Mary Neide Damico Figueiró[1]
O tema família tem requisitado, cada dia mais, reflexões e estudos a respeito de seu papel no desenvolvimento dos filhos. No empenho em contribuir com reflexões sobre essa instituição, centrarei meu foco no relacionamento conjugal. Penso que é possível enriquecer a vida a dois, investindo em elementos que aprimorem a comunicação e fortaleçam a afinidade entre as duas pessoas que optaram por partilhar uma vida juntas.
A qualidade do relacionamento conjugal vai interferir, decisivamente, na formação dos filhos, sobretudo, no aspecto psicológico. Vai interferir, ainda, na determinação da segurança emocional de seus integrantes e da qualidade afetiva do ambiente familiar. Muito se pode fazer, de concreto, no dia a dia, em termos de atitudes e de comportamentos que conduzam a isto.
Começarei citando o livro A Psicologia do amor romântico: o que é o amor, por que nasce o amor, por que ele às vezes se desenvolve, por que ele às vezes morre, de Nathaniel Branden (1982). Este foi um dos primeiros livros que li, assim que me formei em Psicologia, e nunca me esqueci de um fator que o autor afirma ser um dos responsáveis pelo crescimento do amor, na vida a dois. Trata-se da necessidade de cada membro do casal esforçar-se por continuar a crescer, sempre, a fim de que um encontre motivos para continuar admirando o outro. O amor surge e se fortalece na admiração. O crescer pode ser compreendido em seus vários sentidos: crescer como mãe, ou pai, como esposo ou esposa; crescer profissionalmente, crescer como pessoa, atualizando-se, realizando diferentes leituras, relacionando-se de forma melhor e mais afetuosa com os outros e ampliando seu leque de contatos e amizades. Crescer pode, também, ser compreendido como o esforço para ser uma pessoa aberta e disposta a rever sempre seus posicionamentos e a evoluir na forma de posicionar-se diante de várias questões que envolvem a realidade humana. Pode envolver, ainda, o cuidado com seu próprio corpo, com sua aparência física e sua saúde, e assim sucessivamente. Então, é um crescer como um processo, como uma busca por ser cada dia melhor. É nessa luta por crescer, para continuar sendo admirado, que cada um vai, também, alimentando sua autoestima, o que, por sua vez, é um outro fator importante para o sucesso da relação a dois, pois só podemos ter uma ligação amorosa sadia com o outro, se tivermos, primeiro, uma ligação amorosa conosco mesmos (BRANDEN, 1982).
Para que uma pessoa se vincule e permaneça vinculada, amorosa e afetivamente, a alguém, é muito importante que viva, na prática do dia a dia, a expressão de suas emoções: alegria, amor, admiração, prazer, saudades, desgosto, tristeza, raiva, frustração, mágoa, desânimo e outras. Expressar as emoções torna as pessoas mais próximas e facilita o conhecimento mútuo. Quando se trata de um sentimento tido como positivo, como, por exemplo, a alegria e a admiração por algo que se aprecia, o fato de expô-lo ao outro faz com que o sentimento se intensifique, gerando, na pessoa, a sensação de estar sendo expansiva e cheia de vida.
Por sua vez, quando se trata de uma emoção oposta à alegria ou à satisfação, ao expressá-la, geralmente, o resultado é o bem estar e a melhora da relação. Muitas vezes, quando um adulto fala para o outro (ou para uma criança) a respeito de seu aborrecimento sobre algo que este lhe fez, acaba por criticá-lo, atribuindo-lhe adjetivos depreciativos, tais como: “você é egoísta…; você é uma pessoa imatura…”. Tal atitude provoca, no outro, um sentimento de mágoa, ou cria um clima de discussão, de desavença. Ao se aborrecer com algo que a pessoa fez, seria bom dizer: “Eu estou triste e chateado (ou até com raiva) com o que você fez!” Nesse caso, é fundamental não atacar a pessoa que nos aborreceu, mas olhar para o nosso íntimo, analisar o que estamos sentindo em relação ao que o outro nos fez e falar de nossos sentimentos. Alguns optam por “deixar passar”, mas nem sempre isto é bom, porque acarreta sentimentos que, provavelmente, vão pesar e influenciar a relação. Aprender a expressar as emoções e saber acolher a expressão de emoção feita pelo outro é um exercício que deve durar a vida toda, até a velhice. É importante cuidarmos de nossa comunicação não verbal, quando expressamos nossos sentimentos, pois nosso semblante, nossos gestos e nosso tom de voz – sereno e firme, sem rispidez e agressividade – precisam ser coerentes com o que falamos. Os filhos que crescem em um ambiente em que há alegria, afeto manifestado por meio de abraços ternos e expressão de emoções, por parte dos pais, têm muita chance de se tornarem pessoas também afetuosas e comunicativas de suas emoções, o que lhe trará ganhos afetivos em seus relacionamentos.
Finalmente, vale dizer que os comportamentos e as atitudes de que tratamos, aqui, só poderão se potencializar se a relação a dois for construída com base na igualdade entre os gêneros. A relação deve ser de tal forma que o homem e a mulher sejam considerados iguais em direitos e deveres e iguais em termos de valor como pessoa humana, tanto no âmbito do trabalho, quanto no âmbito doméstico. Nessa relação, nenhum membro tem o poder de comandar as decisões do outro, e cada um deve ter respeitada a sua autonomia. Como nossa cultura é, ainda, muito machista[2] e sexista, precisamos de pais e mães que tenham atitudes de superação desses males e que ensinem o respeito a todo tipo de diferenças: religiosas, sexuais, de raça, econômicas e sociais. Ao se relacionarem de maneira positiva, os pais já estão dando aos filhos uma parte significativa da educação sexual de que necessitam.
[1] Psicóloga, Professora Sênior da Universidade Estadual de Londrina (UEL/ PR). Mestre em Psicologia Escolar, pela USP e Doutora em Educação, pela UNESP. Pesquisadora e autora de vários livros sobre Educação Sexual.
[2] Machismo é toda atitude que denote que o homem vale mais e tem mais direitos que a mulher. Assim sendo, até as mulheres agem, muitas vezes, como machistas. Sexista é a divisão estanque entre o mundo feminino e mundo masculino: isto é de homens, isto é de mulheres. Pode ser, por exemplo, a divisão entre os tipos de profissão, esporte e lazer.
Artigo publicado na Revista Escola de Pais do Brasil – Seccional da Grande Florianópolis nº 6, junho de 2015, p. 7.
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