RESUMO
O presente artigo tem a intenção de propor reflexões sobre como promover a cultura da paz no ambiente escolar. O objetivo é convidar educadores e profissionais a refletirem sobre a importância do papel da escola como mediadora no processo de resolução de conflitos, e ainda pensar em como lidar com práticas que incitam a violência, entre elas o bullying.
Introdução
Pensar o tema da Cultura de Paz na escola implica em considerar uma gama de reflexões, entre elas, sobre como esta instituição constrói sua ontologia, como lida com os conflitos e, sobretudo, de que recurso dispõe para realizar as intervenções que promovam esta condição.
Para falar de Paz no âmbito escolar convém também pensar sobre os aspectos afetivos determinantes das condutas violentas e sobre os aspectos sociais que se fazem presentes nas propostas atuais de inclusão (que demandam aceitação das diferenças), entre outras possibilidades.
Por se tratar de tema muito amplo, farei aqui um recorte que privilegia minha experiência numa instituição educacional que atende crianças e jovens com dificuldades múltiplas no desenvolvimento. Trata-se, pois, de algumas reflexões acerca do meu fazer, que me inspiraram a observar como a escola pode trabalhar com estas questões no sentido de ser coautora de uma cultura da Paz.
Tenho acompanhado em minha prática institucional, diversos casos de agressões e violência no âmbito escolar. Alguns caracterizam o bullying, outros, não menos graves, apontam a violência como forma de resolução de conflitos.
Muitos autores têm salientado a importância de considerar a influência do meio em que vivem crianças e jovens violentos, entendendo esse comportamento como resultado de relações familiares pautadas pela ausência de cuidados, omissão na transmissão de valores morais contrários à violência ou ainda, como sendo, eles próprios, vítimas de violência doméstica.
Por certo, essas considerações são bastante relevantes na maioria dos casos, mas, isoladas não explicam a situação como um todo. Penso que tanto causas intrapsíquicas, como sociais e relacionais estão na base de comportamentos violentos. Mas é a combinação delas que torna a situação tão complexa.
Conforme aponta TOGNETTA & SADALLA (2009), a partir das investigações sobre as relações familiares e sociais, observa-se a frustração sentida pelo sujeito quando há uma intensa exposição à violência que leva a um comportamento negativista, que por sua vez evolui progressivamente para um comportamento agressivo. Para essas autoras, a busca de um valor positivo de si, de um ser melhor diante dos outros e de si mesmo, de uma boa imagem ou de “pertencer” a um grupo, poderiam explicar, pelo menos em parte, a violência humana.
Frente a isso, e com a preocupação em como intervir na situação de violência que ocorre na realidade educacional, passamos a nos questionar: Qual o lugar da Escola como construtora do ser em desenvolvimento? Como podemos colaborar com a superação da violência no âmbito institucional? Como esperar que crianças e jovens aceitem e respeitem as diferenças, quando um amplo nicho da sociedade tem dificuldades em fazê-lo? Como acolher o sujeito vítima de violência? Como acolher o que impetra a violência, este também tão necessitado de ajuda?
ESCOLA PARATODOS
As tendências vigentes neste cenário apontam no sentido da promoção de uma escola para todos, de uma escola inclusiva. Caminham na direção de uma estrutura educativa, de suporte social, que receba todos, independentemente das suas condições físicas, sociais, étnicas, religiosas, linguísticas, ou outras. Uma estrutura escolar que aceite as diferenças, que apóie as aprendizagens, promovendo uma educação diferenciada, respondendo assim às necessidades individuais.
Mas falar de inclusão não é tarefa fácil e neste cenário, além das vantagens óbvias que se apresentam, outras situações mais delicadas apontam para a necessidade de estarmos atentos à complexidade de uma convivência pacífica e respeitosa em se tratando de aceitar diferenças, seja no plano físico, social ou pedagógico.
Venho trabalhando há mais de 20 anos com crianças e jovens que podem ser nomeados de “diferentes”, pois apresentam dificuldades na aprendizagem decorrentes de fatores genéticos, neurológicos, emocionais, cognitivos. Portanto, sujeitos-alunos alvos da Inclusão Escolar. Tenho também acompanhado o trabalho de muitos colegas, no sentido de encontrar respostas e soluções para o desafio no qual essa proposta se constitui.
Dessas experiências/observações emergem duas ideias centrais. A primeira delas refere-se à necessidade de construir uma proposta que traga benefícios pedagógicos e sociais para o aprendente, ao longo de toda a trajetória inclusiva, não sendo, portanto pontual. A outra, diz respeito ao cuidado com que essa inclusão deve ser feita, levando-se em conta as singularidades de cada sujeito, as especificações de cada estabelecimento de ensino e o preparo dos profissionais, para não incorrer no risco de uma estigmatização que se tornaria ela própria, uma vivência de exclusão.
