UMA CESTA DE VALORES Um jeito de estar no mundo

A Escola de Pais no Brasil vai percorrendo seu caminho através da história.  Mais de cinquenta anos de atividades e de garra já foram percorridos. Seus animadores e dirigentes desejam ajudar pais e educadores a formarem educandos e filhos como seres íntegros, capazes de realizar plenamente sua vocação humana, que possam ser cidadãos tornando possível e prazenteira a vida no planeta, pessoas que possam deixar marcas, por modestas que sejam e que assim enfeitem com sua passagem pela terra dos homens. Não duvidamos que uma das mais nobres missões confiadas aos homens é a de educar as novas gerações. Ora, faz parte da educação orientar os educandos para os valores.

  • “Os valores são como pequenas sementes que vivem no íntimo do ser humano. Estão lá, mas nem sempre somos conscientes disto. Seu maravilhoso potencial percebe-se apenas quando traduzido em atitudes, ações, obras, palavras e feitos. A solidariedade, por exemplo, é inatingível, mas sabemos reconhecer ações solidárias, empresas solidárias, organizações que encarnam a solidariedade. Além disso, com nossos olhos podemos ver ações que nos enchem de júbilo, que mostram o potencial de todo ser humano, sua generosidade, solidariedade e criatividade” (Francesc Torralba, O valor de ter valores, Vozes, p. 11).  Valores?  Pequenas sementes? Chamas modestas? Heroicidade ocasional ou esplendor discreto e charmoso no cotidiano?
  • Os valores não são coisas para se possuir, nem objetos para serem avaliados, medidos e quantificados. Não são armazenados. Não se encaixam na lógica do ter. E, no entanto, fazem parte do indivíduo, de sua natureza mais íntima.  São uma forma de ser, aquilo que molda a personalidade. Não são roupas que se troca a cada estação, nem acessórios que se muda conforme a moda.  Torralba afirma: “Eles vêm de dentro, vêm tatuados, não na pele, mas na alma” (Torralba, cit. p.23).
  • Os valores não são facilmente visíveis, mas encontram-se no âmago do ser de cada um, guardados num receptáculo de carne, de osso, no mais íntimo, naquilo que o ser humano tem de mais interior, de mais espiritual. Somente quando mergulhamos em nossa verdade e em nossa interioridade é que os reconhecemos e identificamos.
  • São fontes de inspiração, motores de ação, horizontes de referência, força motriz que nos faz viver, agir, estar em movimento. “A solidariedade, por exemplo, é motivadora para muitos, assim como a beleza, a igualdade e o estudo (…).  A paixão pelo estudo é que leva o intelectual a peregrinar por bibliotecas e esquadrinhar livros. É o valor da solidariedade que motiva um voluntário a doar o seu tempo e conhecimento profissional em prol da qualidade de vida de pessoas que não conhece. É o amor pela beleza que instiga a alma do poeta e o leva a buscar os versos mais precisos, a metáfora mais bela” (Torralba, p. 22)
  • Desnecessário insistir que vivemos um tempo de crise de valores. Sabemos que no passado, algumas vezes, eles foram impostos de maneira ditatorial.  Hoje precisamos compreender de uma maneira nova como os valores verdadeiros norteiam nossa vida e a vida do mundo. Sem espírito derrotista sabemos que a mentira campeia, que a intolerância mata, que a indiferença torna a vida insuportável, que não se aposta no amanhã.
  • Educar para os valores, eis a questão. “Educar significa despertar e desenvolver a essência espiritual do ser humano. Não se trata de despertar  o sentimento de religião, antes, de cultivar a convicção de que nesse mundo o homem se destaca pela sua capacidade de amar e é nesse caminho de amor, compaixão, solidariedade que é possível experimentar a sabedoria  que o faz transcender e superar a lógica perversa do egocentrismo, da ambição desmedida e competição que aniquila a sua dignidade primordial” (Robson  Santarém, Precisa-se (de) ser humano. Valores humanos:  educação e gestão, Vozes, p. 103).
  • Antes de tudo o valor que se chama família. Espaço em que as pessoas são acolhidas no mundo. Espaço de bem querer de verdade, onde as pessoas são aceitas com suas luzes e sombras, onde fazem a primeira experiência de pertença.  Espaço de formação do caráter, de gestação do ser humano, de atenção pelos seres mais fragilizados (crianças, idosos, os que atravessam turbulências), espaço em que as máscaras costumam cair. Família, escola de valores: tudo simples, sem discursos moralizantes. Os irmãos cuidam dos irmãos, o convívio presencial e regular com os avós, pais profundamente honestos, verdadeiros pós-graduados em educação. Coisas simples: a mesa da refeição partilhada, a cadeira de balanço do pai ou do avô, a dor partilhada pela morte de um irmão, a lição de um parente que ensina a arte de morrer em paz, as comemorações do natal e aquele crucifixo na parede.

Espaço em que se pode despertar para a fé.  Pais buscadores de Deus, que rezam, que andam atrás do Mistério sem carolice e pieguice, que ensinam a agradecer o pão de cada dia e procuram fazer da casa uma pousada para o Mistério do Senhor.   Os filhos precisam crescer com “saudade do Deus que os inventou”.

Os filhos que foram objeto do cuidado pelos pais, depois se tornam os cuidadores desses que envelheceram e serão amados praticamente até o final. A família é valor e escola de  valores.

