Você, leitor e leitora, estão ali, confortavelmente esparramados no sofá, em frente à TV, aguardando passarem os comerciais para retomar seu programa favorito. Nem se dá conta do novo comercial de uma operadora de telefonia que se instala no porão da sua mente sem pedir licença.
O comercial começa com uma moça jovem, bonita (é óbvio) que caminha em direção à câmera de forma decidida e sorridente, enquanto a voz treinada do locutor diz, com todas as letras: “Bia acabou de sair do primeiro casamento… e acabou de entrar na internet” (o comercial era sobre as vantagens maravilhosas de você ter internet banda larga na sua casa). O locutor continua falando das grandes alegrias que Bia está vivendo, com seus novos amigos virtuais, e, principalmente, um amigo mais especial que ela acabou de conhecer na internet… E Bia já está falando com ele mais tempo que com os outros (um novo e fácil casamento?). Tudo isso emoldurado por uma atmosfera solar, feliz.
Se nos anos sessenta e setenta as mensagens subliminares eram a coqueluche da mídia, nos tempos atuais tal artifício foi abandonado pela chamada abordagem direta. A mídia escancara sua intenção. Que casamento, o quê? Que relacionamentos reais, o quê? Sai dessa, Bia, te diverte pencas e entra em outro casamento para, se conveniente, sair de novo.
E aí reside o pulo do gato da mensagem que se quer passar. A Bia, para ser feliz, tinha de sair do casamento. As pessoas, para estarem preenchidas, dizem “eles”, tem de estarem vazias. Esqueça esse negócio de cultivar relações, de assumir responsabilidades, inclusive nos momentos difíceis, de focar objetivos consistentes: Família, relações pessoais, estrutura religiosa.
O mundo moderno fragmentou a vida, inviabilizando a construção do senso crítico e da identidade pessoal, gerando uma sociedade alienada, vazia, deprimida. O Shopping é nosso templo; O consumo é nosso Deus; A fragmentação da vida é uma cultura (celulares e internet); A futilidade é moda; A identidade do indivíduo está intimamente ligada à sua capacidade de consumo.
Dentro dessa realidade, estimulada pelo deus consumo, a conduta descartável gera uma permanente insatisfação, que a publicidade promete suprir com o próximo produto. Mas, a publicidade sabe que mente, porque é imperioso que nenhum produto satisfaça. Hoje te vendem internet, amanhã, dirão que sua internet tem de ser banda larga. Depois de amanhã, holografia.
Nesse modelo, a cultura do desdém, do laissez-faire, é instrumento essencial para que a indiferença se perpetue como escudo à consciência coletiva, o que causa imenso prejuízo ao tecido social, porquanto é esse sentido de coletividade que nos faz lutar por sistemas sociais justos e acessíveis.
Com a desconstrução de nossas relações pessoais (a família em primeiro lugar) perdemos identidade, e não mais nos reconhecemos como integrantes da mesma família humana. Desse modo, fica fácil para o poder econômico transferir nossa potencialidade afetiva das pessoas para as coisas. Os objetos ganham destaque em nossas vidas, e são amados.
Qual a solução para este ciclo vicioso, que nos acabrunha a alma? Entendo que o primeiro antídoto para esse modelo de vida que devasta nossa capacidade crítica é: VOA! Sim, voa, ou seja, Vigia! (mas não teu vizinho, e sim, a ti próprio, tuas intenções, teus pensamentos); Ora! (a oração, tão em desuso, é instrumento poderoso de reflexão e pacificação interna. A oração nos põe em relação direta com Deus, permitindo uma conversa franca e positiva. Ora quantas vezes forem necessárias, durante o dia); Age! (de nada adianta prestar atenção nos pensamentos, fazer pedidos de forças a Deus, e não colocar a mão na massa. Agir no bem, é fazer Deus brotar a partir de ti. Age e sente a força motriz da vida transbordando na sensação perene do dever cumprido).
Por fim, concentra a mente naquilo que está fazendo. Dizia Fernando Pessoa: Se for para ser, sê por inteiro.
Faz bem feito tudo que te cai à mão, não importa se é um projetista de avião, se és a mãe fazendo o pão, se está montando um relatório governamental, ou arrumando a lancheira do filho. Faz com atenção, resgata em você o direito de estar presente na sua própria vida. Não te fragmentes! Não caia no conto do vigário de que é moderno fazer várias coisas ao mesmo tempo.
Nenhum sucesso, espiritual ou material, é possível naquele que está ausente de si mesmo. E, como dito, esta ausência interessa à sociedade de consumo, mas não interessa a você. Ao prestar atenção em você, fica mais fácil construir senso crítico, criar identidade. E, uma pessoa com identidade, essa sim, é uma pessoa plena. São essas plenitudes que nos preenchem, não as coisas.
Publicado na Revista Programa do 49º Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil – São Paulo – junho de 2012, p. 50.
Dr. Walterney Angelo Réus – Advogado
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