As novas tecnologias estão a transformar a forma como se ensina e onde se ensina. Como será a sala de aula e o processo de aprendizagem nas próximas décadas? Os recursos educativos digitais terão, certamente, um papel importante, mas não tanto como o do professor!
O tempo do quadro de ardósia e do pau de giz já lá vai. A sala de aula em que a secretária da professora está em frente das carteiras dos alunos, perfeitamente alinhadas em várias filas, tem os dias contados. Aos cadernos e lápis, juntam-se agora os tablets, os ecrãs 3D ou os quadros interativos. As novas tecnologias e os métodos pedagógicos mais inovadores estão a mudar não só a forma como se ensina como também a própria envolvência física onde se ensina.
Hoje já há salas de aula inovadoras que permitem antever como será o espaço letivo dentro de alguns anos: mesas de grupo que substituem as carteiras individuais, cabos e tomadas de eletricidade suficientes para alimentar todos os portáteis ou tablets dos alunos, professores que orientam estudantes nas suas pesquisas em vez de “debitarem” matéria, alunos que aprendem tanto ou mais fora da sala como lá dentro… Este é apenas um cenário simplista do que o futuro reserva para a educação, com a tecnologia a influenciar quase tudo, desde o material didático, aos métodos pedagógicos e, claro está, a própria sala de aula. Tudo indica que será um espaço mais colaborativo e menos formal, um espaço que tenderá a abrir portas e a estender-se muito para além das paredes da escola.
“A sala de aula do futuro terá que ser diferente: o mobiliário irá mudar, aliás já hoje mudou em muitas escolas internacionais. Encontram-se hoje mesas, cadeiras, quadros, estantes totalmente flexíveis, com estrutura modular, adaptável a diferentes tarefas. O mesmo é verdade em relação à disposição das salas e às metodologias de ensino, às tarefas e desafios propostos aos alunos. Todos estes elementos irão progressivamente mudar”, avançam os investigadores portugueses do projeto europeu “iTEC – Designing the future classroom”, Ana Pedro, João Filipe Matos e Neuza Pedro, docentes do Instituto de Educação da Universidade de Lisboa. Além disso, garantem, o futuro vai mesmo mudar o próprio conceito de sala de aula. “Há necessidade de quebrar a rigidez das suas quatro paredes e ligá-la ao mundo. A aprendizagem em contextos do dia a dia já provou ser extremamente eficiente como é o caso das atividades desenvolvidas em museus, laboratórios ou empresas, entendidos como possíveis ‘sala de aula’. E as tecnologias podem levar os alunos a esses contextos ou trazer à escola esses contextos (e as pessoas que atuam nesses contextos) através de aplicações online e sistemas de interação em tempo real”.
Experimentar novos cenários
O projeto iTEC, que envolve 27 parceiros de 18 países e que é coordenado pela European Schoolnet, arrancou em 2010 (com uma duração prevista de quatro anos) com o objetivo de conceber, desenvolver, aplicar e avaliar cenários de aprendizagem para a sala de aula do futuro. Com o pressuposto de que estes cenários são “compostos por atividades de aprendizagem que se pretendem ser inovadoras e motivantes para alunos e professores”, suportadas pela utilização de “tecnologias variadas e com forte caráter colaborativo”.
“Tem-se procurado que as atividades de aprendizagem sejam desenvolvidas em conjunto com professores e outros especialistas, procurando assim que todas as atividades sejam inovadoras, motivadoras, pluridisciplinares e significativas quer para professores, quer para alunos, ao mesmo tempo que são articuladas com o currículo de cada um dos países”, explicam os investigadores portugueses, acrescentando que, até ao momento, já se envolveram “mais de mil salas de aula nos 18 países envolvidos”.
Em Portugal, a aplicação destes cenários está a ser dinamizada pela Equipa de Recursos e Tecnologias na Educação da Direção-Geral da Educação. Os resultados têm demonstrado que “a implementação destes cenários traz contributos para o desenvolvimento de competências transversais nos docentes (técnicas, pedagógicas e profissionais)” e, ao mesmo tempo, demonstraram “contribuir bastante para a motivação, satisfação e interesse dos alunos e para a realização de aprendizagens mais eficazes”.
