Valores e Limites no Mundo Atual

Para falar de limites e valores reporto-me a instituição família. Porque é no seio familiar que formamos o cidadão. Segundo o médico psicoterapeuta Isaac Mielnik, membro atuante da Escola de pais do Brasil, nos coloca: “A família perfeita ou imperfeita, bem ou mal organizada, possui uma força formadora inerente a cada grupo social.” “… A formação de laços afetivos intrafamiliares, como o amor, carinho, ternura, afago e afetividade, de modo geral desempenha a função de elemento de maior importância como fonte de carinho e comunicação afetiva positiva.”

Isto significa que os pais  devem ficar atentos, pois a família continua sendo, apesar de todas as mudanças que observamos e vivenciamos neste mundo, o âmbito primário privilegiado de personalização e socialização. É um espaço de autorealização, comunicação, lazer e afeto.

É na família que acontecem as primeiras experiências, é onde o pequeno ser aprende a dar os primeiros passos, as primeiras quedas, e os primeiros estímulos. Recebe deste núcleo a influência na configuração da forma pessoal com que cada um se situa no mundo. É neste ambiente que recebe os primeiros ensinamentos que fortalecerão a sua vida. O que a vida virá lhe oferecer servirá para modificar ou enriquecer as experiências tanto negativas quanto positivas.

A família é hoje uma realidade frágil. Os vínculos se tornaram frágeis. Presenciamos o surgimento de novas configurações de família e devemos conviver com estas novas formas. De um lado, houve ganho na liberdade do ser humano diante de pressões sociais em manifestações de afetos, por outro lado, as pessoas envolvidas, por vezes, se sentem perdidas ou ameaçadas, e os vínculos familiares ficam fragilizados. Novas uniões, filhos de outro casal, outros irmãos.  E a sociedade tenta elaborar e absorver este novo modelo. Educação é um mecanismo de integração em uma dada realidade. Numa sociedade em constante transformação e pluralista há mais necessidade de educação.

Compete  à família a construção e a vivência de valores, a fim de formar pessoas de caráter, éticas e felizes. Compete ao Estado a responsabilidade de fazer valer a Lei para que os deveres e os direitos do cidadão sejam respeitados. Ao cidadão compete zelar pela boa conduta do Estado na implementação do que é direito de todos.

Educação é um processo de experimentação que nos permite desenvolver a capacidade de discernimento e as habilidades sociais necessárias para que as pessoas passem a se comprometer de modo criativo num mundo dinâmico. A educação é uma tarefa permanente de quem está comprometido com a realização e a felicidade do ser humano.

Segundo  Tida Lima Gonçalves, para entender o ato de educar precisamos estar atentos:

“1º ajudar uma pessoa a tirar o melhor de si mesma.”

“2º orientar o crescimento.”

Para tanto, é preciso uma combinação de exigência e respeito, de colocar limites, treinamento de liberdade, controle da vontade e principalmente muita estimulação, de paciente espera, da pluralidade de ofertas vitais que dão experiências pessoais, (êxito, fracasso, busca, etc.)

Tais experiências realizam-se em torno do diálogo, respeito, reciprocidade, comunicação e solidão. Neste mundo em movimento somos convidados a refletir constantemente sobre a imagem de nós mesmos e as escolhas éticas que nos situam neste mesmo mundo. Educar é uma questão ética, quem gera filhos está eticamente comprometido a educar estes filhos gerados. Para realizarmos esta tarefa faz-se necessário o permanente diálogo entre os diferentes membros da família, a partilha das experiências que somam numa grande riqueza.

A família é um campo de realização nos mais diferentes níveis. Além dos hábitos de higiene e estética, as condutas social, moral, intelectual e religiosa são vivenciadas no seio familiar através da imitação. Isto quer dizer que a autoridade moral e o entusiasmo dos pais transmitem valores, gostos, interesses e prioridades, como seguir a profissão dos pais, gostar do que eles gostam e ir aos mesmos lugares.

Segundo Nunes (1996, p. 73), “a educação é um fenômeno humano e social, com suas determinações históricas.” Ainda para Nunes (2003, p. 35), a Educação pode se tornar efetivamente emancipatória quando:

 […] articula a teoria, a reflexão analítica, como a ação consistente, metódica, politicamente determinada com a intencionalidade propositiva. Chamamos de emancipatória a perspectiva e prospectiva que visa produzir autonomia crítica, cultural e simbólica, esclarecimento científico libertação de toda forma de alienação e erro, de toda a submissão, engodo, falácia ou pensamento colonizado, incapaz de esclarecer os processos materiais, culturais e políticos.