Na maioria das vezes, essa estigmatização apresenta-se sob forma de uma violência silenciosa, onde mesmo o agredido tem dificuldade em nomear o que está sofrendo. A isso podemos nomear de “bullying”.
A palavra inglesa, numa tradução livre significa “valentão”. E designa toda forma de violência moral ou física que um estudante pode sofrer.
O problema não se limita à troca ocasional de empurrões ou a um apelido supostamente engraçado, que ocasionalmente acontece na escola. Trata-se, outrossim, da repetição de eventos violentos e negativos que ferem sistematicamente à vítima tornando sua estada na escola insuportável.
O termo bullying compreende todas as formas de atitudes agressivas, intencionais e repetidas, que ocorrem sem motivação evidente, adotadas por um ou mais estudantes contra outro(s) causando dor e angústia, e executadas dentro de uma relação desigual de poder. Portanto, os atos repetidos entre iguais (estudantes) e o desequilíbrio de poder, são as características essenciais, que tornam possível a intimidação da vítima.
É uma prática que atinge indiscriminadamente alunos do Ensino Fundamental e Médio, chegando por vezes até a Universidade.
Infelizmente, existe uma grande dificuldade em detectar este tipo de comportamento, uma vez que a vítima sente-se coagida a não delatar, pois isso, na maioria das vezes, acarretaria mais violência, num círculo vicioso sem fim.
Os alunos nesta condição apresentam diferentes reações, que vão desde o retraimento ao isolamento, chegando até a não quererem mais frequentar a escola.
Entre os agressores estão aqueles que se sentem superiores, exercendo uma liderança negativa. Alguns até já foram vítimas dessa violência, mas, quando o ambiente é propício, sentem-se encorajados em imputar ao outro o sofrimento que passaram.
A VIOLÊNCIA NA INCLUSÃO: UM PROCESSO DE EXCLUSÃO
Por escapar ao escopo deste trabalho, não me deterei em maiores considerações sobre o processo de inclusão. Vou aqui focar minhas considerações na perspectiva da violência subjacente a um processo de inclusão que exclui.
Esta categoria refere-se a incluir o aluno, com necessidades especiais, em uma sala de aula, de ensino tradicional. Como se não bastassem as dificuldades específicas encontradas na realização das tarefas escolares, soma-se a estas as questões de ordem relacional.
As experiências relatam histórias de crianças e jovens que sofrem ações persecutórias (muitas vezes ocultas) com graves danos para seu desenvolvimento, sobretudo no tocante a autoestima.
Como exemplo, trago algumas narrativas sobre um jovem que veio em busca de atendimento especializado, depois de frequentar por algum tempo uma escola tradicional.
G. tem 14 anos, frequenta escola particular de classe média alta, na 4º série do Ensino Fundamental. Foi reprovado duas vezes e atualmente ainda apresenta muita dificuldade em acompanhar os colegas. Exclui-se das atividades no pátio e seus colegas não o aceitam em grupos de estudo. Queixa-se de estar sofrendo por não ser aceito socialmente, sendo alvo de apelidos e brincadeiras maldosas. Os professores afirmam que sua evolução pedagógica é lenta e defasada do restante da classe. Está bem acima do peso e apresenta hipotonia da face e dos membros superiores.
A mãe fala:
Não entendo o que se passa com meu filho. Ele tem aparência normal, mas ninguém o convida para as festinhas. Também não tem amigos que vão à casa. Ele chora quando tem que ir para a escola e se queixa de dor de cabeça. Não faz a lição sozinho e diz que a professora se esquece dele. Também a coitada, com 28 alunos em sala, ela não pode prestar atenção nele.
A professora fala:
G. é muito carinhoso. Mas sinto que ele não se relaciona com os colegas e tem muita dificuldade em acompanhá-los nas aulas. Ele se esforça, mas não consegue. Tenho pena dele e fico muito triste, pois não sei como ajudá-lo.
O aluno fala:
A professora é muito boazinha, mas ela nunca me chama para a lousa. Não tenho amigos na sala e não gosto de responder as perguntas que a tia faz alto, pois todos riem de mim. Até a professora dá risada. Não quero mais ir para a escola.
