como se vê em relatos das mais variadas culturas, e estendeu seu domínio desde então. Na história hebraica, os patriarcas tinham ligação afetiva com os filhos e a eles transmitiam a bênção paterna, como um rito de passagem. O pater potestas romano – poder absoluto do pai sobre pessoas e bens (mulheres e escravos, inclusive) sob sua tutela – ilustra bem a extensão e a profundidade da autoridade do patriarca.
Nos últimos séculos começaram a surgir sinais do declínio do patriarcado. A queda da monarquia, com a Revolução Francesa (final do séc. XVIII) aponta o enfraquecimento do símbolo maior do poder patriarcal. Horizontalizou-se o poder e abriu-se espaço para a democracia. De lá para cá este declínio foi acelerado através do enfraquecimento das instituições e do esvaziamento do símbolo do pai.
A mulher adquiriu espaço social, cultural, político e econômico que não teve em mais de 4 mil anos. Houve perdas visíveis nas prerrogativas e posição do pai na sociedade e na família. Nos códigos legais o pai deixou de ser o cabeça do casal e da família para ser um parceiro conjugal.
Os modelos de autoridade verticalizados foram horizontalizados.
FUNÇÃO PATERNA
Antes, o poder da imagem paterna estava garantido, mesmo na ausência do pai pessoal. Se símbolo, o nome do pai, estava presente. Agora, mesmo quando o pai está presente, seu poder precisa ser constantemente afirmado.
Os modelos de paternidade, como os modelos de família, são diversos, dependem da cultura, variam em lugares e tempos. Para a psicologia, importa a função paterna, independente do pai particular que a exerça.
Cabe ao pai promover a saída dos filhos do mundo da fantasia, do princípio do prazer e da imaginária onipotência infantil; introduzir o princípio da realidade (do dever e da obediência à lei); encorajar e promover autonomia emocional e social, e formar sujeitos autônomos; enquanto a função materna é acolher e nutrir, a função paterna é encorajar e mandar para o mundo. O pai é o mediador das relações do filho com o mundo, com os outros e consigo mesmo. Determina as bases, os limites, as regras, e os objetivos dessas relações… (JUNG).
COMPLEXOS PATERNOS
Por trás da atuação passageira de cada pai ou mãe está a figura eterna e mágica de uma mãe e de um pai absolutos. São arquétipos coletivos, potências que dominam a alma infantil, projetados sobre os pais humanos, dando-lhes fascínio e grandeza infinitos. O poder desta imagem sobre os filhos tem efeito positivo ou negativo. Tudo depende de como os filhos se sentem aceitos, amados e aprovados por seus pais…
O complexo paterno positivo resulta em autoestima saudável; gera segurança no desempenho dos papéis sociais, facilita a dedicação ao trabalho e à busca de papéis que peçam autoridade.
O complexo paterno negativo traz a sensação de insegurança, autoestima rebaixada, sentimentos de culpa ou vergonha, rigor excessivo consigo, necessidade de reconhecimento e propensão à depressão. No livro Carta ao Pai, o escritor Franz Kafka fez o desabafo de um filho esmagado pelo complexo paterno negativo:
“Querido pai: você me perguntou por que afirmo ter medo de você… Não soube responder, em parte por causa do medo que tenho de você… Tento responder por escrito, mas ao escrever o medo e suas consequências me inibem diante de você… Somos tão diferentes e tão perigosos um para o outro, que poderia supor que você me esmagaria sob os pés e não sobraria nada de mim… Minha atividade de escritor deu-me certa autonomia, embora lembrasse um pouco aquela minhoca que, esmagada por um pé na parte de trás, se liberta com a parte dianteira e se arrasta para o lado.”
DESAFIOS DO PAI NA ATUALIDADE
A imagem do pai na atualidade carrega consigo um paradoxo. Espera-se que ele seja forte para o mundo externo, mostrando-se capaz de garantir a sobrevivência e, ao mesmo tempo, que se mostre terno e acolhedor para o mundo interno, na família.
Lembrando que séculos de história estão ruindo diante dos nossos olhos e que o mundo não para de mudar, de nada adianta reclamar. A história não anda para trás.
Somos chamados a aprender sempre, não sacralizar modelos, largar mão do saudosismo e acolher as mudanças que se fizerem necessárias diante das novas configurações culturais. Somos chamados a aprender a conviver com a nova mulher que está ao nosso lado. Muito provavelmente teremos que fazer, em casa e diante dos filhos, bem mais do que nossos pais.
Somos chamados a criar vínculos afetivos, dar apoio aos filhos, cuidar e nos dar em companhia para, inclusive, passar a aprender com eles o que nunca imaginávamos.
Mais do que ensinar conteúdos, o papel mais importante dos pais ainda é oferecer modelos de enfrentamento das dificuldades e valores como verdade, respeito e justiça. E além disso demonstrar atitudes como humildade, paciência e perseverança.
A imagem paterna nunca se vai definitivamente. Permanece internalizada na mente e na alma consciente e inconsciente dos filhos. Na linguagem poética, Quintana nos ajudou a entender isso:
“Quem disse que eu me mudei?
Não importa que a tenham demolido:
A gente continua morando na velha casa em que nasceu.”
Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Salvador | Revista nº 41 – 2020/2021, p. 31-32.
Autor: Amauri Munguba
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