O amor não brota se o terreno não tiver sido minimamente adubado com ele. Amar não é como respirar, não ocorre tão naturalmente. Na relação matricial é que se “aprende” a amar e ser amado. E, se houve complicações nessa fase, há chance de a pessoa se reestruturar para o amor a partir da relação que construir com outra pessoa. Desde que seja suficientemente forte e de qualidade.
Há quem pense no amor como uma predisposição da condição humana, inerente à espécie como a capacidade respiratória, por exemplo. Nessa perspectiva, tudo se daria como se amar e ser amado fossem coisas “naturais” da vida, ou seja, aconteceriam em decorrência do amadurecimento, como as mudanças que se atribuem às novidades hormonais responsáveis por desencadear o processo adolescente. Não é assim. O amor (que se dá e que se recebe) tem seus prérequisitos. É necessário que se estabeleça um território fértil sobre o qual ele possa se desenvolver. É preciso saber amar para se ter o privilégio de ser amado? Ser amado para só então se poder amar? Qual é a origem da capacidade de amar? O que é necessário acontecer para alguém ser amado?
A matriz do amor está nos primeiros relacionamentos afetivos, em especial na relação com a mãe. O privilégio da figura materna sobre a paterna se explica pelo fato de a amamentação ser um ato de profunda intimidade e uma forma de se vivenciar o amor. Mas o que mais conta nesse contexto é o conjunto de funções maternas (alimentação, higiene, cuidados, abrigo, amparo, continência), independentemente de qual pessoa as exerça. Com o amor veiculado ao filho, a mãe ativa na criança a capacidade amorosa. Essa capacidade ainda é um potencial e não se constela naturalmente nem por decurso de prazo. É necessário que uma figura real coloque esse potencial em movimento e o traga, assim, para o plano real. A mãe cumpre essa meta ao amar a criança.
A partir dessa matriz, duas coisas importantes se disponibilizam na psique infantil e gradativamente voluem. Primeiro, a criança desenvolve a autoestima: ama a si mesma tal como a mãe a ama. Um amor que veio do outro. Segundo, também a exemplo da mãe, ela se capacitará a amar o outro em sua vida (de início, a própria mãe). Trocando em miúdos, só pode amar (e ser amado) quem foi amado (e amou).
Quando a situação matricial foi plena e saudável, tudo se desenrola nos moldes descritos acima. Quando houve distúrbios, ainda assim fica preservada a possibilidade de se reestruturarem as bases relacionais de uma pessoa, o que lhe conferirá nova e importante oportunidade para se recapacitar no plano do amor.
Alguns relacionamentos têm força amorosa e qualidades relacionais suficientemente boas para propiciar uma reestruturação. Uma disfunção relacional só pode ser curada ou superada em uma relação (a mesma, ou outra). É o que faz do relacionamento terapêutico um bom laboratório para esse tipo de experiência. Mas pode ter igual poder transformador algum outro relacionamento (ulterior) interpessoal, como é o caso do vínculo espiritual forte com um mentor, o laço com um padrinho, um professor, ou uma vivência amorosa inusitada. Ainda que seja “o primeiro amor” da vida de alguém, estará preservada a chance de que, mesmo não sendo mãe, a pessoa amorosa seja promotora de grande capacidade de amar e ser amada.
Mas, para que isso ocorra, é fundamental que a disfunção amorosa matricial não tenha deixado nenhuma lesão psíquica. Dito de outra forma, o plantio do amor só vinga se o território em que se planta tiver sido minimamente adubado com amor de qualidade. Quem sabe o autêntico afeto da babá, que de fato amou ao cuidar!
Alberto Lima – psicoterapeuta de orientação junguiana, é professor-doutor em Psicologia Clínica e autor de O Pai e a Psique (Editora Paulus) e de Alma: Gênero e Grau (Editora Devir).
Publicado na Revista Caras – http://caras.uol.com.br/revista/capacidade-de-amar-se-desenvolve-na-relacao-do-bebe-com-sua-mae#.VVFczpOEuyB
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