Tradicionalmente, “Inteligência” é conceituada como uma capacidade inata, geral e única, que permite aos indivíduos uma performance, maior ou menor, em qualquer área de atuação. Exemplo disso são os testes de Quociente de Inteligência (QI) desenvolvidos pelo francês Alfredo Binet no início do século XX, que teve enorme influência sobre a ideia que se tem de inteligência ainda hoje. Esses testes podem predizer o desempenho escolar e não o sucesso profissional, pois avaliam apenas as capacidades linguísticas e lógico-matemática.
A Teoria das Inteligências Múltiplas, de Howard Gardner (1985), é uma alternativa para o conceito de inteligência. Sua insatisfação com a ideia de QI e com visões unitárias de inteligência o levou a redefinir a inteligência à luz das origens biológicas da habilidade para resolver problemas.
Gardner afirma que o conceito de inteligência como tradicionalmente definido em psicometria (testes de QI) não é suficiente para descrever a grande variedade de habilidades cognitivas humanas. Por exemplo, uma criança que aprende a multiplicar facilmente não é necessariamente mais inteligente que uma criança que tenha habilidades mais fortes em outro tipo de inteligência. A criança que leva mais tempo para dominar uma multiplicação simples pode ser excelente em um campo fora da matemática. Gardner sugere que alguns talentos só se desenvolvem porque são valorizados pelo ambiente, o que torna fundamental o papel da educação.
Nos anos 80, uma equipe de pesquisadores liderada por Gardner se valeu dos avanços da neurociência, estudou e observou crianças normais e crianças superdotadas, adultos com lesões cerebrais e populações ditas excepcionais, questionou o tradicional conceito de inteligência e o redefiniu como “habilidade para resolver problemas”. Desse estudo, foram identificadas sete inteligências e mais tarde, surgiram mais duas que ainda estão sendo pesquisadas.
AS INTELIGÊNCIAS
Linguística
Habilidade para lidar com palavras de maneira criativa e de se expressar de maneira clara e objetiva. É a inteligência da fala e da comunicação oral e escrita e não tem relação com a cultura da pessoa. Usar a linguagem para convencer, estimular, transmitir informações ou simplesmente agradar. Exemplo: oradores, escritores, professores, poetas, jornalistas, publicitários.
Lógico-matemática
Capacidade de analisar problemas, operações matemáticas e questões científicas. É a mais associada com a ideia tradicional de inteligência. Exemplo: matemáticos, engenheiros, cientistas, físicos.
Musical
Habilidade para tocar, compor e apreciar padrões musicais. Capacidade de entender a linguagem sonora e de se expressar por meio dela. Permite organizar elementos sonoros [timbres, ritmos, sons] de forma criativa e independe de aprendizado formal. É a mais associada com a ideia de talento. Exemplo: músicos, compositores, dançarinos.
Sinestésica
Potencial de usar o corpo para dança, esportes, coreografias. Capacidade de utilizar o próprio corpo para expressar ideias e sentimentos (gestos). Facilidade de usar as mãos. Incluem habilidades como coordenação, equilíbrio, flexibilidade, força, velocidade e destreza. Exemplo: mímicos, dançarinos, desportistas, mágicos, malabaristas.
Espacial
Capacidade de compreender o mundo visual de modo minucioso. Capacidade de reproduzir, pelo desenho, situações reais ou mentais, de organizar elementos visuais de forma harmônica; de situar-se e localizar-se no espaço. Capacidade de transportar-se mentalmente a um espaço. Exemplo: arquitetos, desenhistas, escultores, artistas plásticos, ilustradores, navegadores, pilotos.
Intrapessoal
Capacidade de se conhecer. De estar bem consigo mesmo, de administrar os próprios sentimentos a favor de seus projetos. Inclui disciplina, autoestima e autoaceitação. Exemplo: escritores, psicoterapeutas, conselheiros. Essa inteligência é importante para todas as profissões.
Interpessoal
Habilidade de entender as intenções, motivações e desejos dos outros. Capacidade de compreender as pessoas e de interagir bem com elas, o que significa ter sensibilidade para o sentido de expressões faciais, voz, gestos e posturas, habilidade para responder de forma adequada às situações interpessoais. Exemplo: terapeutas, políticos, religiosos, professores, animadores de espetáculos, oradores. É preciso compreender os sentimentos dos outros e reagir de forma adequada a esta compreensão. Esta inteligência é fator indispensável para propiciar um clima harmonioso nas relações humanas.
Inteligências ainda em estudos:
Naturalista
Traduz-se na sensibilidade para compreender e organizar os objetos, fenômenos e padrões da natureza, como reconhecer e classificar plantas, animais, minerais, incluindo rochas e gramíneas e toda a variedade de fauna, flora, meio-ambiente e seus componentes. Voltada para a análise e compreensão dos fenômenos da natureza (físicos, climáticos, astronômicos, químicos). Exemplo: paisagistas, arquitetos e mateiros.
Existencial
Abrange a capacidade de refletir e ponderar sobre questões fundamentais da existência. Seria característica de líderes espirituais e de pensadores filosóficos.
SOBRE O AUTOR
Howard Gardner é formado no campo da psicologia e da neurologia, nasceu na Pensilvânia, em 1943. Desenvolveu sua teoria na Universidade de Harvard, EUA. Publicou Frames of Mind (estruturas da mente) em 1983 e Inteligências Múltiplas: Teoria na Prática, 1993. Hoje, leciona neurologia na escola de Medicina da Universidade de Boston e é professor de Cognição e Pedagogia e de Psicologia em Harvard. Nos escritos sobre educação que se seguiram, enfatizou a importância de trabalhar a formação ética simultaneamente ao desenvolvimento das inteligências.