Para breve, está a abertura de um primeiro “Laboratório de Sala de Aula”, na Escola Secundária Dom Manuel Martins, em Setúbal, que será equipado com “mesas, cadeiras, quadros interativos, tablets, sensores e outros dispositivos úteis para ensinar e aprender” e que servirá de “embrião do que pode vir a ser a sala de aula do futuro (que será atualizada à medida que vão aparecendo novos dispositivos e novas visões para a educação)”, revela José Moura Carvalho, da Direção-Geral da Educação, para quem faz mais sentido falar em sala de aula com futuro do que do futuro. “Uma sala de aula, uma escola, uma forma de ensinar e de aprender que seja sustentável, motivadora para alunos e professores e que equipe os alunos com conhecimentos, capacidades e atitudes que sejam mobilizáveis para a sua vida pessoal e profissional”, justifica. No fundo, falamos de toda a envolvência: “espaço(s), tempo(s), recursos e materiais de ensino e de aprendizagem e, fundamentalmente, de pessoas.” Porque, lembra este professor, a educação “é e sempre será feita por pessoas, com pessoas e para pessoas”.
Para José Moura Carvalho, a sala de aula com futuro passa, seguramente, por “outros espaços que não apenas os da escola, por muito atraentes que sejam”. E explica: “Cada vez mais, os espaços de ensino e de aprendizagem estão para lá das paredes das escolas. Cada vez menos os tempos de aprendizagem se confinam aos dos tempos letivos. Aprende-se em qualquer lado, em qualquer altura, aproveitando a mobilidade trazida pelos tablets e por outros dispositivos móveis e pelo acesso quase ubíquo à internet. E aprende-se à distância, síncrona e assincronamente, com pessoas que se encontram por vezes no outro lado do mundo. Esta é uma tendência que perdurará e se ampliará.” Por outro lado, é previsível que também os tempos se alterem radicalmente. “Não sei se haverá horários, tal como os conhecemos hoje, com horas pré-definidas para se aprender Português, História, Matemática, Educação Física, etc. É provável que, à semelhança do que acontece hoje nalgumas (poucas) escolas noutros países, os professores trabalhem em equipas com os alunos que necessitem do seu enquadramento, das suas explicações, das suas orientações para levarem por diante projetos transdisciplinares, que vão discutindo, implementando e avaliando, com o contributo de todos quantos neles estão implicados, dentro e fora da escola”.
O novo professor
Ainda que a tecnologia seja o motor de arranque desta revolução dentro da sala de aula, o professor tem e vai continuar a ter um papel determinante. Para isso, é imprescindível que também ele abrace estas mudanças, entenda de que forma pode usar os novos recursos didáticos a seu favor e perceba o valor e as vantagens da utilização das novas tecnologias no contexto da aula.
“O professor deve ser, pela natureza das suas funções, um inovador. Isto quer dizer que é necessário que o professor inove ao nível das suas práticas de ensino, dos recursos que utiliza nas aulas, etc. Mas a inovação não se decreta, por isso é perfeitamente natural que existam resistências à inovação”, referem Ana Pedro, João Filipe Matos e Neuza Pedro, salientando que “a inovação realiza-se e concretiza-se quando os professores percebem a mais valia que determinada tecnologia traz ao seu trabalho”. Em Portugal, acrescentam os investigadores do iTEC, “os professores são bastante receptivos à inovação e ao uso das tecnologias digitais na sua prática profissional. Na verdade sempre que participamos em projetos europeus na área das tecnologias na sala de aula, constatamos que Portugal é um dos países com práticas mais inovadoras no contexto escolar”.
Um estudo recente sobre a utilização de tecnologia em escolas europeias indica que entre “30 e 50 por cento dos alunos de 4º e 8º ano em Portugal são ensinados por professores que se sentem confiantes nas suas competências tecnológicas e que, como tal, os apoiam quando são usadas tecnologias digitais na escola”, refere José Moura Carvalho. No ensino secundário, esta percentagem ultrapassa os 45 por cento. Ainda assim, na sua opinião, “a não ser que os professores possam ver claramente as vantagens da utilização das tecnologias, não as vão incluir na sua ‘mala pedagógica’”. Por isso, defende, é “necessário demonstrar onde é que as tecnologias são excelentes”. E são-no no “apoio que podem fornecer à implementação de abordagens pedagógicas robustas, inovadoras, criativas ao ensino e à aprendizagem”.
