RAIVA: Uma emoção hostil, mas necessária.

A todo momento ouvimos que os jovens estão agressivos ou que os adultos estão apresentando uma intolerância ou irritabilidade … e, por vezes, isso nos assusta. Assusta-nos, pois tememos a falta de controle, a violência.

Fomos educados ouvindo: “Não se irrite!”.

Esta frase exerce uma grande força em nós, porém, a todo momento, tentamos não nos irritar e, na maioria das vezes, não conseguimos, causando em nós uma grande culpa (ou outro tipo de sentimento). Tanto a raiva como a culpa são sentimentos que acabam por nos fazer sofrer.

Sempre nos foi ensinado que a raiva é um sentimento negativo e, como tal, temos que lutar para que ele não exista, pois estaríamos pecando ou sendo maldosos…

Mas, a verdade é que sempre nos irritamos quando não conseguimos atingir um objetivo, satisfazer um desejo ou quando nossa autoestima é atacada.

A irritação (raiva) é uma emoção hostil de uma determinada causa. Ela pode passar rapidamente, como pode durar um maior tempo. A raiva é uma emoção básica e muda de nome diante de certas situações: quando envolve situações de propriedade, chama-se inveja; quando se trata da posse de outra pessoa (cônjuge, irmão ou irmã, amigo, mãe…) chama-se ciúme; mas se vinculada à ofensa da honra, pode se transformar em vingança.

Como dissemos, a raiva é uma emoção hostil, densa, explosiva e desencadeia reações imediatas (acesso de raiva). Quando essa raiva e irritação duram um tempo maior, num mesmo alvo, falamos então que é ódio.

Todo ser humano, independente de cultura, tem posturas básicas geneticamente determinadas frente à irritação e à raiva.

Elas conduzem aos nossos processos no sistema nervoso e, além disso, as expressões gestuais são semelhantes. Contudo, isso pode ser alterado por influências culturais e por outras formas de aprendizado.

Para entendermos isso, precisamos conhecer um pouco do cérebro. Numa concepção simplificada, podemos dizer que o cérebro é composto de três partes, onde atua a irritação: 1º) O tronco cerebral e porções do diencéfalo, que é a base instintiva, onde assentam nossos sentimentos; 2º) O sistema límbico, onde vivemos as emoções sob a forma de estados inconscientes e que exercem forte influência sobre o nosso comportamento; 3º) A córtex cerebral, que governa os movimentos voluntários, processa conscientemente os estímulos sensoriais e é responsável por processos cognitivos complexos (pensamento e fala).

Não existe um “centro da raiva” no nosso cérebro. A irritação surge da intervenção de várias estruturas cerebrais e são manifestadas por gestos e postura corporal.

Esses gestos e posturas (punho cerrado, fisionomia carregada, contração visível da musculatura, o tom de voz) comunicam ao outro o sentimento de irritabilidade que, por sua vez, pode devolver sinais apaziguadores (um tom de voz dócil e conciliador, gestos tranqüilizadores, postura corporal mais humilde ou um sorriso cordial). Isso pode suavizar a irritação alheia.

Se lidarmos de forma apropriada com a irritação, elas podem ser úteis na regulação dos relacionamentos sociais, pois podemos nos proteger, nos distanciarmos ou, se for o caso, discutir o assunto.

Quando a irritação está velada e não manifesta, devido ao desejo de simpatia de todos ou pelo medo de culpa, isso será revelado por comentários ácidos, maldosos a respeito do outro ou melhor explicando: será manifestada através de alfinetadas ao outro, devido às mágoas. Acaba acontecendo comunicação de concórdia superficial ao outro, mas é possível identificar com nitidez a irritação.

Isso tudo pode acabar se tornando um ciclo vicioso, pois, onde não há comunicação real dos sentimentos, ocorre deslealdade. Porém, se há diálogo, contato com os verdadeiros sentimentos, poderá sanar a dor interna (a irritação e a raiva).