A ESCOLA DE PAIS
É importante que os pais conheçam essa nova teoria para contribuírem para o desenvolvimento escolar e profissional de seus filhos, já que os estímulos e o ambiente social são fundamentais para o desenvolvimento de determinadas inteligências. Se um indivíduo, por exemplo, nasce com uma inteligência musical e as condições ambientais (escola, família, região onde mora) não oferecem estímulos para o desenvolvimento das capacidades musicais, dificilmente será um músico.
Além disso, de acordo com o autor, a predisposição genética e as experiências vividas na infância podem favorecer nossos “computadores mentais”. Assim, Pais e Professores devem identificar a inteligência preponderante da criança e potencializar aquilo que ela se destaca. É mais importante estimular do que medir os recursos mentais.
Pablo Picasso, por exemplo, foi um gênio da pintura, mas era péssimo aluno. Mané Garrincha foi classificado como ‘débil mental’ após responder os testes de QI, mas ninguém duvida do talento que possuía este atleta quando se encontrava no meio de um gramado com a bola nos pés. Nossos filhos, assim como nós, possuem todas as inteligências, mas destacam-se apenas em duas ou três. Não podemos, portanto, exigir nota 10 em tudo. Isso é apenas para os gênios.
Em seguida, apresentamos um recorte da entrevista de Howard Gardner, para a Revista Veja:
Veja – Há pessoas menos inteligentes do que outras?
Gardner – Cada um tem uma mistura singular dos vários tipos de inteligência, o que torna a questão bem mais complexa do que dividir a humanidade entre burros e inteligentes. A observação científica mostra que o mundo está cheio de gente que se destaca no pensamento lógico, mas não tem inteligência suficiente para expressar uma ideia com começo, meio e fim. Ou de pessoas que são brilhantes ao filosofar sobre as grandes questões do mundo moderno e não têm nenhum traquejo para executar exercícios físicos de jardim de infância. Conclusão: a maioria das pessoas é, ao mesmo tempo, inteligente para algumas áreas do conhecimento e limitada para outras. Estou me referindo à média. Bem mais raros são os casos de gente desprovida de qualquer inteligência. Mas eles existem.
Veja – Até que ponto é possível desenvolver a inteligência?
Gardner – Essa é uma questão que vem intrigando os especialistas há séculos. Nas sociedades asiáticas influenciadas pelo confucionismo, vigora a ideia de que as pessoas diferem pouco no intelecto. Mais importante para seu sucesso é o esforço despendido por cada um. No Ocidente, por sua vez, circula a visão de que a inteligência é inata e de que quase nada se pode fazer para mudá-la. O fato é que a ciência já reuniu evidências suficientes para concluir que a inteligência é resultado dos dois fatores: a genética e a experiência de cada um. Ainda não se sabe qual deles tem mais peso. Algumas habilidades, como o raciocínio lógico e o talento para a música, sofrem maior influência da genética. Mas, no geral, tudo indica que os genes e o ambiente contribuam em igual proporção na formação da inteligência humana. Certamente não estão determinadas no berçário todas as capacidades intelectuais das pessoas, o que quer dizer, sim, que é possível esculpir a inteligência – ainda que haja limitações para isso.
Veja – A inteligência tem alguma relação com a moral?
Gardner – Definitivamente, não. As inteligências são moralmente neutras. Tome-se como exemplo a comparação entre Joseph Goebbels (1897-1945), o ministro da Propaganda de Hitler, e o poeta Goethe (1749-1832), ambos mestres no emprego da língua materna: o alemão. Em poder do mesmo tipo de inteligência, Goebbels disseminou o ódio e Goethe criou obras de arte. O estudo que fiz sobre os trinta personagens com atuação acima do comum em suas respectivas áreas, ao longo da história, ajuda a enfatizar a ideia da inteligência amoral. Tirando Gandhi, nenhuma das figuras por mim pesquisadas teve uma vida pessoal digna de ser classificada como exemplar. Pablo Picasso (pintor espanhol, 1881-1973), T.S. Eliot (poeta inglês, 1888-1965) e até Einstein, para citar alguns, lamentavelmente demonstraram insensibilidade moral em muitos aspectos da vida. Com base nesses argumentos, repito o que pode parecer óbvio: o principal desafio da humanidade não é apenas produzir um exército de pessoas com suas múltiplas inteligências afiadas – o maior avanço será vê-las usadas de forma mais ética.
Tudo isso, vem confirmar os princípios e fundamentos defendidos pela Escola de Pais, ou seja, conhecer sempre mais para interferir no processo de desenvolvimento da criança imprimindo uma direção ética. Só assim estaremos cumprindo o nosso papel de pais comprometidos com o crescimento e a felicidade de nossos filhos.
Referências
GARDNER, Howard. Estruturas da mente: a teoria das inteligências múltiplas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1994.
GARDNER, Howard. Inteligências múltiplas: a teoria na prática. Porto Alegre: Artmed, 1995.
VEJA Edição 2018 25 de julho de 2007. Disponível em: http://veja.abril.com.br/250707/entrevista.shtml. Acesso em: 17 mar 2011.
Este artigo foi publicado na Revista nº 3, p. 26, da Escola de Pais – Biguaçu – junho de 2011.
Teresinha Bunn Besen – Professora de Língua Portuguesa, Mestre em Educação, Membro da Escola de Pais – Biguaçu, Coordenadora Regional da Escola de Pais para a região Litoral de SC.
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