
SE POSSÍVEL, FIQUE EM CASA!
O mundo mudou drasticamente num piscar de olhos e num curto espaço de tempo fomos surpreendidos com uma mudança compulsória de hábitos, nem sempre bem assimilados. Em meio a disputas políticas, fakes e falta de informação, o medo da doença e desemprego, a desconfiança e insegurança tomaram conta das famílias e o isolamento social se tornou uma dura realidade.
Como substituir as trocas presenciais e o convívio familiar e social habituais? Emocionalmente abalados, sentimos a necessidade de nos adaptar à nova realidade e novos comportamentos foram incorporados às nossas vidas, porém não é fácil mudar quem somos.
Surgiram diversas iniciativas desde ouvir músicas das janelas e varandas, com repertório cuidadosamente selecionado por músicos que levavam momentos de felicidade às demais pessoas e em troca recebiam aplausos de uma plateia grata e carente. Compra e distribuição de cestas básicas para minimizar a fome e o sofrimento dos mais necessitados. Gestos de solidariedade para com os mais frágeis e vulneráveis, os idosos, que se viram distantes do convívio familiar. Aplausos programados como gesto de gratidão para com aqueles que enfrentavam com coragem e determinação toda essa pandemia na linha de frente. As redes sociais tornaram-se uma grande aliada não só por “encurtar” a distância, mas também por permitir compartilhar mensagens, vídeos e imagens de apoio, conforto e resiliência num momento de grande fragilidade sentimental. A tecnologia de fato tem nos ajudado, mas agora e mais do que nunca, temos certeza de que nem ela substitui o contato humano, o toque, o abraço, o beijo ou simplesmente a convivência.
O direito de ir e vir de qualquer cidadão se tornou um desejo comum e práticas que nem sempre eram valorizadas como ir ao trabalho, à escola, às compras, ao esporte e lazer, tornaram-se objeto de conquista e esperança de que um dia essa tempestade vai passar.
Analisando por outro ângulo, o confinamento pode ser uma oportunidade de um período de profunda reflexão. Olhar para si e refletir quem somos, quem verdadeiramente amamos, o que valorizamos dando o devido valor às coisas que realmente nos importam. Ficar a sós consigo mesmo é difícil e muitas vezes requer uma ressignificação. Muitas famílias se reconectaram, pois mesmo vivendo há anos juntos na mesma casa e ao mesmo tempo distantes uns dos outros, agora revivem emoções, comunicações e afetos, assumindo um novo significado em espaços reduzidos de convivência. Por outro lado, muitas famílias sucumbiram. Seja pelo medo, ansiedade, ameaça de desemprego eminente, baixo nível de tolerância antes invisível ou relegada pelo pouco tempo de convívio, ou quaisquer outras razões, se declinaram à hostilidade, violência, indiferença e solidão. Enfim, não resistiram às mudanças necessárias para o convívio sadio num ambiente restrito por um longo período de tempo.
Alguns buscam formas de adequação à realidade, ficam apreensivos e procuram se proteger e se resguardar. Outros negam essa condição ou minimizam o problema, utilizam mecanismo de defesa para essa angústia e por não se sentirem capazes de enfrentar a dura realidade, incorporam um sentimento de poder e ilusão de que com eles nada vai acontecer.
De certa forma, todos foram afetados positiva ou negativamente. Para as crianças, conviver diariamente com pai e mãe, algo que muitas não podiam antes, agora se torna um aprendizado bastante rico. Elas aprendem os limites de seus pais, aprendem a participar mais ativamente na rotina da casa, aprendem que os adultos não são perfeitos e nem sempre são pacientes, embora os ame. Como sua maturidade e compreensão da nova situação não estão totalmente desenvolvidos, elas serão o reflexo do estado emocional daqueles que convivem no mesmo ambiente. Para os adolescentes, entretanto, habituados a conviver com amigos, o isolamento é bastante cruel e desagradável, podendo até haver um afastamento no próprio isolamento e sintomas de depressão. Os pais precisam estar atentos e sensíveis às suas emoções, e o diálogo certamente ajudará a estabelecer um equilíbrio entre as restrições exigidas pelo momento e o forte desejo de liberdade, característico dessa fase. Já os idosos enfrentam uma situação de vulnerabilidade, insegurança e dependência de suporte externo que nem sempre dispõem, principalmente os que já possuem limitações físicas. Para protegê-los é importante construir uma rede de apoio e solidariedade proporcional à sua necessidade. A essa responsabilidade social, somam-se paciência e generosidade em respeito à capacidade de escolha e discernimento do idoso. Os pais e responsáveis por sua família sofreram uma sobrecarga não habitual de novos afazeres, pois afastados do trabalho ou em home office, assumiram por completo as tarefas domésticas para manutenção do lar, a orientação educacional dos filhos fisicamente afastados da escola, a atenção e cuidado com os pais idosos ou outros familiares que moram ou não na mesma casa. Precisaram se adaptar à situação de ruptura brusca das atividades diárias impostas pelo isolamento social.
Como lidar e enfrentar essa nova realidade na tentativa de diminuir o impacto de tantas perdas, é um grande desafio para todos nós. Profissionais e estudiosos entram em ação formulando orientações em prol da saúde mental e familiar, abalada por uma avalanche de emoções e pensamentos desastrosos que ameaçam sua sobrevivência. Faz-se necessário lançar mão de práticas de espiritualidade, se conscientizar da necessidade de atividades preventivas como praticar atividades físicas mesmo em espaços confinados, ouvir música, utilizar alguma habilidade ou hobby, participar de ações voluntárias e solidárias, buscar informações confiáveis e se afastar daquelas que provocam ansiedade e angústia, utilizar as redes sociais para estabelecer contato com amigos e entes queridos, elencar coisas que sempre se desejou colocar em prática e fazer o que for possível no momento, criar momentos de lazer e diversão tal como jogos, preparo conjunto de refeições, manter o diálogo e o respeito pois os conflitos familiares já existentes podem ganhar dimensões, discussões exacerbadas e até violência doméstica.
Enfim, estamos passando por um momento ímpar e desafiador. Temos a oportunidade de nos reinventar, de valorizar não só a nós mesmos, mas também o próximo. Não podemos permitir passar na invisibilidade a oportunidade de humanização da sociedade. O isolamento social ainda é fundamental para o controle da pandemia mas vamos superar esse desafio e certamente passaremos melhor se estivermos juntos. Ser solidário é possível, pois apenas é necessário se nos sentirmos bem. Portanto cuide-se, e se possível, fique em casa.
Autora: Ana Rosa Souza, formada em Processamento de Dados pela Ufba. Casada há 43 anos, mãe de dois filhos, três netos. Junto com seu esposo, Annibal Souza, são membros da EPB – seccional de Salvador há 29 anos.
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