A família educa com sua maneira de viver, seus bons exemplos. Mas o comportamento inadequado das famílias também educa. A família é o primeiro núcleo político, onde acontece a relação efetivamente sócio política e  cultural.

Conforme coloca a pedagoga Helena Maria Siqueira Sigoud, “o principal alimento que podemos dar aos filhos é o amor através de todas as atitudes que o traduzem na vida diária. Ele irá nutrir sua alma, o que permitirá que alce voo: primeiro em nossa casa, depois no seu casamento, depois com seus filhos, no escritório, na rua, não importa onde. Mas antes de tudo conquistar um lugar de destaque consigo próprio.”

Entende-se que a família é uma escola de valores. Ela se constitui em um laboratório prático no qual aprendemos a viver e conviver de maneira natural. Através deste convívio compreenderemos o mundo que nos cerca e faremos pequenos ensaios para nos inserir nele. Com confiança e apoio dos pais.

No campo familiar educa-se para liberdade. Porém nunca o homem teve tão poucas restrições como nos tempos de hoje. Embora esteja rodeado de tecnologia que permite ao homem estar em muitos lugares  ao mesmo tempo e falar com pessoas mais distantes. Embora tenhamos toda esta facilidade, vivemos um mundo que gera submissão.

Erich Fromm, alerta: “O homem pode ser um escravo sem grilhões; nada mais se faz do que transferir as algemas do exterior para o interior do homem.” O aparato sugestionador da sociedade gera o entulho de ideias e necessidades. Estes grilhões são mais fortes do que os exteriores, porque este último, ao menos, o homem os vê, mas não se dá conta dos grilhões internos que arrasta, pensando ser livre.

Pensemos: Na sociedade há muita liberdade de, mas pouca liberdade para. Por quê? Porque faltam critérios que nos ajudem a descobrir as escolhas que podem nos ajudar a realizar um projeto de vida que valha a pena. Educar é um projeto contínuo. A transmissão de princípios se faz no varejo, nas miudezas do cotidiano. Diante dessas afirmações as famílias precisam cultivar atitudes que não são comuns, como: “Trabalhar a interioridade”; “Cultivar o espírito crítico para os filhos aprenderem a fazer escolhas e opções, conquistarem sua autonomia”; “Usar inteligentemente os meios de comunicação”; “Assumir responsabilidades de forma progressiva, bem como a consequência de seus atos e escolhas”; “Ensinar a estimular para que façam o seu projeto de vida (com realismo e coragem)”; “Aceitação da correção paterna como instrumento de crescimento dentro da autonomia”; “Descobrir que aceitar laços de fidelidade e solidariedade com pessoas e com valores, não significa se opor à liberdade, mas experimentá-la”; “Aceitar que no exercício da liberdade será preciso enfrentar conflitos, saber negociar com os outros e respeitar os pontos de vista”; “Compreender a necessidade de libertar os outros e a si mesmo.” (Frei Almir Guimarães).

Tudo o que foi mencionado é possível de ser realizado em famílias que primam e buscam um clima de harmonia, aceitação e entendimento das divergências de ideias, respeitando o outro. Ela educa no exercício da democracia, pois  faz parte da vida do cotidiano de um lar. Entender de que os membros devem usar da fraternidade, diálogo e tolerância nas mais diversas situações. Ao partilhar com os irmãos a vida em família estaremos mostrando ao mundo e criando este filho para o mundo, como um verdadeiro cidadão.

Em família educa-se também para a justiça. O valor das normas para a convivência, a importância do respeito e a função cicatrizadora do perdão. Eu penso, mas o outro também. Eu sei, mas, o outro também sabe. Esses relacionamentos na convivência familiar fortalecem a concepção e atitude de ser justo.  Neste clima familiar se descobre que cada pessoa é única e sagrada. Aprendem-se os direitos nas mesmas proporções que se aprende e cumprem-se  com os deveres. Aprendemos o valor das diferenças e da diversidade.

A vida familiar nos ensina a importância do perdão, flexibilidade, tolerância e da misericórdia. Sem tais atitudes os tornamos  cidadãos frios, gélidos. E esta frigidez se multiplica na sociedade.

