As drogas na sociedade contemporânea – (Ontem e Hoje. E Amanhã?)

A Sociedade se debate com o seríssimo problema do uso e abuso das drogas, legais e ilegais, o que tem acarretado não apenas prejuízos materiais, mas grandes prejuízos ao ser humano, gerando grandes sofrimentos e incertezas.

Nossas famílias já não sabem o que fazer, a quem apelar como prevenir! “O que devo fazer para que meu filho(a) não se torne um(a) usuário(a) de drogas?” Este é o questionamento que está na cabeça de todos nós. Isso acontece não apenas com os pais, mas também, com avós etc. Desejamos que ele cresça feliz, ajustado, que seja capaz de construir e desenvolver seu projeto de vida, sem obstáculos e sem sofrimentos. Porém, não raro, aquele sonho, aquele futuro, com que sonhamos para nosso filho(a) está prestes a desmoronar, em decorrência de determinados comportamentos como o uso indevido de substâncias psicoativas e outros mais.

Ontem, a luta da sociedade e de algumas instituições como o Conselho Estadual de Entorpecentes era contra o uso da maconha e de alguns solventes como: cola de sapateiro, benzina, lança perfume etc. A cocaína era rara em nosso meio. “Era coisa da Bolívia.” A heroína era preocupação dos pais e das autoridades nos países, chamados “desenvolvidos”.

Hoje, a maconha é considerada (indevidamente) droga recreativa e não são poucos os movimentos para torná-la legal, ou seja, seu uso e comércio descriminalizados.

A cada momento, para nosso desespero, surgem novas drogas e sempre com efeitos mais deletérios do que as drogas anteriores, a exemplo do ecstasy, oxy, cristal e do crack, que é a “droga da vez”. Dizemos que essa droga “está batendo às nossas portas”, eu diria, que ela já entrou em nossos lares e sem pedir licença.

 Bairros e ruas de nossas cidades, antes locais pacatos, foram invadidos por multidões de usuários e de todo tipo de marginais, que além de acarretarem toda sorte de delitos como: assaltos, homicídios, estupros e outros mais nos subtraem o direito de “ir e vir”.

A revista Veja, em sua edição de 25 de janeiro deste ano, publica dados fornecidos pelo psiquiatra Ronaldo Laranjeiras, os quais nos obrigam pensar seriamente no assunto. “Há dez anos 200.000 brasileiros haviam tido contato com o crack. Em uma década, esse número saltou para 800.000.” Por outro lado, em recente publicação, o Conselho Federal de Medicina informa que, para a Organização Mundial de Saúde – OMS, no Brasil, existe seis milhões de usuários de crack. O Ministério da Saúde contesta esse número e diz que não concorda com esse dado. O número correto, estimado pelo nosso Ministério da Saúde, é de dois milhões de usuários dessa droga. Qualquer que seja o número, ele é assustador! Ressalte-se que o universo dos usuários de crack não é formado apenas por jovens pobres das periferias, dos morros; esse universo, é composto por jovens de todas as classes sociais, pobres, ricos e da classe média. Embora percorrendo caminhos diferentes rumo ao crack, todos, salvo exceções, começam com o álcool. Note-se, o alcoolismo juvenil, começa na própria casa. Nossos jovens, na maioria das vezes, aprendem a beber com os pais. Sim, com os pais!

Na esteira do clamor público, muitos projetos têm sido apregoados como solução. Todavia, têm apresentado resultados pífios, devido às inconsistências técnicas e práticas. Estamos vivendo um ano eleitoral. Dos palanques de campanha, têm saído e sairão discursos inflamados, apresentando projetos de combate às drogas, alguns bem intencionados capazes de funcionar. Outros, meramente demagógicos e sem embasamento técnico, por via de consequência, sem eficácia, como tem acontecido ao longo dos últimos anos. Haja vista que, a cada dia, a problemática do crack e de outras drogas torna-se mais cruel e complexa. Dessa maneira, surge a pergunta: o que fazer? E o amanhã?

Desde a sua fundação em 26/11/82, o CONEN/SC – Conselho Estadual de Entorpecentes  de Santa Catarina  –  tem buscado efetuar metas na área de prevenção, a fim de reduzir o uso de drogas em níveis aceitáveis. Isto é, fazer com que o número de jovens usuários de drogas seja cada vez menor, o que infelizmente, não tem acontecido. A principal dificuldade da nossa Instituição é que não temos conseguido fazer despertar os governos e a sociedade como um todo para o enfrentamento do problema. O assunto é, por vezes, levantado em campanhas como foi dito anteriormente, mas não é levado adiante em decorrência da sua complexidade. Dessa forma, não se torna meta prioritária e não produz efeitos práticos, haja vista que, a cada dia, a problemática do crack e de outras drogas torna-se mais complexa e cruel. Assim, surge a pergunta: O que fazer? E o amanhã?

