As mães que deixam os pais serem pais

Avó, avó, bonito!, pai deu!”. A Madalena puxa a t-shirt para me mostrar mais de perto as risquinhas da camisola. A Carminho aproxima-se com igual entusiasmo, aponta para a dela e diz “Pai, vestiu a Minho!”. Sento-me no chão com as minhas netas nos joelhos, tão crescidas com quase dois anos, e maravilho-me com as frases completas, e maravilho-me, pela milionésima vez, com o que os pais mudaram. O meu pai não comprava roupa para os filhos e muito menos os vestia. Contava histórias, depois do banho tomado, e era O Pai, com toda a autoridade que o nome lhe conferia, mas era invisível nas tarefas diárias.

 Levava-nos a fazer piqueniques, a subir às rochas, ensinava-nos o nome das flores, mas não lhe passaria pela cabeça, nem na dele, nem de ninguém que levasse os filhos ao médico ou à escola, onde apesar de lá termos andado os oito, nunca pôs os pés. O pai trabalhava para sustentar a família e quando chegava a casa tinha direito à sua sesta antes de jantar, e nós andávamos em bicos de pés para não o perturbarmos. Hoje os pais, ou pelo menos os bons pais, são pais a partir da primeira ecografia, são os primeiros a pegar nos seus recém-nascidos e são eles que os passam, ainda na sala de partos, para o colo das mães. Se não amamentam, arrotam e adormecem os seus bebês, mudam-lhes as fraldas sem protestos, dão-lhes banho e de comer, são vistos nas salas de espera dos pediatras e conhecem todas as aplicações para iphones e ipads da área da puericultura, da pedagogia e de sei lá mais o quê. As mães confiam neles ao ponto de os deixarem com os seus bebês e, se tiverem que viajar em trabalho, já não pedem à mãe que lhes fique com os filhos (e com o marido!), nem à sogra que se mude lá para casa, por muito que uma e outra a assustem, dizendo que o rapaz não é capaz de dar conta do recado.

 E se ser um pai assim até pode ter começado como uma imposição das queridas esposas, desesperadas por lhes cair tudo em cima, depressa aconteceu o que se esperava – os pais descobriram porque é que as mães gostavam de ser mães. Mais próximos, viciaram-se no cheiro de bebé, perceberam como é fascinante vê-los crescer, como nos toca o abraço apertado que nos dão quando os tiramos do berço, a urgência com que nos pedem beijinhos num dódói e a forma ardilosa e mágica como nos fazem seus para sempre. Mas embora admire profundamente estes pais, a verdade é que tiro o chapéu às mães que deixam que os pais sejam pais. Na constância de uma relação, ou mais difícil ainda depois de uma rutura, ser capaz de ceder o controlo sobre os filhos, vencer o conflito interior que provoca o receio de deixar de ser a pessoa mais importante, mais insubstituível nas suas vidas, não é fácil. Nada fácil. Mas ao serem capazes de se superarem a si mesmas, prestam um enorme serviço aos filhos, tão grande como o seu amor por eles. E só por isso, serão para sempre donas dos seus corações.

Escrito por Isabel Stilwell. Publicado no site:

http://www.paisefilhos.pt/index.php/opiniao/isabel-stilwell/5735-as-maes-que-deixam-os-pais-serem-pais

Acesso em 16/07/2014.

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