A autoridade, a honra, a renúncia a privilégios, o respeito à disponibilidade e a sinceridade  são valores que devem ser experimentados, vividos em família, no pequeno grupo criado com amor. Na solidariedade está posta a ampliação que devemos ter na forma de agir com os outros e pelos outros.  Enxergar no outro o ser que também busca seus objetivos e quer vencer. Compreenderque o amor é um dos sentimentos mais importantes que rege estas relações. A família constitui um verdadeiro laboratório, onde serão desenvolvidas as mais diversas experiências de vida para desenvolver as habilidades sociais básicas da solidariedade, (capacidade de acolhimento, apreço, ajuda mútua, comunicação sincera, manifestações afetivas, prática do perdão, espírito de conservação).

Em família aprende-se a postura de gratidão, do doar-se, de amar incondicionalmente.  Do ganhar e de perder.  Testemunhar. Saber discernir. Ser verdadeiro. Aprende-se engolir o não e, agradecer. Segundo Isaac Mielnik, “Na família, constatamos uma relação entre o amor e o poder: o amor como ternura e o poder como autoafirmação. Ambos funcionam na família e interagem”.

Toda prática educativa libertadora, que valoriza o exercício da vontade, da decisão, da resistência e da escolha, respeitando as emoções, os sentimentos, os desejos e os limites colabora para a plena realização de ser em desenvolvimento.

Afirma, Oswaldo de Barros Santos, Dr. em Psicologia “Havendo autoridade, haverá deveres e direitos. O ser humano busca um equilíbrio natural de conduta para evitar ansiedade, causada pelo medo de qualquer sofrimento físico ou psíquico, real ou imaginário. Limites ou critérios de vida, podem pois contribuir para que o indivíduo avalie  seu  equilíbrio e sua conduta.”

Ao refletirmos sobre esta afirmação podemos entender que os pais tem a obrigação de conduzir a educação de seu filho para que ele absorva a autoridade de pai ou mãe e que ele como cidadão tem seus direitos  reservados e protegidos, porém como cidadão tem deveres a cumprir exercendo o papel de filho, amigo, estudante e em outras situações. O sujeito se sente  tranquilo de acordo com os modelos a que foi exposto.

Por isso,  que o papel de pais  deve ser encarado como um missão de responsabilidade exercida com sentimentos construtivos para a realização de um ser humano mais feliz. Pe. Paul-Eugéne Charbonneau, conclui dessa forma  num dos Congressos da Escola de Pais do Brasil: “Educar para o  futuro é armar o jovem para enfrentar o mundo num projeto constante, no qual o peso do passado não  constará a não ser como lembrança; no qual o peso do presente não será mais do que um instante, de forma a  tornar o jovem um homem novo num mundo novo. Deixemos para trás nosso complexo de velhice, abandonemos esse mundo que por eles será inventado.”

Pais,  sejamos capazes de  preparar nosso filhos – homens e mulheres – para a habilidade de construir, por sua vez, de forma  especial e  saudável, o mundo no qual nossos netos irão ser educados e onde encontrão sua felicidade.

REFERÊNCIAS:

Anais dos Congressos da Escola de Pais do Brasil:

XXIII Congresso Nacional – Família, liberdade e participação, 1987.

XXXI Congresso Nacional – O poder da Família, 1995.

XXXVI Congresso Nacional – Do ontem ao amanhã: a família rumo ao não 2000, 2000.

42º Congresso Nacional – Meus Pais, Meus Filhos, Meus netos – Convivência das quatro gerações. 2006.

44º Congresso Nacional – Valores que permanecem, valores que amanhecem, 2008.

NUNES, Cesar Aparecido. Filosofia, sexualidade e educação: as relações entre os pressupostos ético-sociais e histórico-culturais presentes nas abordagens institucionais sobre a educação sexual escolar, 1996.

______. Educar para a emancipação. Florianópolis: Sophos, 2003.

CHARBONNEAU, Pe. Paul Eugéne. Educar para o Futuro. São Paulo: Livraria Atheneu, 1978.

 

Marlena Zanoello Detoni – Mestre em Educação, Professora da UNOESC, associada da Escola de Pais – Seccional de Joaçaba/Herval D’Oeste.

Publicado na revista Escola de Pais do Brasil – Seccionais de Biguaçu e São José , nº 5, junho de 2014, p. 7.

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