A interferência da tecnologia da comunicação nas relações interfamiliares
Não deixa de ser uma ousadia, nos tempos modernos, parafrasear o pensamento de René Descartes (1596 – 1650) “cogito, ergo sum” – “ penso, logo existo” numa relação aos novos tempos tecnológicos. Mas não consigo ver outra forma de iniciar esta reflexão sobre os espaços de interferência das novas tecnologias no universo das relações interfamiliares: compartilho, logo existo.
Se Descartes, no século XVII após duvidar de sua própria existência, constatou que em podendo pensar como sujeito, logo, sujeito pensante, existia indubitavelmente, dando ao pensamento a capacidade de valorar sua vida, o que vemos hoje, são crianças, adolescentes, jovens, pessoas adultas e até mesmo os da terceira idade, com ênfase, é claro, entre crianças e adolescentes, dando um sentido a sua existência, valorando sua razão de ser, desde que conectados à rede. Utilizando todas as ferramentas de interação, informação e conhecimento para se comunicar. Mas uma comunicação fria onde não se expressam sentimentos.
Qual é o dia a dia de um internauta? Desperta pelo celular e entre uma tarefa e outra verifica o Facebook, o Twitter e os sites de notícias. No final do expediente, seja de manhã ou à tarde, acomoda seu tablet na mochila. O smartphone (ou outro modelo de celular) é colocado no bolso, que para estar sempre à mão, vai ao bolso da frente e chegando a casa, volta a pegar o tablet, verifica novamente seus e-mails, navega mais um pouco pela rede. Ao lado dos talheres na mesa, se em casa ou na casa da namorada, lá está o inseparável smartphone com lugar cativo, sobre a mesa, próximo às mãos; entre uma conversinha e outra, ele e também ela, em seu próprio aparelho, checam mensagens, twitters e antes de dormir, ele confere pela última vez os e-mails.
Pode parecer exagero tal cena? Até pode! Mas não o é. Se estiveres caminhando numa rua, no shopping ou mesmo em uma loja e até tomando um cafezinho em um bar, olhe ao seu redor e observe quantos estão conectados, seja numa conversa ou enviando mensagens, conferindo o facebook, compartilhando… ou se não estão, ao lado está um aparelho convidando-o a uma mensagem.
Compartilhar virtualmente passou a ser sinônimo e significado de existência! Se não está em rede está fora e estando fora não existe!
Mas quais as consequências deste uso excessivo das tecnologias no tocante ao relacionamento humano? Veja bem… relacionamento humano e não tecnológico! Estaríamos nos afastando de um convívio mais profundo com o outro, conosco e com o ambiente a nossa volta? A resposta pode parece obvia, mas não é.
Um grande movimento mundial vem acontecendo: “Desconectar para reconectar”. Agências de turismo, resorts e hotéis estão atentos a este momento e promovem pacotes turísticos cujo regulamento define a não entrada de nenhum aparelho que possibilite contato com o mundo externo. Está se falando em desintoxicação digital (ABREU, 2012). Isto é, estamos entrando numa fase onde as pessoas estão, por conta dos últimos 15 anos de evolução galopante das novas tecnologias da comunicação e seus aplicativos, sentindo falta do “olho no olho”, do diálogo, do afago, do toque, da presencialidade efetiva, do tempo para uma boa conversa.
Porém, temos que concordar que vivemos numa época de grande velocidade das informações e se não estivermos conectados, seja pelo facebook, seja pelo twitter, os fatos passam e nós ficamos. A concepção do momento é: quase como se não existíssemos, pensar a desconctividade, por isso, “compartilho, logo existo”, mesmo que por um tempo pequeno. As coisas hoje em dia estão complicadas, pois para sentirmos o que é vida temos que aceitar o que passa por aí. E o que passa por aí é a vidaem conexão. Oucomo dizem alguns, interatividade.
O caráter da interatividade das novas tecnologias da informação e comunicação tem favorecido uma nova forma de cultura, que autores como Tapscott(1997), Naval, Sábada, Bringué e Perez-geta(2003) e ainda Gil, Feliu, Rivero(2003), tem denominado de “cultura da interação” no processo de comunicação.
Este é o grande mérito do 49º Congresso da Escola de Pais: provocar-nos para uma análise das consequências desta realidade presente em todas as famílias.
E a pergunta é simples: quais as interferências das novas tecnologias da comunicação nas relações interfamiliares? O que se contata:
- Pais e filhos e irmãos entre irmãos se comunicando virtualmente estando num mesmo espaço (a casa) em cômodos diferentes. Consequências: ausência da manifestação afetiva dos desejos, pois fica o escrito pelo escrito, não a forma de como poderia estar sendo dita a mesma mensagem. A perda de contato físico e do olhar, de forma gradativa gera o distanciamento.
- Namorados que assistindo a um filme ou qualquer outro programa televisivo, fazem os comentários pelo facebook ou twitter ou e-mails, sobre cenas do filme. E entendem que isto é uma forma de respeito ao direito a concentração ou ao silêncio do outro. Limitam-se ao não diálogo, deixando de expressar sentimentos.
- Amigos que numa festa passam o tempo todo twittando ou facebookando ao invés de curtir a companhia dos amigos do momento. E assim sucessivamente em muitos dos casos que temos observado nos encontros sociais.
Esta realidade tão presente no cotidiano de todas as famílias nos leva a um entendimento de que estamos todos juntos, porém, sozinhos e que esperamos muito mais da tecnologia do que de nós mesmos. É como se estivéssemos forjando na rede uma espécie de sociabilidade que por meio da hiper-conectividade, apesar de paradoxal, ao falarmos com um monte de gente ao mesmo tempo, acabamos nos sentido só.
A sociedade em rede está configurando os conceitos de solidão e intimidade. E nossas crianças e adolescentes podem vir a perder muito com isto. Esta é a provocação deste 49º Congresso da Escola de Pais: precisamos pensar, analisar, discutir e decidir os encaminhamentos para uma nova postura educacional no âmbito familiar, social e escolar quanto ao uso excessivo e viciante das novas tecnologias da comunicação.
Referências:
ABREU, Kátia. Desconectar para reconectar. Revista vida simples. São Paulo: Editora Abril, nº.115, fevereiro, 2012.
GIL, A., Feliu, J., Rivero, I. y Gil, E. ¿Nuevas tecnologías de la información y la comunicación o nuevas tecnologías de relación? Niños, jóvenes y cultura digital, 2003. UOC, artículo disponible en http:// www.uoc.edu/dt/20347/index.html, consulta realizada 11/12/03,
NAVALl, C., Sábada, Ch., Bringué., X. y Pérez-Alonso, P. Los lenguajes de las pantallas: Impacto en las relaciones sociales de los jóvenes y retos educativos, XXII Seminario Interuniversitario de Teoría dela Educación: Otros Lenguajes en Educación, Barcelona, los días 26 y 27 de Junio, 2003
TAPSCOTT, D. Creciendo en un entorno digital. Bogotá: Mc Graw-Hill, 1997
Publicado na Revista Programa do 49º Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil – São Paulo – junho de 2012, p. 46.
Célio Alves de Oliveira – Associado da Escola de pais – Seccional de Joaçaba/Herval d´Oeste
Faça um comentário