Cada criança é uma pessoa e um caso diferente, único. Cada idade tem as suas particularidades, pelo que é complicado prever…
Ato prévio – a comunicação invisível pré-natal
Antes mesmo de nascer, o bebê comunica com os irmãos, da forma «invisível» como as pessoas íntimas comunicam entre si, à semelhança do que acontece entre o feto com o pai. A partir das 34 semanas, mais coisa menos coisa, é normal os irmãos começarem a revelar instabilidade, excitação, tentativas de regressão (ocupação do espaço anterior, para que o bebê novo «bata com o nariz na porta», manifestada por voltar a querer chupetas ou biberão, dormir na cama dos pais, acordar mais vezes, ter períodos de choro) e humor variável. Algumas vezes chegam mesmo a ter sintomas de doença, como dores de cabeça, de barriga ou qualquer outro, não patenteado geralmente em sinais, mas que chamam a atenção dos pais e provocam uma regressão. Em alguns casos aparece mesmo febre.
Ato 1 – ir ou não à maternidade
É discutível se uma criança deve ou não ir à maternidade. Cada família decidirá por si, e dependendo da idade da criança, sobre o tempo que a mãe ficará na maternidade, os apoios que se possam ter fora e muitas outras coisas. No entanto, há que relembrar que este é um momento fundamental para todos, mas para a criança também. Poderá haver algum conflito de interesse entre os dos vários membros da família: mãe, pai, filho. Pensar prioritariamente no interesse da criança será o melhor, dado ser o membro mais vulnerável:
– numa altura em que só a verdade conta e que a criança está com receio de ser trocada ou abandonada, ela estará atenta aos pormenores, porque é neles «que o diabo se esconde». Herdeira dos sobreviventes, como nós, é uma desconfiada por natureza e por instinto. Andará, por isso, a ver se os pais falam a verdade ou não;
– visitar um hospital, mesmo que se chama maternidade (pública ou privada, tanto faz – as luzes são sempre «de hospital», as batas brancas e o soro com agulha…), onde a criança sabe que vão os doentes, e dizer que a mãe não está doente é algo de absurdo. Das duas uma. Ou algo está errado no local e coitada da mãe – e a criança sofrerá por isso – ou estão-lhe a mentir e a mãe está mesmo doente. E se não lhe querem dizer a verdade, então provavelmente vão mentir sobre muitas outras coisas, ou será que a mãe adoeceu por alguma coisa que ela, criança, fez? Ou será que é o mano que já está a causar a doença da mãe mesmo antes de ter nascido?
– ver o bebê ao lado da mãe, designadamente a mamar, pode ser complicado porque detecta, em todos os movimentos e expressão da mãe, a paixão desta pelo bebê. Será também assim em casa, mas num ambiente externo, que não compreende totalmente e em que a sua presença é limitada, o choque pode ser maior;
– mas mesmo que, durante a visita, tudo possa até correr bem, com o novo mano a um canto, sem ocupar demasiado espaço na relação, há um momento «fatal», em que, sabe-se lá porquê (nem nós adultos, percebemos muito bem), a mãe farta-se da criança e a expulsa do quarto e o pai colabora arrancando-a da mãe e levando-a para longe, deixando a mãe sozinha com o bebé, ou seja, a opção foi feita e o momento seguinte será apenas saber onde a abandonarão – é assim que a criança interpretará o que se passa;
– se o internamento for curto é, provavelmente, preferível deixar a criança com avós ou tios, com quem ela esteja bem habituada, para um «programão» enquanto os pais «vão ali ter um bebê», coisa que é chata e não é apetecível. Pelo contrário, o programa que a criança vai ter é fabuloso, cheio de coisas interessantes e variadas;
– se, por acaso, for à maternidade, então explicar que a casa onde se têm bebês, que é uma casa como a nossa (deveria na realidade ser muito semelhante) está fechada para obras e que por isso a mãe teve que ir para ali, mas que não está doente… foi tudo por causa das tais obras;
– antes da enfermeira ou da auxiliar entrarem a anunciar que «senhoras visitas e meninos têm que sair», o pai pode dizer à criança algo como: «olha, não sei o que tu pensas, mas eu estou farto de estar aqui. Está calor, não se faz nada, apetecia-me imenso ir comer um gelado e se calhar comer um hamburger. Alinhas nisso? E a mãe? A mãe não pode, olha quem fica a perder é ela, mas a gente depois amanhã traz-lhe um bocadinho para ela não ficar gulosa». Isto não é mentir, é contar a verdade de uma forma leve e sem angústia;
– depois de sair, e se a criança quiser regressar, pode sempre dizer «olha, eu estou cheio de sono e se calhar devíamos ir para casa, eu vou contar-te umas histórias e amanhã, cheios de genica, voltamos lá. Não achas que era um bom plano?».
