Cada pessoa e cada família, com maior ou menor intensidade, experimenta a convivência e, por vezes, se vê diante destes três desafios, que chegam a tomar o lugar de “deuses”. Por formação equivocada e pelo bombardeio de informações midiáticas muitos acabam por idolatrar, ou no mínimo exercer alguma “adoração” a estes “três deuses”. Esta brevíssima reflexão é um convite para encará-los, reconhecê-los como desafios a serem administrados na vida pessoal e familiar.
O desafio do “deus interesse”, da ganância interesseira.
Em tudo o que fazemos há como que uma insaciável fome de ter alguma vantagem, de qualquer gênero: vantagem material e, até mesmo, espiritual.
Consciente ou inconscientemente agimos nesse sentido.
Mesmo as nossas ações que qualificamos de amor puro e gratuito, sempre há algo dessa impureza do “tomá-lá-dá-cá” que as tornam imperfeitas.
Na vida prática (profissão, relações de amizade, com colegas, com vizinhos, na Igreja ou no grupo de voluntariado) fazemos, sempre, um cálculo, praticamos a avareza, a ganância. É a idolatria do interesse.
Tudo que faço visa “resultado”, visa “retorno”.
Tudo que faço, por mais benevolente que pareça, um dia, mais cedo ou mais tarde, terá um “pagamento”, nem que “seja de Deus”.
Meu “amor ao próximo”, meu “amor à Escola de Pais”, meu “amor aos necessitados” um dia há de ser recompensado.
Portanto, nada é realmente gratuito. Tudo que faço (e tento “ser”) é “comprar”.
O desafio do “deus aparecer” É a sede descomunal que temos da estima alheia, de que os outros reconheçam o que fazemos.
A sede da estima, da fama, que nos faz exibidos até tornarmo-nos insaciáveis disso.
Procuramos ser vistos e elogiados.
É lógico que ter a estima e o reconhecimento dos outros é algo bom e sadio, mas quando é sem medida, é patológico.
O culto ao “Deus aparecer” é sintomático no mundo atual através da vaidade pela vaidade. É preciso fazer o “marketing pessoal”; todos precisam saber que “eu existo”; só algumas coisas do que “sou” e do que faço podem ser escondidas, pois, é preciso que me vejam, me aplaudam, me elogiem, enfim, que gostem de mim. Eu preciso do sucesso como uma verdadeira “vitamina” para minha existência.
O desafio do “deus autoestima’ ou “autocomplacência”
É importante a autoestima: ter uma boa e sadia imagem de si mesmo, mas o exagero também é patológico e leva à IDOLATRIA DO EU.
É a autocomplacência de quem se deleita na própria imagem como Narciso.
A palavra do Mestre é novamente implacável: “Que a tua direita não saiba o que faz a tua esquerda…”.
Um dos sintomas da autocomplacência: não vou atrás do que os outros dizem; convenço-me que sou perfeito, que sou o tal. Deleito-me sobre eu mesmo; é o culto ao “EU”, que é o mais grave: sou “simplesmente o máximo!”.
Um sintoma da autoestima doentia: quando acerta é porque é “o bom”; quando erra é porque os outros têm culpa.
Deleito-me sobre eu mesmo. É o que faz geralmente o moralista, o conservador (aqui é preciso tomar o cuidado para não rotular os bem intencionados, pois, existe uma lógica perversa que faz com que muitas pessoas sejam taxadas como conservadores e moralistas num processo de reação à permissividade e a perversidade, mas não estão nesta categoria), o legalista, o integralista, convencido da sua “retidão moral”, vê os outros com desprezo. “Eu sou perfeito… não sou como esta gente!” Na verdade, este “ídolo” (do egocentrismo) é a síntese dos três.
- A figura bíblica do “Fariseu” é um exemplo típico da “idolatria do eu”.
Como vencer estes desafios:
1. Através da GRATUIDADE
2. Amor sem sombra de cálculos
O amor gratuito é o único amor, pois sem gratuidade não há amor. Fala-se de amor, mas quase sempre há mil impurezas ou sutis interesses, ou cálculos mesquinhos. Gratuidade é amor puro sem visar a menor sombra de vantagem, sem esperar um retorno de devolução.
Entre as diversas “bulas” deste remédio destaca-se a conhecida parábola do Bom Samaritano.
O que há de bom em mim, não é só minha obra! O que há de mal, isto sim, pode ser que seja só meu! Pois sou falho! Vocês acham que admitir isso é ter “baixa autoestima”?
Até o amor dos pais pelos filhos deve ser bem avaliado. A sua doação aos filhos é amor verdadeiro? Ou é apenas egoísmo sofisticado, cuja máscara de amor carrega um “preço”?
O amor humano deve ser purificado: Passar ao fogo sete vezes como o ouro.
Amar é doar até a própria vida. A História traz inúmeros exemplos, tais como Jesus, Maximiliano Kolby.
Amor sem sombra de exibição
Mais do que interesses materiais o nosso orgulho sempre espera o maior tesouro: ser estimado, elogiado, até bajulado.
O itinerário correto é o da porta estreita da humildade;
Na prática do trabalho voluntário, que presume gratuidade, o sujeito não deve “negociar” nem com Deus, pois, fazendo isso, fatalmente estabelece seus próprios padrões de mesquinharia;
Amar é fundamentalmente doar-se sem a sombra da exibição.
Amor sem sombra de complacência
Quem toma demais consciência do bem feito acaba se afogando nas areias movediças da autocomplacência. O narcisismo é a armadilha de uma autoestima saudável.
CONCLUSÃO
Gratuidade é uma tríplice abertura:
Amar sem cálculos e sem mesquinhos interesses.
Amar sem sombra de exibição. Amar sem sombra de complacência.
Estes “deuses” desafiam-nos todo dia, em nossos pensamentos e atos, no trabalho, no estudo, em casa e, até no trabalho voluntário. Revestir-se de “gratuidade”, a si e à sua família é mais que “remédio” para vencer este desafio. Gratuidade é VITAMINA!
Este artigo foi publicado na Revista Programa – junho de 2011, p. 23, do 48º Congresso Nacional da Escola de Pais do Brasil, realizado de 23 a 25 de junho de 2011, em São Paulo – SP.
João Batista Athanásio – é membro da Escola de Pais do Brasil, Seccional de Curitiba, PR. Professor nas áreas de Filosofia, Psicologia e Direito. Advogado especialista em Direito de Família. jbathanasio@ig.com.br
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