A aposta tem de passar, então, pelo “casamento” da vertente pedagógica e da vertente tecnológica. “Sem esse ‘casamento’, bem podemos encher as escolas com tablets e dispositivos de última geração e ecrãs e impressoras 3D que nada irá mudar”. Além disso, é preciso também que a escola saiba “acolher, integrar, potenciar as mudanças, e essas incluem, indubitavelmente, as tecnologias e o que elas podem trazer de positivo para o ensino e a aprendizagem”. Para José Moura Carvalho, estas mudanças resultam mais de projetos “integrados e integradores como o iTEC, do que da mera utilização ‘passiva’ das tecnologias digitais na sala de aula”, que pode até “redundar no reforço de um ensino que nada tem de aliciante ou motivador para os alunos”. É preciso não esquecer, inclusive, que os alunos “estão, na esmagadora maioria, muito mais bem equipados do que os professores para as usarem”.
Mais do que uma sala apetrechada de tecnologia de ponta, a sala de aula do (e com) futuro implica “aprender mais e melhor com tecnologias digitais, perceber as mudanças que trazem, adequarmo-nos a elas, delas retirar o que podem carrear para o ensino, para a aprendizagem, para todo o processo educativo”. O futuro passa por “mudar abordagens, processos, tempos, espaços, estabelecer conexões, comunidades, alargar o âmbito da escola…” Ou seja, há imensa coisa que “já se pode ir fazendo por aqui e por agora”. Até porque dificilmente todas as salas de aula vão poder, de igual forma, tirar partido da tecnologia, seja no futuro ou agora.
NOVAS FERRAMENTAS
A tecnologia e o acesso à internet revolucionaram o acesso à informação e ao conhecimento. No contexto da sala de aula, esta revolução traduz-se em novas formas de ensinar e de aprender, permitindo, por exemplo, fazer visitas virtuais a um determinado período histórico ou recorrendo a simulações no campo das ciências. “Os vídeos explicativos, a manipulação de objetos em 3D, a realidade virtual aumentada, as ferramentas de comunicação em tempo real… todas estas novas oportunidades permitem motivar os alunos e envolvê-los na aprendizagem, tornando-a mais real, ampla e complexamente mais rica”, consideram Ana Pedro, João Filipe Matos e Neuza Pedro, os investigadores portugueses envolvidos no projeto europeu iTEC. A ampla proliferação de conteúdos online obriga, contudo, a que os alunos desenvolvam outros níveis de capacidades, nomeadamente saber pesquisar e a avaliar a fidedignidade das fontes. “As tecnologias digitais e o recurso à web tornam muito mais importante o desenvolvimento do espírito crítico e a capacidade de análise, gestão e relacionamento da informação oriunda de fontes distintas”, sublinham os investigadores. Para os professores, a inovação no recurso às novas tecnologias implica ultrapassar o processo de ensino tradicional, baseado na transmissão de informação, e recorrer a processos mais aliciantes e motivadores para os alunos. “Se o professor disser aos alunos que vão ter que construir um poster digital com o Glogster (uma ferramenta Web 2.0 gratuita) e que, para tal, vão ter de trabalhar em equipa, vão ter de pesquisar informação, quer no manual quer noutros livros quer na net, vão ter de organizar essa informação de modo a que faça sentido, vão ter de a discutir com alguém que, externo à escola, saiba imenso sobre o tópico, vão ter de refletir sobre o processo de produção, sobre o que já fizeram e o que ainda falta fazer, vão ter de apresentar o poster não apenas ao professor mas a toda a turma e à comunidade escolar mais alargada, então, aí sim, alguma coisa mudou”, defende o professor José Moura Carvalho. E o que muda é, acima de tudo, o papel ativo que os alunos passam a ter na aprendizagem.
Publicado no site: http://www.paisefilhos.pt/index.php/familia/educacao/7260-aula-do-futuro?showall=1 Acesso em 16/08/2014
Escrito por Sofia Quinteira
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