Ato 2 – o regresso
Se o vosso melhor amigo, um dia, arrombar a vossa porta e entrar pela vossa casa dentro, tenho a impressão que vocês «se passam».
Mesmo sendo o melhor amigo. Pelo contrário, se o convidarem para jantar, mesmo que se prolongue até às tantas e estejam com sono terão que o aturar, pois vocês é que o convidaram e ele é vosso amigo… No regresso a casa é indispensável que a criança (e o animal que existe dentro dela) não veja o seu território subitamente invadido pela entrada de outro animal. Assim, é bom que a criança vá buscar o mano (ou mana!) ao carro, tenha tempo para o olhar e depois que seja ela a abrir a porta e a introduzi-lo em casa.
Será um momento histórico que não é modificável. Para todos os efeitos, foi ela que o introduziu no território. E, mesmo cansados, os pais devem pedir-lhe se «mostra a casa ao mano, diz onde é a caminha dele, o teu quarto, a sala». É bom que seja ela a mostrar ao novo animal que entra os cantos à casa e as idiossincrasias do território, designadamente o seu quarto, no qual o recém-chegado não entra. Devemos dizer-lhe que é uma privilegiada em ter o seu «gabinete», ao qual o dito «estagiário» não tem acesso.
Ato 3 – os presentes
Uma caneta dourada significa: «meu caro, gostei muito do seu trabalho, mas agora já pode ir pensando em esvaziar as suas gavetas porque o papel da reforma compulsiva já está assinado».
Porque razão, então, os pais haveriam de dar algum presente à criança? Não é Natal, não faz anos. Para a compensar? De quê? Acaso a espoliaram de alguma coisa? Pelo contrário, o mano trazer um presente faz todo o sentido. Até porque é normal quem vem de viagem, como é o caso do bebê, trazer alguma coisa para os que ficaram.
Além de ser lógico tem outra vantagem: o bebê não pode ser má pessoa, pois até trouxe um presente e – incrível! – escolheu exatamente aquilo que ela queria. Como é que adivinhou? Não escolheu uma coisa ao acaso, o que significa um acréscimo de afeto e de carinho.
Ato 4 – as visitas
Além do que escrevi num dos recentes artigos, em como as visitas sociais são indesejáveis e contraproducentes, exceção feita às «fadas madrinhas» que ajudam discretamente, sem se dar por elas, vale a pena referir que um ambiente de grande agitação vai provocar insegurança na criança, dado que é difícil alguém consciencializar-se que as coisas pouco se alteraram quando a confusão é reinante e as conversas díspares e, sobretudo, centradas no irmão, para além do «leilão» que podem representar: «quem vai levar a criança, já que naquela casa existe um modelo mais recente?».
Ato 5 – a reposição da normalidade
Com o tempo a criança verá que a rotina continua e que ninguém a abandona. Haverá momentos de maior stresse, quando há atrasos a ir buscar, quando as suas expectativas parecem ser defraudadas, é preciso muito cuidado em ter a certeza, por exemplo, que quando nos deslocamos numa fila de uma pastelaria ou nos corredores de um supermercado, as crianças continuam a ver-nos.
O nosso desaparecimento, mesmo que por instantes, pode ser vivido como um filme de terror. Com tempo, dar-se-á a habituação à existência e permanência do bebê, e a força dos sentimentos mais negativos será, substituída pela força dos sentimento apelativa.
O teu lugar para Sempre
Vínculos, morte e silêncio. Os vínculos mais fortes e indissolúveis são, na opinião de alguns autores, criados pela descendência biológica, entre pais e filhos, e ainda entre o casal. Na família, em que esses vínculos invisíveis ligam profundamente as pessoas, a vida está profundamente ligada à morte, ou seja, os que vivem, sentem-se ligados aos que partem.
Inútil sublinhar os efeitos terríveis que o silêncio tem neste processo, que muitas vezes é uma opção tácita entre os adultos, especialmente nas «famílias em que tradicionalmente não há uma grande partilha de emoções, em que não se fala muito».
A implicação deste silêncio ou segredo a propósito da morte de um irmão que nunca se conheceu ou de quem não se tem memórias significativas, assume proporções negativas e graves na vida futura das crianças que «ficam». Nem chorada nem vivida, e até por vezes escondida, essa morte de que não se fala, pode deixar marcas quer no filho primogênito ou no que nasce a seguir, e que de alguma forma «herdam» o peso enorme dessa morte, através dos sentimentos ocultos dos pais.
Novas teorias psicológicas, como a das constelações sistêmicas, criada pelo psicanalista Bert Hellinger apontam esse facto como um dos mais significativos, em termos de poder quebrar a «ordem da família», em que existe uma dinâmica invisível de afectos. E isto que significa?
Que perante o sofrimento e a dor dos pais nunca claramente assumida, mas que se abatem sobre os filhos que ficam, os irmãos tendem a compensar e a expiar a dor dos pais, e podem querer «seguir» o irmão na morte, ainda que de uma maneira simbólica, ou seja, abdicando da sua própria vida, tornando-se incapazes de se vincularem saudavelmente aos outros e construírem a sua própria família e os seus próprios projetos pessoais.
