A família está para a criança, assim como o vaso está para a flor. A família precisa oferecer para a criança: afeto, segurança e limites (regras, valores). Colocar limites é organizar a criança na sua rotina, hábitos, vontades. É, também, um ato de amor.
Afeto, segundo o dicionário Aurélio, é afeição, simpatia, amizade e amor. É fundamental para a saúde mental que o bebê e a criança pequena experimentem um relacionamento afetuoso, íntimo e contínuo com sua mãe (ou mãe substituta), no qual ambos encontrem satisfação e prazer. A criança precisa sentir que é objeto de prazer e de orgulho para a sua mãe, assim como a mãe necessita sentir uma expansão de sua própria personalidade na personalidade de seu filho. Ambos precisam se sentir profundamente identificados um com o outro. Este relacionamento altera tanto a personalidade da mãe quanto a do filho.
O prazer e a profunda identificação de sentimentos só são possíveis para cada um dos dois se o relacionamento for contínuo. Assim como o bebê precisa sentir que pertence à sua mãe, esta também tem necessidade de sentir que pertence a seu filho. E pertencer é fazer parte, não ser dono.
Quando a criança nasce, primeiramente precisa sentir que pertence à família, que faz parte dela. E, à medida que a criança vai crescendo, também precisará sentir que pode se diferenciar (ser quem ela é) e continuar fazendo parte dela. Todos nós temos estas duas necessidades: pertencer e se diferenciar.
Como acontece uma profunda identificação entre a mãe e o bebê, cuidar dele durante anos a fio parece o mais natural a ser feito. Mesmo que estas tarefas sejam por vezes cansativas e difíceis.
Precisamos também falar da importância do pai. Segundo Vicenzo Nicola, é a mãe que autoriza a criança a gostar do pai e a entrada dele no triângulo. O triângulo (mãe, pai, bebê) é a base do desenvolvimento psicossocial da criança. Para Lacan, o filho é sempre da mãe, e ser pai é um cargo de confiança da mãe.
Sabemos hoje em dia que o importante não são apenas as figuras materna e paterna, mas as funções. Alguém precisa desempenhar a função materna e paterna, na impossibilidade da existência de algumas destas figuras.
Precisamos, assim, da família. E o ideal é que família seja um espaço afetivo e seguro para crescer. Tanto que ao longo da vida vamos formando laços para ampliar a família: no trabalho, nas amizades, na vizinhança etc.
Os primeiros cuidadores funcionam como uma ponte relacional entre a criança e o mundo e ocupam, num primeiro momento, o lugar que o EU da criança ocupará mais tarde. Antes de sermos EU, somos NÓS, ou seja, é o relacional, sobretudo a relação que estabelecemos com nossos primeiros cuidadores, a pedra inaugural da nossa identidade e que refletirá quais serão as nossas expectativas de relacionamento com o mundo.
O amor, o respeito e a confiança (autoestima) que um indivíduo sente por si mesmo espelham, por sua vez, como foram suas primeiras relações estruturadoras e prognosticam, em última instância, como serão suas relações com o mundo.
Precisamos lembrar que no primeiro momento a criança depende dos outros. Depender de outra pessoa significa ter de se sujeitar e submeter à vontade dela. A criança é impotente, o adulto detém o poder. Esta situação é difícil para a criança e para o adulto. Significa ter de abdicar parte do nosso tempo, espaço, conforto e autonomia para essa pessoa.
A natureza não dota as mães de paciência excepcional e nem todas elas sabem, por instinto, como oferecer uma situação de dependência ideal para suas crianças. Normalmente encontramos mães impacientes, cansadas, que buscam atender rapidamente seus filhos para poder trabalhar ou fazer outras coisas de seu interesse.
A disponibilidade da mãe para seu bebê vai depender de fatores extremamente complexos que vão desde a sua infância e a forma como ela mesma viveu a dependência com seus pais, até as peculiaridades atuais de sua relação com o marido, da situação socioeconômica e cultural da família, como a sociedade atual valoriza ou não o papel materno etc.
O que significa esta necessidade de dependência básica da criança? Significa poder contar com pais que:
– façam-na sentir-se preciosa e importante e providenciem o que necessita enquanto não for autônoma;
– dediquem tempo e atenção para poder ajudá-la a definir seus próprios limites e a obter as informações de que precisa para lidar com a realidade e com suas próprias necessidades;
– permitam que a criança expresse seus impulsos agressivos e hostis sem se destruírem e sem destruírem a autoestima;
– permitam que a criança seja criança e ganhe autonomia ao crescer;
– sejam pessoas coerentes, consistentes, previsíveis que ensinem e ajam da mesma forma;
– sejam seres falíveis, que admitam seus erros e peçam desculpas.
Resumindo: a criança que é bem cuidada, que recebe atenção, tempo e tem suas necessidades satisfeitas, tende a ser um adulto saudável que será capaz de cuidar-se, ser cuidado e cuidar. Capaz de amar, ser amado e amar-se. Capaz de crescer e formar sua própria família. Portanto, a família tende a ser perpetuada, mesmo com mudanças na forma e nas tradições. Precisamos da família tanto quanto precisamos do ar que respiramos. Precisamos deste sentimento de pertencer, ao mesmo tempo em que necessitamos da autorização para sermos quem somos e vivermos a nossa vida.
Livros recomendados:
Nicola, Di Vicenzo – “Um estranho na família” – ed. Artes médicas
Bowlby, John – “Cuidados maternos e saúde mental” – ed. Martins Fontes
Cuukier, Rosa – “Sobrevivência emocional” – ed. Agora
Publicado na Revista nº 2 – 2010, da Ecola de Pais – Seccional de Biguaçu SC
Márcia Alencar – CRP-12/00559, Psicóloga, Psicoterapeuta e Hipnoterapeuta, Especialista em Psicologia Clínica – Florianópolis – SC psicomar@terra.com.br
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