Os colegas falam:
1. Ele é bobo. Não sei por que está nesta escola.
2. Ele só fala besteira, coisas que não tem nada que ver.
3. Coitado, até que ele é bonzinho.
4. Outro dia, fiquei chateado de prender ele no banheiro, mas depois achei engraçado.
Este tipo de experiência, embora advenha de uma proposta calcada nos direitos iguais para todos, o seu sucesso fica na dependência de encontrar professores e colegas que estejam aptos a dar continência para as necessidades específicas de cada aluno, o que, como se vê, nem sempre é possível.
É frequente, que o próprio grupo de inserção crie dificuldades para esses alunos, colocando-os em desvantagem, em virtude de ambientes restritivos, discriminações discutíveis e desinformação sobre as demandas especiais e os direitos de seus portadores, tudo isso aliado ao desrespeito e à permissão do contexto escolar, no qual ele incorre.
Embora bem intencionada, essa proposta pode acarretar sofrimento para o aluno, que se vê excluído e tende a abandonar suas reais possibilidades de aprendizagem; e para sua família, que pensando estar oferecendo o que há de melhor, não consegue alcançar o tão esperado desenvolvimento do filho.
Alvo de críticas, gozações e humilhações por parte dos colegas, muitos alunos acabam desistindo da escola. Depois de muito sofrerem, alguns deles utilizam a mesma arma como instrumento de “superação” do poder que os subjugava. Quando resolvem reagir, o fazem contra todos da escola, pois entende que todos teriam se omitido e ignorado seus sentimentos e sofrimento.
AÇÕES DO EDUCADOR/TERAPEUTA
Acredito que Pais, Educadores e profissionais da Saúde devem dar a devida atenção ao problema da violência, não o justificando como “coisa da idade” ou “normal entre adolescentes”. Pois quando se pode nomear o problema, existe a chance que ele seja abertamente discutido e tanto a vítima quanto o agressor podem ser devidamente cuidados.
Entendo que, quando não há intervenções efetivas, seja contra o bullying, seja contra atos violentos em geral, o ambiente escolar torna-se totalmente contaminado. Todas as crianças, sem exceção, são afetadas negativamente, passando a experimentar sentimentos de ansiedade e medo.
Infelizmente, constato que muitas vezes a escola não promove a construção de uma solidariedade entre os pares ou mesmo entre diferentes níveis hierárquicos.
Pela brevidade deste artigo, optei por trazer aqui um enfoque maior centrado na violência entre os pares, mas não posso, como educadora, deixar de mencionar tantas outras situações que caracterizam a violência NA escola e DA escola: Professores que agridem verbalmente e humilham alunos, professores que são agredidos por alunos e pelos pais destes; profissionais da Educação desrespeitados pelos empregadores, e toda uma gama de situações que traz dor e sofrimento à vítima da violência.
Ao observar o contexto mais amplo, resta a nós, como educadores e terapeutas, perguntarmos: Como podemos ajudar? Como fazer para que nossos alunos sintam-se respeitados, nossos profissionais valorizados, as famílias compreendidas e acolhidas? Como contribuir para a construção de um autorrespeito, de relações significativas que tragam o sentimento de pertencimento, tão importante para os seres humanos?
Sabemos que a violência é um fenômeno que atinge também a escola, mas, se tivermos uma visão de mundo voltada para cultura da Paz vamos introduzir uma preocupação com o bem estar do ser humano, que nos leva a criar patamares de respeito, onde cada um terá um fórum de escuta e de acolhimento, e onde os conflitos podem ser mediados, levando seus interlocutores a se sentirem pessoas de valor.
Referências
POLITY, E. A Criança e suas Redes: conversando sobre a Inclusão Escolar. Nova Perspectiva Sistêmica. Nº 26, março de 2008.
TOGETTA, L. & SADALLA, A. M. Ética e violência na escola: dois extremos, um mesmo desafio. Programa de Formação, Escolas Associadas Pueri Domus, 2009.
Este artigo foi publicado nos Anais do 46º Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil, com o tema: Família nos tempos que correm. Para onde vai? 2010.
Este artigo foi publicado na Revista nº 3, p. 29, da Escola de Pais – Biguaçu – junho de 2011.
Elizabeth Polity – Doutora em Psicologia, Mestre em Educação, Terapeuta Familiar, Psicopedagoga, Psicoterapeuta clínica, Diretora do Colégio Winnicott, Ex-Presidente da Associação Paulista de Terapia Familiar, Didata e Fundadora do Instituto de Formação CEOAFE – Centro de Orientação e Aconselhamento Família-Escola; Autora de Diversos livros.
Me ajudou muito as opiniões desse texto agradeço, todos na escola tem que aprender q todo o mundo tem uma chance.