Síndrome do ninho vazio

Subitamente a casa parece maior. Os filhos ganham autonomia crescente e os programas em família rareiam. Que fazer com tanto tempo sem eles? E como afastar a melancolia e transformá-la em oportunidades?

 

Enquanto o filho tinha «uma namorada por semana», Ana Isabel achava divertido. Bom aluno, basquetebolista, com pinta, Rafael colecionava paixões e mantinha-se fiel ao pequeno grupo de amigos, aos pais e duas irmãs mais novas. «Ele saía pouco à noite, os fins-de-semana e as férias eram sempre em família», recorda a mãe. Tudo mudou aos 17 anos, quando conheceu a Mariana. «O ano antes de entrar para a faculdade foi inesquecível: noitadas, sábados e domingos com a namorada e até no Verão pouco ou nada o víamos». Os pais estranharam mas habituaram-se. O pior veio quando a Diana e a Mafalda – com dois anos de diferença – seguiram os passos do mais velho. «Foi difícil passar de uma casa sempre cheia de gente para dias e dias com os três fora. Só apareciam à noite. Eu e o pai chegávamos a implicar um com um outro, até que percebemos que não havia nada a fazer: tínhamos de ‘encher’ o tempo de qualquer forma». A solução que encontraram foi passear. «Primeiro inscrevemo-nos no Inatel, mas havia pouca gente da nossa idade. Então começámos a sair os dois e a explorar as redondezas». A pouco e pouco foram-se aventurando nos roteiros e arranjaram companhia, na forma de um casal de vizinhos. Rafael tem hoje 24 anos, as irmãs 19 e 18 e de uma coisa Ana Isabel tem a certeza: «Quando ele sair de casa vai-me custar e elas então nem imagino. Mas seria muito pior se entretanto não tivéssemos arranjado coisas para fazer».

«Síndrome do ninho vazio». Não é uma doença, mas está bem identificada nos manuais de Psicologia. Manifesta-se pela melancolia que atinge os adultos quando os filhos abandonam o núcleo familiar. Os papéis de pai e mãe deixam de preencher a quase totalidade dos dias e os adultos sentem-se afastados do centro da vida e do interesse dos mais novos.

Tradicionalmente, este facto é relacionado com a entrada dos filhos na idade adulta – corporizada em rituais de transição como os estudos superiores, o primeiro emprego, a primeira casa ou uma relação afetiva ‘a sério’. No entanto, há sinais crescentes de que pode começar muito mais cedo, conforme a autonomia dos adolescentes aumenta, e mesmo que a família nuclear continue toda debaixo do mesmo teto.

A psicóloga Ana Durão classifica estas circunstâncias como um «fenômeno individual com contexto cultural». Isto é, tem origem na dinâmica de cada família, mas essa dinâmica é afetada pelas normas sociais vigentes.

«Os filhos são, cada vez mais, o investimento da vida dos pais», refere. «A geração que agora está em plena fase de parentalidade deseja dar tudo às crianças e ser os melhores pais que conseguem. O princípio é altamente positivo, mas acarreta riscos e um dos mais frequentes é o dos adultos demitirem-se de tudo o mais em função desse papel. À medida que o tempo passa, e com o processo de maturidade dos filhos a decorrer, ou mesmo por alterações da estrutura da família, podem vir a sentir uma sensação de esvaziamento», acrescenta.

Por sua vez, a psicóloga britânica Penelope Leach refere que o afastamento progressivo entre pais e filhos é frequentemente visto pelos primeiros como «uma exclusão que magoa, já que os nossos meninos parecem preferir estar com toda a gente menos conosco».

 

Silêncio esmagador

Ana Isabel e o marido, Manuel, encontraram uma estratégia quando ficaram – e a expressão é dela – «órfãos dos três». No entanto, Cristina, a braços com um divórcio complicado e dois fins-de-semana por mês sem as filhas, ainda não «arranjou forças» para fazer mais do que «ficar por casa ou ir até à minha mãe ou ao meu irmão, e esperar que sejam oito da noite de domingo e o pai as trazer».

Quando as famílias se transformam em caso de separação do casal, o ninho pode ficar vazio não só pela ausência dos filhos mas também pelo fim da organização da família. «Quando desaparece uma relação afetiva, uma tendência, habitualmente mais patente no caso das mães, é transferir o afeto que já não tem destinatário para os filhos e, em certa medida, ficar dependente deles», adverte Ana Durão, referindo que uma das mulheres que acompanha refere o «silêncio insuportável» que se instala em casa nos momentos que os filhos estão com o ex-marido.

Também Cristina se queixa dos dias em que «não há nada para fazer» e em que nem sequer lhe apetece aceitar convites. A pedido da mãe, iniciou agora acompanhamento profissional para tentar «sair da crise».

Na grande maioria dos casos, são as mulheres as primeiras a demonstrarem que lhes falta alguma coisa quando os filhos abandonam a barra das saias. No entanto, Ana Durão ressalva que os homens também são atingidos. «Os afetos com os filhos são vividos de forma diferente caso se trate da mãe – habitualmente a principal cuidadora – ou o pai. Os homens estão formatados para pensar que não sofrem ou para esconder o sofrimento. Mas ele acontece.»

Primeiro eu

«Mais tarde ou mais cedo, esta crise existencial – e aqui a palavra crise é entendida no sentido de oportunidade de evolução – atinge todas as famílias. E faz toda a diferença estarmos preparados para ela», afirma Ana Durão.

Se, por muito empenhados que estejam na sua missão de pais, os adultos mantiverem acesa a luz que os faz indivíduos, no momento em que o papel da parentalidade parece ficar mais frágil, é aos outros papéis que se pode ir buscar alento. «É essencial manter as restantes funções sociais e, se for necessário, encontrar ou reencontrar prazer noutras áreas da vida, como sejam o trabalho, atividades intelectuais e físicas ou relações familiares», desafia a mesma especialista.

«Os pais nunca deixam de o ser, em nenhum momento. Mas também são homens e mulheres, filhos, irmãos, tios, profissionais, amigos, desportistas etc. etc. E é bom que nunca esqueçam isso», defende, por seu turno, Penelope Leach. «Uma mãe ou um pai que passa dias e dias a gerir a sua agenda em função das necessidades e dos seus filhos tem o direito e o dever de parar para respirar e relembrar-se que, antes de tudo, é uma pessoa», adianta a especialista britânica, conhecida pelas obras de Psicologia Familiar e pelo cargo de consultora do governo do Reino Unido.

Artigo publicado no site:

http://www.paisefilhos.pt/index.php/criancas/adolescentes/5984-sindrome-do-ninho-vazio  Acesso em 16/07/2014.

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