Afeta 10 a 15 por cento das mulheres e pode ter consequências para o bebé. A depressão pós-parto é mais do que uma tristeza momentânea.
É normal sentirem-se “alterações mais ou menos ligeiras do humor, no sentido da tristeza, da ansiedade ou ainda da irritabilidade, dois a cinco dias depois do parto”, explica o psiquiatra Ricardo Gusmão. A isto dá-se o nome de “baby-blues” e acontece com “mais de 80 por cento das mulheres”, sendo uma “resposta fisiológica universal à brusca mudança do ambiente interno hormonal”.
Mas uma depressão pós-natal (DPN) é mais do que uma tristeza momentânea. “É o resultado de uma falência do cérebro na capacidade de adaptação à mudança e de resposta aos estímulos. Compromete, por vezes, as competências maternas básicas pragmáticas (lavar, vestir, alimentar) mas sempre as competências maternas afetivas, relacionais e de vinculação”, continua o professor de psiquiatria e saúde mental na Faculdade de Ciências Médicas, da Universidade de Lisboa, lembrando que a doença pode surgir durante todo o primeiro ano de vida do bebé.
Muitas vezes, apesar de a mãe estar de rastos por dentro, o filho parece estar impecavelmente tratado, embora os efeitos negativos sejam inevitáveis. “Um dos sintomas de apresentação de DPN são vómitos incoercíveis [que não podem ser retidos] do bebé”, revela Ricardo Gusmão.
Mónica Fernandes, psicóloga na Maternidade Júlio Dinis, no Porto, lembra que “alguém pode substituir a mãe nos cuidados ao bebé, mas na parte afetiva a mãe é insubstituível. E uma mãe deprimida não está disponível do ponto de vista interior”.
Pedir ajuda
Mesmo quando parecem estar reunidas todas as condições para um pós-parto perfeito, não é raro surgir uma depressão. “A gravidez e o parto podem ter sido boas experiências. O bebé pode ser desejado e saudável, mas o primeiro mês é brutal para qualquer mãe. É, talvez, o assumir da maior responsabilidade que alguma vez vai ter na vida. A isto, juntam-se alterações hormonais e a recuperação física de um parto”, justifica Mónica Fernandes.
“Muita coisa muda com a maternidade e, no meio de muita eventual felicidade, espreitam sempre ameaças à identidade física e psicológica das mães”, sublinha, por sua vez, o psiquiatra Ricardo Gusmão.
Por isso, estar supostamente tudo a correr bem não é motivo para se sentir culpa ou vergonha de alguns sentimentos menos cor-de-rosa. “É importante estas mulheres sentirem-se autorizadas a pedir ajuda. Ainda existe uma culpabilização do ponto de vista sociocultural. E são habituais comentários como ‘se tens um bebé saudável não podes estar triste’”, diz Mónica Fernandes, que trabalha na área há 12 anos. “Mas, felizmente, noto que hoje em dia as mulheres têm mais facilidade em pedir ajuda. Podem falar abertamente com o obstetra, o enfermeiro, o médico de família ou o pediatra.”
Contrariar a solidão
A enfermeira Cristina Flores, do Centro de Saúde da Ajuda organiza encontros de pais duas vezes por mês. Pelos encontros, já passaram mulheres em depressão pós-parto. “Uma mulher que acabou de ter um filho não pode sentir-se desamparada. Não pode nunca sentir-se sozinha”, defende. É por isso que, assim que recebe uma mensagem no telemóvel anunciando um novo nascimento, responde com os respectivos parabéns e com a frase: “Estou disponível 24 horas por dia”. Nas aulas de preparação pré e pós-parto, que são realizadas em simultâneo para promover a partilha de experiências, Cristina Flores desenvolve uma autêntica rede de mães. “Costumo dizer que criam ligações de barriga. Muitas ficam amigas para a vida. Amizades que dão autoconfiança e reforçam a autoestima.”
Sobre a depressão pós-natal (DPN)
– A depressão é uma doença do cérebro, caracterizada por um conjunto de sinais e sintomas, com uma determinada intensidade, duração e impacto. Humor depressivo, falta de prazer, falta de energia ou agitação, pessimismo, ideias de morte, dificuldades de concentração, alterações de peso e apetite, alterações do sono e da função sexual e dores de todo o tipo podem ser alguns dos sintomas.
– As taxas de prevalência da DPN são semelhantes em todas as culturas: 10 a 20 por cento. Em Portugal é de 13 a 16 por cento (13 a 16 mães em cada 100 com bebês com menos de um ano).
– Mais de metade das mulheres ultrapassa a depressão pós-natal durante o primeiro ano de vida do bebê, embora fiquem vulnerabilizadas para a ocorrência de mais episódios depressivos no futuro.
– Existem antidepressivos compatíveis com a amamentação e também com a gravidez. Só devem ser tomados por indicação e com o seguimento de um médico.
– O risco de sofrer depressão clínica no primeiro ano pós-natal é maior que o dobro em relação a mulheres não mães em igual período.
Dois anos em tratamento
Isabel não tem dúvidas sobre o que a levou a ter uma depressão após o nascimento do primeiro filho: uma gravidez vivida sob o espectro da pré-eclampsia, um parto sofrido e demorado que terminou em cesariana, o desacompanhamento por parte dos profissionais de saúde nos dias seguintes, os dois quilos do filho, que a fizeram ouvir imensas sentenças colocando em dúvida a saúde do bebê. “Vivia cheia de medo que lhe acontecesse alguma coisa. Achava que não era boa mãe. Sentia que não tinha o amor incondicional que devia ter por ele. Não conseguia dar a volta aos comentários”, conta Isabel, relembrando a angústia que viveu nos primeiros meses de mãe. O Manel nasceu em março, em maio Isabel assumiu que estava deprimida e procurou ajuda junto da obstetra. “A médica desvalorizou o assunto. Disse que não era nada.” Sem um diagnóstico, Isabel continuou a vida como pôde. Até que em Novembro, umas dores de cabeça muito fortes levaram-na a consultar vários médicos. “Depois de muitos exames, foi-me diagnosticada uma depressão pós-natal. Senti-me aliviada, porque, finalmente, estava a perceber o que se passava comigo e podia curar-me.” O tratamento, com fármacos e psicoterapia, durou dois anos. No final, já tinha vontade de ser mãe outra vez.
Acesso em 24/07/2014
http://www.paisefilhos.pt/index.php/gravidez/pos-parto/6946-depressao-pos-parto
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