Só será possível reverter essa situação se criarmos redes de prevenção por meio de parceiros de todos os segmentos da sociedade. As parcerias começam no município. O jovem nasce, cresce, estuda, enfim, ele vive no município. Lá, também se encontra a figura do traficante, não raro, um jovem do seu próprio grupo, portanto, o primeiro passo a ser dado é a criação de um Conselho Municipal de Entorpecentes para que este implante uma política pública sobre drogas em seu território, levando em consideração as suas especificidades e necessidades.

No momento, Santa Catarina conta com cento e sete Conselhos Municipais, infelizmente apenas sessenta estão ativos. Ao longo dos anos, o CONEN/SC tem se colocado à disposição das prefeituras para orientá-las, quer: para a implantação dos Conselhos Municipais – COMENs – quer na capacitação dos Conselheiros e, ainda, para revitalizar o Conselho, quando este se torna inativo, inoperante. Essas ações são realizadas por meio dos conselheiros(as) do CONEN/SC com recursos financeiros da SSP – Secretaria de Segurança Pública do Estado, órgão ao qual o CONEN/SC está vinculado.

Dentre outras ações do CONEN/SC, há que se registrar a orientação às Comunidades Terapêuticas. Pois, desde 1984, essas instituições vêm prestando atendimento aos usuários de drogas e aos seus familiares que, na verdade, é uma atribuição do Estado.

Muito se tem falado, discutido e planejado sobre o combate ao uso de drogas, mas muito pouco foi conseguido. Provavelmente, porque enfocamos o problema de forma equivocada. A solução (parcial) desse grande desafio passa necessariamente por vários setores, isto é, toda a sociedade deve ser envolvida.

O enfrentamento do problema só será viável se o atacarmos simultaneamente em várias frentes, mas para isso é necessária a união de todos os seguimentos, de todas as lideranças, na formação de parcerias de maneira que estas se transformem em redes. Isto é, todos juntos.

As políticas públicas para combate às drogas deverão ser implementadas nas áreas: do social, da educação, da saúde, da família, do tratamento, da ressocialização do dependente químico e, ainda, da repressão. Isso só será possível por meio de parcerias sólidas, as quais, juntas, formarão redes e será por meio delas que poderá ser atingido o que foi colocado anteriormente:

1) Social – precisamos criar instituições fortes, sérias, que permitam aos jovens integrarem-se a elas e sentirem-se seguros.

2) Educação – não esqueçamos, a escola não é substituta dos pais, das famílias. Ela é agente complementar na educação. Por melhor que seja, além do seu projeto pedagógico, deve ser atraente ao jovem e deve ter seu próprio programa de prevenção. Ultimamente, em nosso Estado e, em muitos outros, a tarefa da prevenção tem sido entregue ao PROERD – Programa Educacional de Resistência às Drogas que, não obstante seu trabalho maravilhoso exercido por Proerdianos, policiais da PM/SC, seus esforços hercúleos ainda são insuficientes. Cada professor(a) e servidores de todos os níveis precisam ser capacitados para atender ao aluno usuário de drogas. Ele não é um delinquente, ele está seriamente doente. Desse modo, necessita cuidados especiais. Vamos valorizar o professor para que este possa dedicar-se àquele(a) aluno(a) que sofre e precisa de atendimento urgente.

3) Saúde –  o usuário ou dependente tem problemas de saúde. Precisa de atendimento, não de cadeia. Em nosso Estado, já existem vários centros de atenção aos usuários e dependentes, mas ainda são insuficientes. Precisamos articular ações verdadeiramente eficazes. Não esqueçamos aquele ensinamento: “antes de programar o futuro conheça o passado.” Já conhecemos todos os erros do passado. Dessa maneira, temos o dever de elaborar projetos possíveis e viáveis começando pela família.

4)  Família –  não importa que tipo de família ela seja, ainda é a célula geradora da vida, a célula de identidade do ser humano, o ambiente do re-encontro das pessoas, ali são aliviadas as tensões do dia a dia o que ocorrem no trabalho, na escola ou no social. Contudo, para que a família possa desempenhar essas funções tão primordiais para a formação do ser humano, para o “vir a ser” da criança, é necessário que nós pais, aprendamos a ser mãe e pai. É curioso, para qualquer atividade profissional que pretendemos desenvolver é indispensável um curso de aprendizado. Todavia, só não fazemos este aprendizado para sermos, mãe ou pai, como se essa fosse uma tarefa simples: “formar um ser humano”, esta é a empreitada mais difícil, o maior desafio que podemos enfrentar, como se diz em Escola de Pais. É insensatez acreditar que podemos educar o nosso filho como fomos educados, embora ainda persistam valores como: amor, honestidade, fidelidade etc, pois estes são valores imorredouros. A reunião familiar para as refeições ainda é um valor. Nominada agora, em linguagem moderna, Comensalidade. É o sentar-se todos à mesa, como faziam as famílias desde tempos imemoriais. O maior simbolismo desse ato, para nós cristãos, é a Santa Ceia, quando Jesus reúne-se com seus apóstolos, para a última refeição, antes do grande Sacrifício. À mesa aprende-se: a moderar o tom de voz, a maneira de sentar-se, servir-se dos alimentos e dividir o espaço com os demais participantes. Os pais devem procurar estar presentes, pelo menos, a uma das refeições do dia. É, por certo, o local mais apropriado para a discussão dos problemas familiares, buscando-se sempre um tom moderado, qualquer que seja o assunto. Nosso emérito professor Leonardo Boff ensina:

