O universo da infância é um baú de tesouros que podem ser aplicados aos processos inovadores. Poucas pessoas sabem que várias práticas, conceitos, abordagens e ferramentas usadas no contexto da Inovação têm suas raízes na Psicologia da infância e da adolescência. Esta falta de conhecimento é compreensível, pois a tradição de desconectar as diferentes áreas de conhecimento nos impede de fazer ligações que gerem novos conceitos e aplicações originais em diferentes contextos.
A criança saudável é uma fábrica de inovação. A fase dos “porquês”, a habilidade de dar um novo significado para diferentes objetos, a liberdade de pensamento, a curiosidade intensa, a flexibilidade para fazer conexões, a diminuição da inibição e a tendência a se arriscar tornam a infância um celeiro de criatividade e invenções.
Quando não há interrupções significativas no desenvolvimento psicológico de uma pessoa, o brincar atinge uma dimensão chamada de brincar adulto compartilhado. Esse tipo de brincar se refere à possibilidade de colaborar com um grupo, ter um projeto em comum e, em última instância, criar algo em prol da sociedade como um todo – ingredientes que são bases para a inovação. No livro Psicologia da Inovação: o que está por trás da capacidade de inovar (Ed. FIAP) eu aprofundo o tema do brincar adulto e a sua relação com a inovação.
Eu venho costurando a conexão entre a infância e a inovação no universo adulto desde o início da minha carreira como psicóloga clínica de crianças e adolescentes na década de 1990. É muito interessante constatar como esta ligação faz sentido para profissionais de áreas tão diferentes. Vejo isso claramente através das aulas de Psicologia da Inovação que ministro na FIAP (SP) e nas consultorias de Inovação em Psicologia e Educação para organizações e escolas.
Por exemplo, ao observar o que as crianças vivenciam em um parquinho podemos identificar vários pontos de interseção entre a infância e a Inovação. Destacarei aqui três deles:
- Brincar: através do brincar tanto as crianças quanto os adultos botam em prática competências socioemocionais e habilidades para inovação. Experimentação, risco, construção, criação de soluções para problemas, curiosidade, investigação e vivência de intensas emoções são alguns dos inúmeros exemplos do que acontece na infância e na jornada para inovar.
- Processo e Ferramentas: a infância e o brincar são marcados por processos que duram um determinado tempo e enquanto eles acontecem várias fases se desenrolam. Neste contexto, o desenvolvimento da criança evolui, dentre outras coisas, a partir do uso de objetos, brinquedos, jogos de tabuleiro, videogame e equipamentos nos parquinhos. Além disso, o processo lúdico envolve ao mesmo tempo organização, caos, falta de linearidade e uso de ferramentas – elementos inerentes à jornada da inovação.
- Ambiente: para que a infância aconteça de forma saudável é fundamental que os adultos proporcionem múltiplos espaços físicos que sejam flexíveis para a vivenciar todas as possibilidades inerentes à esta fase da vida. Além disso, estes ambientes precisam atuar como uma base segura (Bowlby, 1989) e um ambiente facilitador (Winnicott, 1965) que traga segurança emocional e amparo psicológico para a criança se desenvolver com liberdade e espontaneidade. Assim como as crianças, os adultos também necessitam destes tipos de ambientes para inovar.
Conceitos hoje valorizados nas organizações como aprendizagem criativa, ambientes lúdicos, segurança psicológica, competências socioemocionais e vulnerabilidade fazem parte do universo infantil e são amplamente abordados há mais de cem anos em diversas linhas da psicologia e pedagogia da infância.
Portanto, o resgate dos pontos de interseção entre o que acontece nos primeiros anos de vida de uma criança e os processos inovadores abre novas dimensões para ajudar as organizações de diversos setores a inovar de forma mais eficiente. Uma das possibilidades é o trabalho de gestão psicológica para inovaçãocomequipes e lideranças dentro das empresas e instituições de ensino.
A união da prática clínica infantil com a jornada para inovar nas organizações é uma ferramenta poderosa para potencializar a capacidade psicológica para inovação.
Entender as características da infância e ser capaz de implementá-las no mundo adulto da inovação se faz cada vez mais necessário. Não somente para enriquecer o repertório do campo da inovação como também para cuidar das pessoas que inovam. ❤️
Referências:
BOWLBY, J. Uma base segura: aplicações clínicas da teoria do apego. Porto Alegre: Artes Médicas, 1989.
WINNICOTT, D. W. The Maturational Processes and the Facilitating Environment. London: Karnac Books, 1965/1990.
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Autora: FERNANDA FURIA. Fundadora do Playground da Inovação– consultoria de Inovação em Psicologia e Educação. Autora do livro “Psicologia da Inovação: o que está por trás da capacidade de inovar” (Ed. FIAP). Criadora do programa de “Gestão Psicológica para Inovação” voltado para organizações. Professora de Psicologia da Inovação na FIAP (SP). Psicóloga, mestre em Psicologia de Crianças e Adolescentes pela University College London (UCL) na Inglaterra. Professora de Pós-Graduação do Instituto Singularidades em São Paulo. Membro da The British Psychological Society na Inglaterra.Denunciar
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