É bom lembrarmos que a irritabilidade e a agressão não são “farinha do mesmo saco”. Nos animais, estas duas (irritabilidade e agressividade) andam juntas, porém, em nós, seres humanos, não, porque temos condições de controlar nossos sentimentos com o auxílio da razão. Mas, para isso, é preciso que passemos a nos conhecer melhor. O que me causa raiva? Por que fiquei tão zangado? Em que parte da minha história devida foi tocado a ponto de que eu fique tão zangado?

Costumo dizer para os meus pacientes: …”imagine um balcão desses de gesta de criança. Se eu começar a soprar dentro dele e segurar o gargalo, soprar e segurar… fazer isso muitas vezes, o que acontece? É lógico que ele, em determinado momento, vai estourar. E quando isso acontecer, vai espirrar partículas para todos os lados. Às vezes, estas irão acertar até nas pessoas que nada têm a ver com este balão. Mas, ao contrário, se eu identificar porque e o que estou soprando dentro desse balão e, ao invés de guardar dentro do balão, eu resolver o que me incomoda, isso não vai estourar o balão (não vai haver acesso de raiva)”. Então, são muito importantes estas identificações, pois elas dão notícia de mim mesmo.

A raiva reprimida ativa o sistema nervoso simpático e põe o corpo em estado de alerta. Ex.: Em decorrência de estresse prolongado no ambiente de trabalho, posso desenvolver um estado de tensão e distúrbios cardiovasculares crônicos e nosso sistema imunológico se enfraquece.

Crianças e jovens que apresentam reações agressivas impróprias e incapazes de controlar a própria raiva, geralmente apresentam história de um período prolongado de carência afetiva, onde foram privadas de carinho e proteção. Isso, penso eu, nos leva, enquanto pais, a ficarmos alertas em nossos papéis de oferecer amor e segurança aos nossos filhos.

Então, f ica a indagação: como lidar melhor com estes sentimentos de raiva / irritabilidade?

Eles são parte do equipamento emocional básico dos seres humanos e, assim sendo, não podemos bani-los nem negá-los. Pelo contrário: sua presença indica um conflito ou um perigo a nos ameaçar, razão pela qual devemos dar atenção a essa presença e levá-la a sério. É graças a esse sentimento que refletimos sobre nossos próprios limites e rechaçamos, se necessário, quem se aproxima deles e nos protegemos de intrusões indevidas. A energia que a irritação põe à disposição, afasta medo e a sensação de impotência. São as emoções que nos fazem voltar para nós e para nossos problemas a serem resolvidos.

Por isso, ao invés de dizer “não se irrite!”, devemos dizer “trate de se irritar sim, mas com moderação”.

Para ter essa moderação, temos que tomar consciência de nossa irritação, com todos os seus indicadores físicos e emocionais. Falar dessa irritação também é outro fator que nos auxilia a expressar conscientemente o que estamos sentindo sem ter que recorrer à violência física.

Não podemos esquecer, também, que palavras e gestos podem ferir muito, principalmente se estiverem a serviço de uma irritação velada. Por isso, é importante aprender e exercitar desde pequeno a se expressar sem machucar o outro.

Mas, com tudo isso, se ainda acontecer de ficarmos irritados e termos acesso de raiva, afinal somos humanos, é possível discutir sobre o assunto posteriormente, rever situações e mostrar sua disposição conciliatória. Assim, terá oportunidade de esclarecer de forma sensata o conflito e resolvê-lo. Porque daí a irritação vai desaparecer, pois terá cumprido o seu papel.

Se eu entrar em contato comigo mesmo e descobrir minha dinâmica, posso aprender a lidar com esse sentimento.

Este artigo foi publicado na revista Escola de Pais do Brasil – seccional Goiânia, nº 29, outubro de 2008, p.27-29.

Maria Aparecida A. F. Medeiros – Psicóloga Clínica e Psicopedagoga – Associada da Escola de Pais – Seccional Goiânia.

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