Sentem-se «culpados» por estarem vivos, em lugar do irmão que partiu, e essa culpa pode acompanhá-los a sua vida inteira, tornando-se num verdadeiro obstáculo no que diz respeito a poderem um dia construir a sua própria vida afetiva e emocional de uma forma estável e equilibrada.
O luto que liberta
Este tipo de consequências face à morte de um irmão, como o medo e a culpa, que levam, por sua vez, a uma excessiva responsabilização face às expectativas dos pais, atuam sempre de forma compensatória, como vimos. São muito mais frequentes do que se possa pensar, e podem fazer-se sentir de modo por vezes bastante subtil.
Explicando melhor, não são raros os pais que consciente ou inconscientemente culpabilizam o filho que ficou, projetando nele o sofrimento pela morte do irmão mais velho. Fechados na sua dor, podem ter tendência a retirar a identidade ao filho vivo, «como se ele não existisse aos seus próprios olhos», atribuindo-lhe as qualidades do que desapareceu ou valorizando apenas as parecenças que possa ter com o que morreu.
Podem ainda tornar-se super-protetores, impedindo-o de correr riscos e de viver plenamente a sua vida. O sofrimento patológico de algumas mães arrasta-se uma vida inteira, que choram o filho morto muitos anos depois de ele ter partido, o que pesa de uma foram esmagadora nos que ficam.
A verdade é que sobreviver saudavelmente a um irmão que nasceu morto, padeceu de morte súbita em tenra idade ou como fruto de doença prolongada, implica que se faça um luto em conjunto, que permita chorar e lamentar até ao limite a dor dessa perda, para que finalmente sobrevenha a aceitação. E esta traz, como vimos, a possibilidade de construir um futuro, o que inclui um espaço de amor e relativa tranquilidade em que o irmão ou irmã desaparecidos serão lembrados amorosamente.
Mas se este luto não é feito, se a dor não é ultrapassada realmente, e se a vida não é suavemente retomada, salvaguardando as memórias de quem partiu, prova de o amor é eterno, corremos o risco de emaranhar e confundir a nossa vida e a dos outros.
Quando um bebê nasce morto ou vive pouco tempo:
O que não se deve fazer:
1 – Colocar a mãe que perdeu o seu bebê, na enfermaria da maternidade, juntamente com outras mulheres e os seus bebês, pode ter um efeito nefasto face a uma perda tão dura. O sofrimento desta mulher acentua-se gravemente face à felicidade das outras mães, e expõem-na à curiosidade alheia e a perguntas indesejáveis.
2 – Por inconsciência ou leviandade, certas mulheres insistem em comentar com as mães que acabam de perder o seu bebê, as suas próprias experiências de aborto ou morte de recém-nascidos, desvalorizando a dor e o sofrimento de quem acaba de passar pela mesma experiência.
Inadvertidamente, acabam por fazer passar a mensagem de que não estão interessadas em ouvir uma história que as perturba.
3 – Um tipo de comentário cruel e doloroso, é o fato de tentar consolar a mãe que vive uma perda, dizendo-lhe: «não se importe, ainda é nova e terá oportunidade de vir a ter mais filhos». Este tipo de observação retira o valor do bebê recentemente perdido, face aos outros que virão. Outra frase proibida, será: «a vida é assim e tem que a aceitar e seguir em frente». Ou ainda: «tem sorte em ter tido apenas um aborto (ou um recém nascido morto), eu tive vários», reduzindo a dor da perda recente a uma cruel «competição». Encorajar a mãe a tentar rapidamente uma nova gravidez, como método de ajudar ao esquecimento, pode, por vezes, complicar o processo de luto.
O que se deve fazer:
1 – Reconhecer e validar a perda recente, o que pode ser feito de uma forma simples, como dizer «lamento a sua perda». Esta atitude é crucial porque dão aos pais a oportunidade de a lamentarem, de fazerem o seu luto e de verem a sua dor reconhecida pelos outros. No caso dos abortos em princípio de gravidez, a perda é mais subtil, e a oportunidade de validação é menor do que os casos em que a gravidez está mais avançada e, portanto, publicamente visível.
2 – O apoio dos avós e outras pessoas de família, assim como os amigos, é particularmente significativo. Devem estar presentes, mas também é necessário a ajuda de profissionais de saúde com experiência nestes casos, e que normalmente tendem a estar ausentes nestes processos. Estes devem falar sobre o que está em causa nesta perdas, reconhecendo e validando o acontecimento.
http://www.paisefilhos.pt/index.php/gravidez/gestacao/80-a-gravidez-vista-pelos-irmaos?showall=1
Escrito por Mário Cordeiro (Professor de Pediatria)
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