  • Respeito – Há esse respeito que é reverência mais ou menos formal. Há o respeito pela dignidade da pessoa do outro, por seu valor pessoal, pela maneira como ele vê as coisas.  Sim, antes de tudo respeito pelo ser humano. Os ataques terroristas, as chacinas, as queimas de arquivo, os gestos loucos no trânsito denotam falta de respeito. O respeito indica sempre o limite até onde podemos chegar. O respeito dá alegria ao outro que se sente levado em consideração. Torna possível a convivência e impede toda violência e possibilita o crescimento nos relacionamentos.
  • Tolerância – Não é simples transigência, indiferença ou indolência. A pessoa intransigente é dura, antidemocrática, pensa ser dona da verdade. A pessoa tolerante mostra humildade, respeita os outros, busca a verdade.  Tolerar é respeitar as ideias do outro para que ele respeite as minhas. Tolerar não quer dizer covardia, fraqueza, falta de caráter, permissividade. O valor da tolerância não impede que a qualquer momento se dê a manifestação clara das próprias convicções. A tolerância admite e quer positivamente a diversidade. A intransigência impõe a uniformidade. A tolerância se move num clima de liberdade. A intransigência tem medo da liberdade.  A intolerância é humilde e nunca exibe autossuficiência.  A intransigência é orgulhosa e impõe prepotência.
  • Coragem – Força gigantesca. Sem coragem não se vive.  Há momentos em que somos presas do desânimo e do desalento.  Podemos entrar num estado de prostração. Será preciso coragem para continuar a viver: coragem no casamento, no tempo do desemprego, na estação dos desentendimentos, coragem para continuar, mudar, ser.  Coragem de aceitar a vida e não a morte, coragem de levantar-se de manhã cedo e começar tudo outra vez mesmo que o tempo da vida esteja nublado.  Coragem vem de coração, aquele que acredita mais na vida do que na morte. Coragem de ser gente de valor.
  • Ter os olhos abertos – Os olhos do rosto, mas sobretudo os olhos do coração.  Não é sadio que nos enclausuremos em nós mesmos, em nossas coisas, nossas vidas, nossos mundinhos. Presar atenção na vida: uma mãe leva o filho pela mão, de repente ele solta da sua mão e vai contemplar com alegria uma galinha com seus dez pintinhos, no quintal da avó; ver que o pai e a  mãe vivem momentos de tensão, olhar,  chegar perto, sem interferir, ter os olhos abertos; ver esses  moradores de rua, trapos humanos, antigos hóspedes do edifício que caiu eles que  andam atrás de sua carteira de identidade e do cachorro que desapareceram.  Esses trapos humanos sabem que contam pouco aos olhos dos outros, mas seu rosto faz exultar de alegria o cachorro fiel; saber encantar-se com uma mãe amamentando seu filho, com um velho bonito com sua bengala, com uma rosa no quintal e com uma canção de ninar.
  • Bondade – Bondade é uma disposição do coração. Está escondida lá dentro, mesmo antes dos gestos e atos que ela suscita.  Muitas vezes se contenta com um olhar, olhar de bondade que já consola e aquece.  A bondade é exigente. Não passa a mão na cabeça.  Está intimamente ligada com a verdade. Querer o bem do outro.  Nunca é amiga da facilidade e da mentira. Mesmo corrigindo, chamando atenção, sempre se apresenta sem violência.  Ela costuma circular nos espaços onde se manifestam as fragilidades humanas, dilaceramento do corpo e do espírito, fracassos.  Não compactua com o orgulho e o poder. A fraqueza do outro suscita nela novas forças. A bondade sofre porque nem sempre pode mostrar seu olhar de doçura. Ela é sem defesa, muitas vezes ignorada, por vezes ferida. Há armas que ela não sabe utilizar porque não tem armas. As pessoas boas podem perder batalhas, mesmo justas, mas nada disso tira sua beleza.
  • Cordialidade – O amor deve se tornar cordial. Talvez não se tenha devidamente colocado em destaque a cordialidade. Ela ajuda as pessoas a se sentirem melhores, suaviza tensões e conflitos, aproxima os que estão distantes, fortalece a amizade. “A cordialidade ajuda a libertar de sentimentos de indiferença e rejeição, pois opõe diretamente a nossa tendência a dominar, manipular, ou fazer sofrer o próximo (José Antonio Pagola).

 Uma página luminosa

             “Ter o valor de ter valores é praticar a autenticidade; enfrentar os irônicos, os cínicos e os hipócritas. É estirar a corda, não contentar-se com o que todo mundo faz, com o que todo mundo diz.  É apostar no agora, não esquecendo o passado nem imaginando um futuro sempre melhor do que o presente. É se esforçar enquanto o outro zomba de nós, ser generoso ainda que se aproveitem, perdoar mesmo sendo difícil, ser humilde no reino dos soberbos, ser fiel, viver com pouco, não ostentar as próprias qualidades, fazer o outro se sentir bem, elogiar seus valores. É pregar mesmo que todos riam da pregação, dar a mão quando o outro precisa de ajuda, lutar por um mundo melhor ainda que ninguém veja.  Nisto consiste o valor de ter valores” (Torralba, op.cit., p.234).

 Frei Almir Ribeiro Guimarães – frade franciscano, nascido em Petrópolis, RJ. Estudou catequese e pastoral no Institut Catholique de Paris, fez Licenciatura em Teologia. Em 1974, voltou a Paris para se doutorar em Teologia. Foi assessor nacional da CNBB e, desde 1992, é solicitado como palestrante e orientador em cursos para assuntos ligados à família. Tem publicado diversas obras de espiritualidade e, sobretudo, na área da Pastoral Familiar. Tem   programas na Rádio Jovem Pan e atualmente é colaborador deste site: www.franciscanos.org.br. Frei Almir Ribeiro Guimarães, OFM Conselho de Educadores da Escola de Pais do Brasil.

Publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional Chapecó nº 24/2018, p. 13 -15.

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