“Bem-aventurados os que sentarem à mesa como irmãos e irmãs para juntos comerem, beberem e celebrarem a generosidade da terra com seus alimentos variados, legumes frescos e frutos coloridos. Estes serão considerados os verdadeiros filhos e filhas da Mãe Terra”. (Virtudes Para Um Outro Mundo Possível. p. 134, ed. Vozes).

5) Tratamento – o início do tratamento talvez seja o momento de maior complexidade na caminhada da recuperação do filho(a) e dos pais. O tratamento deverá sempre ser orientado por um profissional da saúde mental. Psiquiatra, psicólogo ou outro profissional habilitado. A pergunta inicial é: “qual o tipo de tratamento deverá ser aplicado, ao meu filho?” A primeira opção é sempre a ambulatorial ou, em casos extremos, o internamento. A presença dos pais durante o tratamento é fundamental para o seu sucesso. Uma recomendação aos pais: nunca, jamais, desistam de seu filho. Dificilmente, (infelizmente), a primeira tentativa de tratamento é bem sucedida. Insistam, não desistam.

6) Ressocialização ou Reinserção Social – é a re-entrada ou a entrada na vida social, onde ele sentirá – talvez, pela primeira vez na vida – o que são direitos e deveres, quando aprenderá a conviver com os “sins” e os “nãos”. É nessa ocasião que ele poderá e deverá “montar” seu projeto de vida: “para onde eu vou, o que quero da sociedade”, “o que a sociedade espera de mim?” Ou constrói esse projeto ou fatalmente recairá. Tudo isso faz parte da longa caminhada para a recuperação.

Na recuperação, existem cuidados fundamentais necessários e imprescindíveis: a) o primeiro cuidado, frequência regular aos grupos de autoajuda; b) visitas regulares ao profissional da saúde mental, que o acompanha. E mais:

atitudes – evitar as atitudes manipuladoras, próprias do usuário de drogas;

lugares – evitar lugares que certamente irão despertar-lhe a compulsão pelas drogas;

pessoas – evitar, não facilitar, a convivência com usuários “da ativa” isto é, aqueles que ainda estão usando drogas, pois estes farão de tudo para que seu filho retorne ao uso.

 Durante todo o processo de tratamento, como no da ressocialização, a presença da família é fundamental, pois ela necessita dos vários ensinamentos que são dirigidos ao jovem recuperado. Nosso apelo: pais não esqueçam, vocês não conseguiram evitar que seu filho(a) se envolvesse com as drogas. Porém, são importantíssimos no processo de saída do mundo dessas substâncias.

7) Repressão – o social, a educação, a saúde, a família, o tratamento e a ressocialização formam um lado de uma moeda. Do outro lado está a repressão. Não esqueçamos que o traficante é um indivíduo, cruel, predador, contudo ele segue a lei universal da “oferta e procura”. Só existe o traficante vendendo drogas, porque alguém está tentando comprá-la. Quando isso ocorre, significa que nossa prevenção não foi adequada, ou não a fizemos. O que normalmente ocorre a partir daí é recorrer ao policial para corrigir os nossos erros. Ele fica com a parte mais difícil, combater o crime, na maioria das vezes, praticado por indivíduos sem valores, ambiciosos e cruéis.

E nós ficamos em nossas casas atacando os policiais e demais autoridades. Essas, não raro, soltam o bandido antes do próprio policial, que o prendeu, deixar a delegacia. Não são os policiais, promotores ou juízes que fazem as leis. São os nossos representantes em Brasília, a responsabilidade é deles. Estamos vivendo em um ano eleitoral, vamos exercer a nossa cidadania!

Por último, quero agradecer aos meus amigos da Escola de Pais pelo convite a participar desta edição da revista. Trago, assim, como última mensagem, o pensamento de um poeta indiano, cuja autoria, infelizmente desconheço: “Dormi e sonhei que a vida era alegria. Acordei e vi que a vida era: trabalhar e servir. Servi e vi que a vida era alegria.” Assim são os casais que participam da Escola de Pais. Obrigado!

Este artigo foi publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional de Biguaçu, nº 4, maio de 2012, p. 13.

Jairo Brincas – Advogado, ex-Presidente e atual Conselheiro do CONEN/SC – Conselho Estadual de Entorpecentes, 33 anos de participação na Escola de Pais do Brasil.  conen@ssp.sc.gov.br 48-3224-1101.

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